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O objeto de pesquisa e a Análise de Discurso Crítica: possível diálogo à sociologia do cotidiano

2 AS PRÁTICAS ESCOLARES E NÃO ESCOLARES DOS SUJEITOS JOVENS E ADULTOS: DELINEANDO O PERCURSO INVESTIGATIVO DA PESQUISA

2.1 A PERSPECTIVA TEÓRICO-METODOLÓGICA DA PESQUISA: CONSTRUINDO O PERCURSO

2.1.1 O objeto de pesquisa e a Análise de Discurso Crítica: possível diálogo à sociologia do cotidiano

Na discussão acerca de diferentes abordagens da análise do discurso, Fairclough (2001) elabora um quadro teórico através do qual investiga o papel da linguagem na estruturação das relações de poder na sociedade por meio da análise do discurso e do texto. Vale salientar que o discurso para o referido autor é compreendido como forma de prática social, incidindo em várias implicações:

Primeiro, implica ser o discurso um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação. [...]

Por outro lado, o discurso é moldado e restringido pela estrutura social no sentido mais amplo e em todos os níveis: pela classe e por outras relações sociais em um nível societário, pelas relações especificas em instituições particulares, como o direito ou não a educação, por sistema de classificação, por várias normas e convenções, tanto de natureza discursiva como não discursiva, e assim por diante. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 91)

4 Destacamos que o possível diálogo se configura em reflexões iniciais sobre a articulação entre perspectivas teóricas

Assim, o discurso é concebido dialeticamente, ou seja, é reflexo da constituição social e da determinação das estruturas sociais. Em outros termos, o discurso assume um papel relevante na conjuntura social, sendo estabelecido num jogo de poderes e ideologias. Tal como os estudos sobre as práticas cotidianas constituem como e para os sujeitos, o discurso, na perspectiva acima citada, também é a “significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado” (FAIRCLOUGH, 2001, p.91).

No âmbito da nossa pesquisa, a compreensão acima exposta é de extrema relevância, pois nos objetivos da pesquisa também nos propomos a compreender as interfaces entre as práticas e os eventos de letramento escolares e as expectativas dos estudantes da EJA. A Análise de Discurso Textualmente Orientada (ADTO) está, portanto, preocupada “com qualquer tipo de discurso – conversação, discurso de sala de aula, discurso da mídia, e assim por diante” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 62).

A abordagem desenvolvida pelo referido autor nos fornece um quadro teórico para a pesquisa científica social, pois, em sua proposta de operacionalização da análise do discurso crítica, o modelo tridimensional perpassa por três aspectos simultâneos e interdependentes:

a análise dos textos, a qual remete a tradição de análise textual e linguística;

a análise das práticas discursivas, que considera a tradição macrossociológica da prática social em relação às estruturas sociais; e, por último, a análise das práticas sociais, que atribui o caráter interpretativo ou microssociológico de considerar a prática social como a ação dos sujeitos que a produzem de forma ativa. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 96)

Tais aspectos implicam na compreensão de que o objeto de pesquisa não deve ser entendido isoladamente, nem tão somente dentro das macroestruturas sociais, mas sim na articulação entre ambos os aspectos. Isso significa que as pesquisas podem procurar compreender a lógica do cotidiano atribuindo status às práticas cotidianas dos consumidores como ações do tipo tático. Ferreira (2003), ao buscar compreender como os sujeitos constroem suas táticas e estratégias no

cotidiano escolar, destaca a relevância de olhar para o âmbito escolar considerando que o processo educativo não pode estar dissociado das conjunturas sociais e contextos situados.

O estudo sobre o mundo diário, de forma mais específica, o olhar acerca das criações anônimas, dos desvios, da subversão silenciosa se aproxima da compreensão de que “as estruturas são reproduzidas, mas também transformadas na prática” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 84). Nessa perspectiva, a prática discursiva é concebida como processo de construção social entrelaçada não só a determinadas regras que definem as condições de existência dos acontecimentos discursivos, mas também pela ressignificação que os sujeitos fazem delas nas ações diárias. Para Fairclough (2001, p.92), a prática discursiva é “constitutiva tanto de maneira convencional, como criativa: contribui para reproduzir a sociedade (identidades sociais, relações sociais, sistemas de conhecimento e crença) como é, mas também contribui para transformá-la”.

Para o nosso objeto de pesquisa5, compreendemos que as expectativas dos sujeitos da EJA não são determinadas apenas pelos anseios de atendimento imediato às suas necessidades, mas sim associadas ao desejo de terem maior reconhecimento social, maior valorização e respeito, ou seja, uma busca por escapar do estigma provocado por um discurso de representações que considera os sujeitos “analfabetos” como pessoas incapazes. Dessa forma, os discursos veiculados sobre a necessidade de ir para escola com o desejo de inserção em outros espaços de prestígio ou os desejos por melhorias de qualidade de vida estão associados à necessidade de apagar as marcas de exclusão que muitos dos alunos da EJA relatam6 (cf. AMORIM, 2009).

Dessa forma, para apreender os discursos – compreendidos aqui como práticas - dos sujeitos da EJA temos que observar as maneiras de fazer e estilos de ações situadas e inseridas numa conjuntura social de jogo, poderes e ideologias. Esse diálogo poderá nos ajudar a compreender a ideia de possibilidade, pois existem diferentes “maneiras de utilizar a ordem imposta do lugar ou da língua.” (CERTEAU, 1994, p.93). Corroboramos com Pais (1986) quando nos alerta sobre alguns cuidados que devemos ter ao se discutir a constituição de uma sociologia do

5 O objeto de pesquisa se configura no aprofundamento e problematização da pesquisa de especailização intitulada “SERÁ

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Língua Portuguesa e o que diz a Proposta Curricular da Rede Municipal do Recife? (2009)

cotidiano: a compreensão de que tão somente a visão macroscópica do social configura-se como um aporte para entender todas as minúcias do cotidiano e a clareza do pesquisador para entender o que possa ser objeto da sociologia do cotidiano.

Em síntese, o quadro teórico-metodológico da pesquisa assim se desenha7:

FIGURA 01: AS EXPERIÊNCIAS COM PRÁTICAS DE LETRAMENTO (S) DOS SUJEITOS DA EJA DENTRO