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Inicialmente, são apresentados os principais componentes que conduziram ao estabelecimento do Vale do Silício nos Estados Unidos como modelo de centro propulsor de inovação. Compreender em linhas gerais os fatos e decisões governamentais que tornaram essa revolução uma referência internacional é importante para a análise das experiências que ocorreram na sequência, inclusive as brasileiras.

Em seguida, busca-se mapear e ilustrar a disseminação de experiências de incentivos a startups e suas tendências no cenário internacional. Para tanto, são utilizados como fontes essenciais os trabalhos de Rammer e Müller (2012), da Global Entrepreneurship Network (2017) e de Torres-Freire, Maruyama e Polli (2017).

Ao final do capítulo, é apresentado o arcabouço referencial, composto pelos principais conceitos relacionados a startups e pelas tipologias que classificam e organizam os diferentes instrumentos e conteúdos possíveis dos incentivos. Torna-se evidente que novos modos de suporte foram adaptados ou criados para possibilitar o estímulo a esse ecossistema, para o qual instrumentos tradicionais não se mostravam adequados nem suficientes. O quadro de referência apresentado subsidiará a análise dos programas brasileiros nos capítulos seguintes.

Com essa discussão, o capítulo contribui para demonstrar como as novas formas de atuação e novos atores econômicos influenciam as políticas públicas, tornando as formas de estímulo à inovação mais diversificadas e complexas, porém mais em sintonia com as necessidades do público que se pretende alcançar.

5.1. VALE DO SILÍCIO: O PRIMEIRO MODELO DE APOIO GOVERNAMENTAL A STARTUPS

O Vale do Silício nos Estados Unidos constitui-se no principal modelo que muitos países e regiões têm buscado replicar em seus territórios. Em função da política de defesa da Guerra Fria, ainda na década de 1960, os formuladores de políticas norte-americanos já

75 reconheciam que pequenas empresas constituíam-se em uma fonte importante de ideias e contribuíam para um cenário mais competitivo e vibrante. Os investimentos do governo americano foram essenciais para possibilitar a revolução tecnológica e o surgimento dos microcomputadores. Esse percurso e seus resultados acabaram tornando os Estados Unidos, especialmente o Vale do Silício, a principal referência de pólo de inovação e de ecossistema estruturado de startups.

Os principais componentes e iniciativas de apoio a inovação, inclusive por meio de pequenas empresas e startups são descritos nessa seção, visando a uma melhor compreensão das origens dos incentivos a startups no cenário internacional.

5.1.1 O papel do governo norte-americano na revolução tecnológica e no incentivo a startups

Conforme Mazzucato (2014), o governo norte-americano desempenhou papel fundamental não apenas ao facilitar a economia do conhecimento, mas ao criá-la efetivamente com uma visão arrojada e com investimento específico. O Estado desempenhou um papel empreendedor, fazendo investimentos em áreas radicalmente novas; forneceu o financiamento em estágios iniciais onde o capital de risco fugiu, ao mesmo tempo em que comissionava no setor privado uma atividade altamente inovadora que não teria acontecido sem políticas públicas com visão e estratégias definidas.

O surgimento da internet e das novas tecnologias de informação e comunicação foram consequência direta da atuação arrojada, criativa e flexível de agências do governo dos Estados Unidos. Conforme Abbate (1999 apud Mazzucato, 2014), a internet cresceu a partir de um pequeno projeto de rede do Departamento de Defesa (ARPANET) para conectar uma dúzia de sites de pesquisa dos Estados Unidos e se transformou em uma rede ligando milhões de computadores e bilhões de pessoas. O papel do Estado na Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (Darpa) foi além do financiamento da ciência básica; tratou de direcionar recursos para áreas e fornecer orientações específicas; abriu novas janelas de oportunidades; intermediou interações entre os agentes públicos e privados envolvidos no desenvolvimento tecnológico; e facilitou a comercialização da rede (BLOCK, 2008; FUCHS, 2010 apud MAZZUCATO, 2014). A Darpa financiou a formação de departamentos de ciência da computação, deu apoio a startups com pesquisas iniciais, contribuiu para a pesquisa de semicondutores, apoiou a pesquisa da interface homem-computador e supervisionou os

76 estágios iniciais da internet. Muitas das tecnologias incorporadas posteriormente ao projeto do computador pessoal foram desenvolvidas por pesquisadores financiados pela Darpa (ABBATE, 1999 apud MAZZUCATO, 2014).

Em decorrência desses estímulos, um novo cenário com startups ambiciosas surgiu nos anos 60 e os funcionários da Darpa reconheceram o seu potencial e conseguiram maximizar os retornos. Focaram nas empresas novas, pequenas, para as quais podiam fornecer fundos muito menores que os oferecidos para as grandes organizações do setor de defesa. Essas empresas reconheceram a necessidade de inovação como parte de sua viabilidade futura e, em função da concorrência real que se instalou, as grandes empresas também se viram impelidas a se engajar nessa busca por rápidos avanços inovadores (MAZZUCATO, 2014).

Aproveitando o novo cenário, o governo norte-americano conseguiu assumir um papel de liderança na mobilização da inovação entre empresas grandes e pequenas e laboratórios de universidades e do governo. A estrutura dinâmica e flexível da Darpa permitiu que ela maximizasse seu poder crescente para gerar competição real por toda a rede. A agência conseguiu aumentar o fluxo de conhecimento entre os grupos de pesquisa concorrentes por meio da realização de workshops para o compartilhamento de ideias; conectou pesquisadores de universidades a empresários interessados em começar uma nova empresa, promovendo o contato de startups com investidores, encontrando empresas maiores para comercializar a tecnologia, ou ajudando a conseguir contratos com o governo para auxiliar no processo de comercialização. Na década de 1970, a Darpa chegou até mesmo a assumir as despesas com o desenvolvimento de protótipos de chips de computador, financiando um laboratório ligado à Universidade do Sul da Califórnia (MAZZUCATO, 2014).

O computador pessoal surgiu nessa época, com o primeiro modelo da Apple sendo lançado em 1976. Na sequência disso, veio o boom da internet no Vale do Silício, quando o papel essencial da Darpa no crescimento maciço dos computadores pessoais recebeu grande atenção. Leslie aponta que o Vale do Silício:

deve sua atual configuração a padrões de gastos federais, estratégias corporativas, relações indústria-universidade e inovação tecnológica moldada pelos pressupostos e prioridades de política de defesa da Guerra Fria (LESLIE, 2000: 49 apud MAZZUCATO, 2014, p. 98).

Na década de 1970, o Vale do Silício se transformou no “centro da inovação do computador” e o clima resultante, estimulado e alimentado pelo papel de liderança do governo no financiamento e pesquisa (básica e aplicada), foi aproveitado por empresas e empreendedores inovadores na chamada “Corrida do Ouro da Internet” (KENNEY, 2003;

77 SOUTHWICK, 1999 apud MAZZUCATO, 2014). Para Pena e Mazzucato (2016), o sucesso do Vale do Silício se deve à habilidade que essas organizações têm de aceitar o risco e a incerteza que existem em toda a cadeia de inovação, estando dispostas a experimentar e aprender a partir de tentativas e erros.

Essas mesmas habilidade e disposição parecem ter guiado a atuação governamental nos Estados Unidos, especialmente da Darpa, cujo modelo tinha como foco ajudar as empresas a desenvolver inovações de produtos e processos. Para Mazzucato, nesse modelo,

o governo atua como líder a ser imitado pelas empresas, em uma abordagem que é muito mais ‘mão na massa’, no sentido de que os funcionários do setor público trabalham diretamente com as empresas para identificar e seguir os caminhos inovadores mais promissores. Fazendo isso, o governo consegue atrair mentes brilhantes – exatamente o tipo de expertise que gera o dinamismo que o governo muitas vezes é acusado de não ter (MAZZUCATO, 2014: 116).

Na década de 1980, outro acontecimento importante que marcou a política industrial descentralizada dos Estados Unidos foi a criação do Small Business Innovation Development Act, que criou um consórcio entre a Small Business Association e diferentes agências governamentais, como o Departamento de Defesa, o Departamento de Energia e a Agência de Proteção Ambiental. Com o estabelecimento do programa Small Business Innovation Research (SBIR), as agências governamentais com grandes orçamentos para pesquisa passaram a designar uma fração (originalmente 1,25%) dos recursos para apoiar empresas pequenas, independentes, com fins lucrativos. Em decorrência, o programa assegurou apoio para um número significativo de startups altamente inovadoras (LERNER, 1999; AUDRETSCH, 2003 apud MAZZUCATO, 2014).

Torres-Freire, Maruyama e Polli (2017) chamam atenção para o fato de que o SBIR saltou de quinhentas empresas contempladas em 1983 para mais de 2,5 mil em 2012, quando atingiu um volume financeiro de contratos de aproximadamente US$2 bilhões, mostrando assim o aumento do apoio às empresas iniciantes inovadoras.