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Pesquisa de métodos mistos: associação de métodos comparativos e de mapeamento de processos

3.2 ABORDAGEM METODOLÓGICA E MÉTODOS UTILIZADOS

3.2.3 Pesquisa de métodos mistos: associação de métodos comparativos e de mapeamento de processos

Os métodos comparativos e os métodos de mapeamento de processos constituem-se ambos em abordagens metodológicas qualitativas e tipicamente orientadas para estudos mais profundos de poucos casos. Como apontado nas seções anteriores, os estudos de poucos casos, em geral, presumem que as relações causais são bastante complexas, com vários caminhos possíveis para o mesmo resultado. Por isso, são necessárias estratégias de pesquisa que permitam que as particularidades de cada contexto sejam tratadas e compreendidas como

56 um todo e não divididas em fatores isolados. Desse modo, contribuem para testar teorias, gerar novas hipóteses e produzir descrições contextuais e classificações mais refinadas.

Apesar de possuírem pontos em comum, os métodos comparativos e de mapeamento de processos constituem-se em técnicas distintas. Nesta pesquisa, a intenção é lançar mão dos dois métodos combinados, utilizando-os de forma complementar no desenho de pesquisa. Esta seção ressalta as diferenças e complementaridades essenciais entre os métodos utilizados e apresenta a forma na qual serão conjugados.

Como apontado anteriormente, os métodos de mapeamento de processos são ferramentas para estudar mecanismos causais em desenhos de pesquisa de caso único ou de poucos casos, pois procuram fazer inferências dentro do caso sobre a presença ou ausência de mecanismos causais. A ambição desse método é a compreensão da causalidade, em como as forças causais são transmitidas através de uma série de partes interligadas de um mecanismo causal ao contribuir para produzir um resultado, ou seja, nas sequências e mecanismos ao longo do desdobramento dos fenômenos e processos (GEORGE e BENNETT, 2005; BEACH e PADERSEN, 2013). Segundo Beach e Pedersen (2013), somente o rastreamento de processos permite o estudo de mecanismos causais e a elaboração de fortes inferências sobre o processo causal a partir do qual os resultados são produzidos.

No entanto, os métodos de mapeamento de processo não podem ser usados para fazer inferências cruzadas ou para generalizar uma relação causal entre uma população de um determinado fenômeno teórico. Para fazer inferências cruzadas, outras formas de ferramentas inferenciais, como métodos comparativos, são necessárias (BEACH e PEDERSEN, 2013).

Os métodos comparativos, por sua vez, têm justamente a intenção de realizar inferências cruzadas sobre relações causais, permitindo a investigação sistemática das relações hipotéticas entre variáveis. Na pesquisa comparada, uma relação teórica é formulada para examinar as diferenças e similaridades entre os casos considerados, de modo a permitir estabelecer se a relação existe ou não e se pode ou não ser qualificada como causal (KEMAN, 2013).

A lógica que guia os métodos comparativos é a de eliminação, ou seja, volta-se para a busca e/ou a eliminação de condições necessárias e/ou suficientes que produzem um determinado resultado. Diferentemente dos métodos de mapeamento de processos, essa lógica comparativista de eliminação não oferece qualquer poder inferencial para determinar se uma parte de um mecanismo está presente em um estudo de caso particular. Além disso, mesmo que fosse possível encontrar dois casos totalmente comparáveis, ao se testar se as partes

57 teorizadas de um mecanismo estão presentes em ambos, os tipos de evidências que seriam utilizados para cada parte seriam incomparáveis. O que conta como forte evidência em um caso pode diferir substancialmente em outro caso. Portanto, os métodos comparativos não oferecem ferramentas para avaliar o peso inferencial de diferentes evidências de mapeamento de processos em casos particulares.

Deve-se ter em conta, portanto, que a principal diferença entre os dois métodos se refere ao tipo de inferências que podem ser feitas. Estudos de caso comparativos, por definição, lidam com inferências cruzadas com base em uma comparação controlada de casos, enquanto estudos de rastreamento de processos apontam para inferências dentro do caso sobre se um mecanismo causal está presente em um caso particular. Portanto, exatamente por envolverem diferentes ambições inferenciais e diferentes lógicas, os métodos comparativos e de mapeamento de processos resultam em metodologias distintas que podem ser utilizadas de forma complementar.

Esta é a intenção da presente pesquisa: utilizar complementarmente os métodos de mapeamento de processos e métodos comparativos para comparar e explicar o processo de adoção, formulação e agendamento de um conjunto de iniciativas governamentais semelhantes, verificando se houve um padrão de difusão ou de transferência e quais os mecanismos conduziram a esse resultado.

Tendo em vista os propósitos da pesquisa, a variante de mapeamento de processos mais adequada é a voltada para a explicação de resultado, que busca esboçar uma explicação suficiente para um resultado de um caso histórico específico. O estudo está centrado em um pequeno número de casos e não está ancorado em uma teoria que pretenda se generalizar para uma população mais ampla. Entretanto, os achados da pesquisa podem contribuir para uma eventual construção teórica sobre um mecanismo causal, que venha a ser generalizável para outros casos.

O desenho metodológico escolhido busca, portanto, utilizar o mapeamento de processos do tipo explicação de resultado para identificar os mecanismos causais presentes em cada caso analisado. Na sequência, serão utilizados métodos comparativos para viabilizar a comparação entre os casos analisados para, finalmente, produzir conclusões com validade suficiente a respeito dos fatores e variáveis sistemáticas que levaram à adoção das políticas consideradas. Assim, os métodos serão utilizados de forma associada para: 1) identificar os mecanismos causais que resultaram na formulação e adoção em cada caso, para o qual os métodos de mapeamento de processos mostram-se adequados; 2) comparar os achados em

58 cada caso, verificando suas similaridades e diferenças, para o qual os métodos comparativos são os mais pertinentes; e, por fim, 3) analisar e concluir sobre o padrão de espalhamento na adoção dos casos estudados.

Para levar a pesquisa a cabo, será coletado material empírico de diversos tipos e fontes para que seja possível a compreensão do devido desdobramento dos processos envolvidos nos casos analisados. O material a ser analisado se compõe de observações do processo causal, conforme descrito anteriormente, que são ideias ou dados que fornecem informações sobre o contexto ou mecanismo, contribuindo para a compreensão do mecanismo causal e para a posterior elaboração da inferência causal ou correlação entre variáveis (COLLIER, BRADY E SEAWRIGHT, 2004; BEACH e PEDERSEN, 2013).

As evidências consideradas são principalmente do tipo: sequência – que trata da cronologia espacial dos eventos; rastreamento – que aponta provas da existência de um mecanismo, como atas e documentos; e relato – que detalha o conteúdo de material empírico, como atas, apresentações e depoimentos que descrevem como ocorreu um evento. Portanto, o material empírico utilizado na pesquisa compõe-se basicamente de: (a) textos e documentos de fontes oficiais (decretos, portarias, atas, apresentações e outros), jornalísticas (artigos, matérias e coberturas de eventos) e acadêmicas (artigos, papers e trabalhos apresentados em eventos científicos); e (b) depoimentos e entrevistas estruturadas com atores envolvidos na formulação das políticas e programas selecionados.

Para o levantamento de informações, foram entrevistados os líderes e membros das equipes técnicas dos três Ministérios envolvidos no período de agendamento e formulação das iniciativas: Virgílio Almeida, Rafael Moreira, José Henrique Dieguez, Marcos Vinicius de Souza, Igor Nazareth, Maycon Stahelin, James Görgen e Wanessa Oliveira. O roteiro da entrevista encontra-se no Apêndice A.

59 4ATEORIAEVOLUCIONÁRIAEOSECOSSISTEMASDESTARTUPS:IDEIASE PREMISSASDOSINCENTIVOS

Este capítulo apresenta a discussão teórica sobre inovação e o papel do Estado e das políticas públicas na promoção da inovação nas sociedades contemporâneas. São tratadas as principais ideias que orientam os debates e disputas políticas sobre o tema, sendo essenciais para a compreensão do processo de tomada de decisão nesse campo, que vieram a influenciar os processos de formulação das iniciativas de incentivo a startups analisadas nesta pesquisa.

Na primeira parte, o papel do Estado é abordado a partir da teoria econômica evolucionária, corrente inaugurada por Joseph Schumpeter, um dos pioneiros a focar a inovação como uma variável essencial para o desenvolvimento econômico. Em seguida, são apresentados os desdobramentos dessa teoria, o conceito-chave de sistema de inovação e as políticas públicas decorrentes dessa abordagem. Posteriormente, apresenta-se a discussão mais recente, cujo principal expoente é Mazzucato (2014), sobre o papel ativo e central do Estado na política de inovação e nas grandes revoluções tecnológicas recentes, indicando que, para incentivar a inovação, o Estado precisa atuar segundo uma lógica inteligente e inovadora.

Na segunda parte do capítulo, é apresentada a influência dessas teorias sobre a constituição dos ecossistemas de empreendedorismo e de startups e seus incentivos, discorrendo-se sobre as suas principais dimensões, incluindo os conceitos de habitats de inovação, bastante frequente nas iniciativas de estímulo aos ecossistemas.

A discussão teórica apresentada no capítulo auxilia a compreensão do setor no qual as iniciativas analisadas se inserem, apontando as premissas e ideias essenciais nas quais os formuladores se basearam para formularem os programas.