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Pesquisa-ação-formação na abordagem autobiográfica

CAPÍTULO 2 PERCURSO TEÓRICO-METODLÓGICO DA PESQUISA

2.2 Pesquisa-ação-formação na abordagem autobiográfica

Nesta pesquisa, que trata da formação e da prática do acompanhamento do professor-formador na escrita do memorial de formação, a perspectiva autobiográfica embasa seu percurso de construção por advogar a indissociação entre a problemática em estudo e os sujeitos que a constitui. Assim, vivenciamos uma construção conjunta do conhecimento e do próprio método.

Neste capítulo, apresento as relações internas entre o teórico e o metodológico através da abordagem (auto)biográfica no campo da educação, especificamente na formação de professores/as, pois “A formação através das práticas autobiográficas rompe, portanto, com a concepção de transmissão de

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saberes e se caracteriza como a busca da compreensão de si mesmo e de suas relações com o saber" (PASSEGGI, 2006, p. 2).

Adotar essa perspectiva significa romper com a prática simplificadora e reducionista de uma investigação, visto que "a especificidade do método biográfico implica a ultrapassagem do quadro lógico-formal e do modelo mecanicista que caracterizam a epistemologia científica dominante" (FERRAROTTI, 2010, p. 49).

A parceria com abordagens epistemológicas e metodológicas, ao mesmo tempo em que me auxilia na compreensão da problemática do estudo como um fenômeno vivo, inquietante e mutante, exige uma escuta sensível (BARBIER, 2007), um olhar atento a seus movimentos e desdobramentos. Uma aprendizagem formada na e pela ação no devir com os sujeitos participantes, compreendendo e interagindo com suas estratégias mobilizadas para aprender e produzir conhecimento.

A natureza qualitativa desta ancora-se, sobretudo, na forma flexível e dinâmica da minha implicação com o campo de pesquisa, com o grupo de sujeitos participantes e o fenômeno investigado, pois, conforme chama atenção Barbier (ibid, p. 101), “Implicar-me consiste sempre em reconhecer simultaneamente que eu implico o outro e sou implicado pelo outro na sua situação interativa”.

Nessa perspectiva, optei pela pesquisa-ação-formação, visto que a problemática se situa em uma dinâmica interacional onde as participantes, em situação de formação, constroem uma narrativa de formação acompanhadas por um formador que, ao mesmo tempo em que forma, também é formado. Pineau (2005) parte do princípio de que a pesquisa e a ação caminham juntas quando os participantes da pesquisa em formação tornam-se conscientes de sua (auto)transformação sofridas sob a ação (PINEAU, ibid).

Para essa abordagem, tomo a perspectiva de pesquisa-ação em Barbier (2007) e pesquisa-formação em Josso (2004), que complementam a visão de pesquisa voltada para diferentes dimensões formativas do sujeito defendidas por Gaston Pineau.

Pineau (2005) situa a pesquisa-ação-formação no paradigma antropoformador, colocando-o como um paradigma emergente na formação,

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diferenciando essa perspectiva das pesquisas do modelo clássico pedagógico- positivista, pois “a epistemologia disciplinar positivista não é mais a única referência. Apelos às abordagens transdisciplinares, dialéticas e sistêmicas do saber nutrem essas pesquisas” (p. 109).

Dessa forma, a essência nesse tipo de pesquisa coloca a investigação de forma coletiva no diálogo constante entre o professor-pesquisador, os sujeitos participantes - formador e alunas-formandas - e os problemas investigados, considerando a formação como um processo de autoformação, hetero-formação e eco-formação (PINEAU, 2005, 2006).

Nesse caso, considero a voz do sujeito, sua significação como componente da metodologia da investigação e não apenas como dados que me são fornecidos para registro e posterior interpretação (BARBIER, 2007). A pesquisa-ação diferencia-se da visão tradicional de pesquisa porque nela "é criada uma situação de dinâmica social" [...] "em que os membros do grupo envolvido tornam-se íntimos colaboradores" (BARBIER, ibid, p. 56). Assim sendo, há uma ação deliberada de transformação da realidade, possuindo um duplo objetivo: transformar a realidade e produzir conhecimentos relativos a essas transformações. Barbier (2007) classifica a pesquisa-ação como “libertadora”, pois os grupos que a utilizam são responsabilizados pela sua própria emancipação.

Segundo Barbier (ibid), na pesquisa-ação não se trabalha sobre os outros, mas sim com os outros, de forma que nela os participantes se percebem como autores/atores de uma investigação que pensa no processo de interação, no construir em conjunto, passo a passo em uma participação coletiva.

Pensar uma pesquisa nessa direção, é colocar-se além da especialidade de ser pesquisador, é abrir-se para os aspectos sociais, político, imaginário e afetivo. Nessa abertura, o pesquisador percebe-se implicado no jogo de desejo e interesse da estrutura social ao qual está inserido. Ao mesmo tempo, ele consegue implicar os outros, participantes da pesquisa, através de seu modo de agir, na sua ação, pois compreende que as ciências humanas são, em sua essência, ciências de interações entre o sujeito e o objeto pesquisado. Nas

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palavras de Ferrarotti (2010, p. 35), exige-se "uma ciência das mediações32 que

traduza as estruturas sociais em comportamentos individuais ou microssociais". Assim compreendo a pesquisa-ação: como busca da integração dialética do sujeito e sua existência entre fatos e valores, entre pensamento e ação e entre pesquisa e pesquisador. Dessa forma, considero o sujeito, sua perspectiva, seus sentidos, mas não apenas para registro e posterior interpretação do pesquisador.

Além da visão de uma ciência interacionista, das mediações, a pesquisa- ação é também libertadora à medida que os participantes envolvidos na investigação são responsabilizados pela sua própria emancipação. E, nesse sentido, as técnicas utilizadas não são neutras e "O pesquisador em pesquisa- ação tem a preocupação de ser compreendido e de poder agir eficazmente com não-especialistas" (BARBIER, ibid, p. 125). O autor considera ainda que: “uma pesquisa-ação chega ao fim quando o problema inicial é resolvido, se é que pode realmente sê-lo (...) uma pesquisa-ação, mais do que outra pesquisa, suscita mais questões do que as resolve. Ela incomoda os poderes estabelecidos” (BARBIER, 2007, p. 145- 146).

Sendo assim, mais do que responder aos anseios e elucidar as dúvidas, a pesquisa-ação é uma metodologia que instiga, possibilitando que ocorra o ato de

“implicar” (BARBIER, 2007) entre pesquisadores, colaboradores pesquisados e

problemas investigados.

Daí a ênfase no caráter formativo dessa modalidade de pesquisa, pois o sujeito deve tomar consciência das transformações que vão ocorrendo em si próprio e no processo. É nesse sentido que a pesquisa é formativa, pois contempla a possibilidade da mudança das práticas, bem como dos sujeitos em formação, uma vez que “a pessoa é, simultaneamente, objeto e sujeito da formação” (NÓVOA, 2004, p. 15).

Com sua origem na pesquisa-ação, a pesquisa-formação busca um envolvimento efetivo dos pesquisadores na transformação individual e coletiva. Josso (2004) destaca a pesquisa-formação como ação dialética, uma busca por transformação do sujeito a partir de sua experiência, esta não pode ser ensinada, mas vivida pelos sujeitos.

32 Destaque do autor.

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Como processo, a pesquisa-ação-formação revelou-se uma metodologia com múltiplas possibilidades para os participantes experienciarem momentos de reflexão, de ação e de formação consigo e com o outro. Compartilho da ideia de Josso (2008, p. 19) sobre atividades em grupo. Para a autora, esse tipo de trabalho "permite misturar um trabalho de partilha e confrontação com outras pessoas. Então não estou fechada e voltada somente para mim excluindo a dimensão política". Essas atividades contribuem para a formação dos participantes "no plano das aprendizagens reflexivas e interpretativas e toma lugar, no seu percurso de vida, como um momento de questionamento retroativo e prospectivo sobre seu projeto de vida e suas demandas de formação atual” (JOSSO, 2010, p. 71). Nesse sentido, o processo metodológico da pesquisa- ação-formação (PINEAU, 2005) favorece o imaginário criador, a afetividade, a escuta, a complexidade humana, o tempo da maturação e o instante da descoberta.

Assim, construímos um espaço de reflexão acerca dos sentimentos e percepções, oportunizando a reconstrução de si e o repensar do ser /estar docente. Houve, nesse espaço, abertura para a criação, escuta, afetividade, maior sensibilidade para compreender o fenômeno investigado.

O meu papel enquanto pesquisadora não foi apenas o de constatar o ocorrido, mas também de intervir como sujeito de ocorrências. Significa dizer que ser sujeito de ocorrências no contexto desta pesquisa implica conceber a pesquisa-ação-formação como processo de produção de conhecimentos sobre problemas vividos pelo sujeito em sua experiência de formação e situação docente.

Como observadora participante, observei, nas atividades em grupo, os diferentes movimentos das professoras-formadoras com suas alunas-formandas. Sobre a observação, Minayo (1994, p. 61) destaca que “as capacidades de empatia e observação por parte do observador e de aceitação dele por parte do grupo são fatores decisivos nesse procedimento metodológico, e não são alcançados através de simples receitas”.

Esses movimentos dizem respeito às formas de acompanhamento da escrita do memorial de formação. As professoras-formadoras desenvolvem uma

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escuta sensível às histórias contadas, refletidas, partilhadas com suas alunas, ao tempo em que exploram os (re)direcionamentos das angústias geradas pelo ato da escrita. Já nas atividades realizadas apenas com as professoras-formadoras, foi possível perceber tanto nas discussões no grupo reflexivo como por meio de suas narrativas autobiográficas, as reflexões, questionamentos e inquietações sobre o ser/estar docente, e, mais particularmente, na atividade de acompanhamento da escrita do memorial de formação pelas alunas-formandas.

A partir dos referenciais aqui apresentados, anuncio que minha perspectiva de formação considera a reflexividade crítica (NÓVOA, 1991). Nesse sentido, a compreensão sobre o acompanhamento remete a uma prática de partilha, de coinvestimento com o outro e, a partir dessa prática, os sujeitos participantes se formam pela reflexividade de sua história (autoformação), pela história compartilhada com o outro (heteroformação) e com o meio (ecoformação).

O trabalho de reflexão, retorno sobre si, só é possível com uma leitura hermenêutica que "visa marcar as linhas de força e os pontos de convergência segundo os quais a narrativa configura o vivido e a reconhecer as estruturas do mundo manifestado, no texto" (RICOEUR apud DELORY-MOMBERGER, 2006, p. 363). Daí a importância das discussões sobre as narrativas no grupo reflexivo, já que, diferentemente do autor do texto, os demais participantes têm o distanciamento da história, pois "É esse espaço de objetivação crítica e de compreensão que a proposta de formação dá acesso e que o grupo de formação realiza coletivamente" (DELORY-MOMBERGER, ibid, id).