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CONHECIMENTO E CONCEPÇÃO FORMATIVA

2.3. Conhecimento e atividade formativa: professores de escolas em zona rural

2.3.2. A pesquisa como atividade formativa

A formação foi pensada a partir de um roteiro de questões ou exercícios que moviam o processo formativo, de modo que todos pudessem compartilhar os sentidos da busca de conhecimento partindo do conhecido, do experimentado.

A primeira pergunta pedia lembranças da escola onde foi aluno. O pedido era feito aos professores quando já estavam reunidos em pequenos grupos. Pedir histórias pessoais no primeiro momento do encontro era uma forma de partir do vivido, deixando ao narrador a escolha do que contar e como contar para o resto do grupo. A pergunta mobilizou lembranças divertidas, outras tensas. Ouvimos relatos

66 emocionados de situações, dificuldades, sucessos, que iam, aos poucos, nos permitindo conhecer os professores e uma parte de sua biografia, ao mesmo tempo em que conhecíamos o significado da escola.

Em seguida, reunidos num grande grupo, conhecemos as sistematizações apresentadas que transformavam os relatos emocionados de cada professor em uma análise da escola a partir dos aspectos positivos e críticos e da constatação de que a experiência escolar não foi igual para todos.

Esse processo parte da experiência, da prática do professor para pensar a escola na sociedade e os valores que são aí produzidos, afirmados e negados. Cada professor ouvia os demais e, por meio da nossa mediação, registrando, colocando novas perguntas, os professores foram estabelecendo relações, percebendo como a experiência pessoal era social, em diferentes contextos, com valores e práticas iguais e diferentes. Essa discussão ampliou-se procurando outras manifestações na sociedade, revelando mais a reprodução do que a transformação.

A sistematização realizada pelos professores destacava os pontos positivos e negativos da escola, separando o que era conflitante nos depoimentos. Assim, a sistematização eliminava o movimento que havia no real e classificava as experiências escolares vividas pelos professores em duas categorias, como eles estavam acostumados a fazer. Esse é um problema da produção coletiva do conhecimento que vamos enfrentar mais adiante.

Para lidar com essa fragmentação, atuávamos dialogando com as diferentes sistematizações apresentadas, procurando enfatizar a heterogeneidade de experiências e de visões sobre a escola. Isso significava que as experiências na instituição escolar eram interpretadas de formas diferentes por diferentes sujeitos e que a realidade escolar contém contradições, e cada sujeito - professores e alunos, moradores e pais - vivenciam o instituído, com sua história, seu repertório particular, podendo aceitar ou negar, submeter-se ou rebelar-se.

O que é conhecer?

67 durante o exercício e descobrissem que há uma teoria que praticam, assim como na atividade anterior. O exercício era conhecer por que os procedimentos seriam reveladores de concepções que se praticam sobre o que é o conhecimento.

O que é conhecer para os professores? Como eles aprenderam o que é conhecer? Foi proposta uma atividade aos professores reunidos em pequenos grupos: conhecer um objeto que foi entregue a cada grupo. No final da atividade, quando ouvimos cada sistematização, os professores observaram que:todos começavam a conhecer o objeto desmontando, medindo, servindo-se de seus conhecimentos anteriores sobre a geometria, a escrita, os números, os materiais; a esse procedimento chamavam de análise. E todos os grupos procederam da mesma forma, embora tenham apresentado o conhecimento produzido de formas diferentes; a forma de apresentar o conhecimento era uma descrição do objeto, uma lista de utilidades e de possibilidades de uso;a neutralidade do sujeito que conhece é garantida pela ausência de comentários subjetivos, não interferência no resultado, pela objetividade das informações, medidas e descrições.

Por que separar as partes se ao juntar novamente isso não acrescenta nada ao que todos já sabiam? Existem outras possibilidades de conhecer? Foram essas perguntas que deram início à produção dos grupos sobre o conhecimento produzido e sobre o que é conhecer.

Tratamos da relação sujeito-objeto de conhecimento acreditando na possibilidade de os professores usarem a pesquisa formativa no trabalho na comunidade e na escola, para se auto-conhecerem e para possibilitar transformações.

Discutimos “para que serve” o conhecimento e a diferença entre conhecimento que constata, que descreve para conferir o que se vê, e conhecimento que parte da indagação sobre o que vemos para estabelecer conexões com o todo, servindo-nos de nossa experiência, e para realizar a síntese redescobrindo o todo no seu movimento.

Embora a análise comece por destruir o movimento a fim de alcançar os seus elementos (...) a análise só divide os elementos para reencontrar as suas conexões, as suas relações internas no todo. (Lefebvre, 1975, p.28)

68 No entanto, quando propusemos o exercício Vamos conhecer a comunidade, os professores participantes procederam da mesma forma, realizando o que chamavam de diagnóstico, concluindo que “os problemas são iguais em todas as comunidades: falta de saúde, salários baixos, diferença social, posse de terra, migrações, água etc.”

Os professores mostravam seu repertório sobre o procedimento para conhecer, que levava a homogeneizar a diversidade local, igualar o que era desigual, buscar o que se repete, como na pesquisa clássica, positivista. Ou seja, o que havíamos construído antes não se aplicava ao exercício seguinte, indicando que não haviam se apropriado da concepção que pretendíamos compartilhar. Isso evidenciava também que, como em todo processo social, processo não era progressivo, linear, mas de conquistas e perdas, avanços e retrocessos.

Em nossa atuação, na mediação entre conhecimentos, havia uma intencionalidade formativa. Pretendíamos mostrar que o conhecimento não seria o mesmo se a realidade local fosse conhecida a partir da regularidade, daquilo que se repete, que permanece. A realidade seria outra se desvendada a partir das relações conflitantes que criam o movimento, as oposições, a transformação. Como pensar na transformação se o morador é visto na sua individualidade, como indefeso, incapaz, ignorante, pobre e sofredor?

O processo foi interrompido porque muitos professores se sentiam perdidos com a discussão sobre a relação sujeito-objeto de conhecimento e sobre as escolhas que não poderiam fazer, porque não estavam claras. Na época, anos de 1980, não percebíamos que a teoria não era valorizada como parte das necessidades do professor de área rural.

Encerramos aquele momento perguntando: Como o diagnóstico que os professores realizavam contribuiria para melhorar a vida da comunidade? Como uma nova forma de conhecer poderia incluir a escola e transformar a realidade?

Os depoimentos mostraram como os professores valorizaram o processo e o conhecimento novo produzido coletivamente. Faltou discutir a dimensão política do processo educativo e a dimensão transformadora dos processos sociais cotidianos, pois a relação educador/educando está presente na sala de aula e fora dela. A

69 participação comunitária não poderia ser tratada como aspecto isolado de toda questão escolar, nem o professor poderia ser capacitado a atuar fora da sala de aula sem perceber a integração entre as diversas esferas de sua condição de educador.

Naquele processo, descobrimos que a dificuldade não era trabalhar com a comunidade apenas, mas que o problema era a separação da atuação do professor dentro e fora da sala de aula. Lidar com esse problema demandou a construção de uma outra proposta de conhecimento e de formação e resolvemos convidar todos os professores das escolas em zona rural, das 97 delegacias de ensino do estado de São Paulo.