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A PESQUISA QUALITATIVA E A PESQUISA-AÇÃO COLABORATIVO-CRÍTICA: REFLEXÕES VISANDO A CURRÍCULOS ESCOLARES MAIS INCLUSIVOS

4 PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: A BUSCA POR NOVOS POSSÍVEIS POR MEIO DA PESQUISA-AÇÃO COLABORATIVO-CRÍTICA

4.1 A PESQUISA QUALITATIVA E A PESQUISA-AÇÃO COLABORATIVO-CRÍTICA: REFLEXÕES VISANDO A CURRÍCULOS ESCOLARES MAIS INCLUSIVOS

Para Gil (2002, p. 26), “[...] o objetivo fundamental da pesquisa é descobrir respostas para problemas mediante o emprego de procedimentos científicos”. O autor afirma que a pesquisa em Ciências Sociais procura desvelar aspectos relativos aos sujeitos em seus múltiplos relacionamentos com as outras pessoas e nas instituições sociais, no caso deste estudo de mestrado, a escola.

Para alcançar os objetivos propostos por esta investigação, buscamos como aporte teórico-metodológico os pressupostos da pesquisa do tipo qualitativa, por permitir ao pesquisador compreender as relações sociais sem se prender em dados numéricos. Essa abordagem nos auxilia a pensar a partir dos silêncios, dos movimentos, dos diálogos, das práticas, enfim, movimentos dialógicos e subjetivos.

Desse modo, Goldenberg (1997) pontua que a pesquisa qualitativa não se preocupa somente com a representatividade expressas em dados numéricos, mas com a compreensão constituída por um certo grupo social ou uma organização sobre aspectos da realidade social que precisam ser interrogados. Destaca que os pesquisadores que adotam essa abordagem procuram se distanciar de pressupostos que defendem um único modo de se fazer pesquisa científica, visto que as Ciências Sociais apresentam necessidades e especificidades de compreensão que ultrapassam dados estatísticos, apontando para metodologias próprias. Nesse caminhar, os pesquisadores qualitativos tendem a recusar os preceitos positivistas, uma vez que o pesquisador não deve tecer julgamentos e nem conduzir a investigação

por meio de suas crenças e preconceitos para não alterar a relevância da pesquisa (GOLDENBERG, 1997).

Para Silveira e Córdova (2009), permite possibilidades de compreensão e explicação das relações sociais, porque procura desvelar universos de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde adentrar mais profundamente na percepção das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. Dessa forma, as principais características da pesquisa qualitativa e a maneira que nos conduz a compreender a realidade social podem ser assim descritos:

As características da pesquisa qualitativa são: objetivação do fenômeno; hierarquização das ações de descrever, compreender, explicar, precisão das relações entre o global e o local em determinado fenômeno; observância das diferenças entre o mundo social e o mundo natural; respeito ao caráter interativo entre os objetivos buscados pelos investigadores, suas orientações teóricas e seus dados empíricos; busca de resultados os mais fidedignos possíveis; oposição ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências (SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009, p. 32).

Essas características permitem ao investigador problematizar a realidade social por meio da rigorosidade metodológica contextualizada às Ciências Sociais, sempre atento a possíveis limites e riscos que as abordagens qualitativas podem conduzir. Silveira e Córdova (2009) destacam que os pesquisadores qualitativos não podem perder de vista: a excessiva confiança do pesquisador com os instrumentos de coleta dos dados; o risco de que a reflexão exaustiva das anotações de campo possa representar uma tentativa de responder a todos os questionamentos levantados ou de forjar metodologias que levem o pesquisador a controlar e a influenciar as observações a respeito do campo investigado; a ausência de detalhamentos dos processos pelos quais foram constituídas as conclusões alcançadas; a sensação do pesquisador em dominar profundamente seu objeto de pesquisa; o envolvimento do pesquisador no campo investigado ou com os sujeitos da pesquisa (SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009).

Nesse caminhar, Godoy (2005) destaca três concepções fundamentais para a construção de pesquisas qualitativas que assumem preceitos éticos e científicos. A primeira diz respeito à credibilidade, ou seja, o pesquisador qualitativo precisa apresentar resultados dignos de confiança. A segunda se refere à transferibilidade, conceito que não interpreta os dados de maneira genérica, mas em uma descrição

densa e aprofundada do fenômeno, permitindo, ao leitor, imaginar o estudo em outro contexto, apostando na veracidade do processo desenvolvido pelo pesquisador. Em terceiro, a confirmabilidade, em outras palavras, a confiabilidade dos resultados. Esse conceito aponta para a necessidade de avaliar se os dados coletados são coerentes aos resultados alcançados na pesquisa, demandando do pesquisador a explicação cuidadosa dos procedimentos metodológicos utilizados, detalhando, minuciosamente, como a pesquisa foi realizada, para, então, comparar a relevância das problematizações em relação a estudos anteriores.

Somando esforços à pesquisa qualitativa, trazemos, como método, a pesquisa-ação colaborativo-crítica como possibilidade teórico-metodológica para estudar os fenômenos educativos. Esse método surge como possibilidade de compreender a realidade social por outros prismas, diferentes daqueles tradicionalmente evidenciados, pois busca promover alternativas e possibilidades de enfrentamento para problemáticas existentes na realidade investigada, por entender que ela se encontra em crise.

Sendo assim, buscamos nos pressupostos da pesquisa-ação colaborativo-crítica problematizar o cotidiano escolar, mesclando situações de investigação, compreensão, ação-reflexão-ação e movimentos coletivos entre pesquisadores e os sujeitos praticantes desses cotidianos, visando à busca de novos outros possíveis para fortalecer os processos de inclusão escolar das crianças público-alvo da Educação Especial na Educação Infantil (FRANCO, 2005; JESUS; VIEIRA; EFFGEN, 2014).

Pimenta (2018, p. 08) destaca que “[...] na última década percebe-se o crescimento de pesquisas voltadas à perspectiva formativa, pedagógica, colaborativa e, fundamentalmente, crítico-colaborativa”. A autora salienta haver diferentes perspectivas de pesquisa desta natureza, entretanto “[...] o que as une é a perspectiva de que os processos de pesquisa-ação devem se estruturar de forma coletiva e participativa, sempre com anuência, consentimento e compromissos partilhados coletivamente” (PIMENTA, 2018, p. 08).

No entanto, ainda podemos observar pesquisadores iniciantes utilizarem-se da pesquisa-ação para implementarem projetos ou propostas pensadas apenas por eles próprios ou mesmo, muitas vezes, aplicando uma proposta de mudança idealizada por um superior hierárquico. Nesse caso, a dimensão crítica e dialética da pesquisa está sendo negada. A pesquisa-ação crítica deve gerar um processo de reflexão-ação coletiva, em que há uma imprevisibilidade nas estratégias a serem utilizadas. Uma pesquisa-ação dentro dos pressupostos positivistas é extremamente contraditória com a pesquisa-ação crítica (FRANCO, 2005, p. 486).

Pimenta (2018) pontua que os aspectos crítico e colaborativo da pesquisa-ação se tornam mais relevantes por apresentarem como características comuns a articulação de princípios, fundamentos e procedimentos frente à complexidade do campo educacional, por propor mudanças significativas no modo como compreendemos as demandas e os fenômenos existentes nas mais distintas relações sociais, com destaque para a formação e o desenvolvimento profissional de docentes e demais profissionais da educação nos espaços intra ou extra escolares.

Por isso, Franco (2005) aponta que a direção, o sentido e a intencionalidade dessas mudanças se configurarão como eixo primordial para caracterizar a abordagem da pesquisa-ação. Nesse sentido, a autora conceitua duas abordagens desse método de pesquisa e suas contribuições para se pensarem outros possíveis, principalmente quando constituímos momentos formativos com professores em virtude de compor novos saberes e fazeres docentes. Segundo Franco (2005, p. 485):

a) quando a busca de transformação é solicitada pelo grupo de referência à equipe de pesquisadores, a pesquisa tem sido conceituada como pesquisa-ação colaborativa, em que a função do pesquisador será a de fazer parte e cientificizar um processo de mudança anteriormente desencadeado pelos sujeitos do grupo;

b) se essa transformação é percebida como necessária a partir dos trabalhos iniciais do pesquisador com o grupo, decorrente de um processo que valoriza a construção cognitiva da experiência, sustentada por reflexão crítica coletiva, com vistas à emancipação dos sujeitos e das condições que o coletivo considera opressivas, essa pesquisa vai assumindo o caráter de criticidade e, então, tem se utilizado a conceituação de pesquisa-ação crítica;

A autora nos convida à reflexão partindo dos conceitos apresentados na tentativa de instituir uma pesquisa-ação que visa superar as práticas solitárias, criando caminhos a serem trilhados rumo a ações solidárias. Nessa perspectiva, há de se buscar por modos de avaliação mais aprofundados pelo próprio processo, por apresentarem possibilidades de crítica ao conhecimento que cada sujeito acumula ou que dispõe. Trata-se de refletir criticamente a própria conjuntura social pela qual a pesquisa se depara nos cotidianos, aqui em destaque a escola.

Dessa forma, optamos por trabalhar com as possibilidades trilhadas pela pesquisa-ação colaborativo-crítica por acreditar que pesquisa e pesquisa-ação podem e devem caminhar juntas, quando objetivamos transformações e práticas alternativas, unindo, ao processo, redes de colaboração entre todos os participantes da investigação e a devida crítica aos processos vividos. No caso deste estudo, tal método contribui com a busca de se pensarem novas alternativas para lidar com a educabilidade de crianças que demandam apoios da Educação Especial na Educação Infantil, via processos de formação continuada, pautados na autorreflexão crítica em interação com os currículos escolares.

Franco (2005) nos diz que, nessa abordagem investigativa, o pesquisador assume dois papéis complementares e que dialogam entre si – de pesquisador e de participante do grupo – e que no berço da metodologia são configurados os pressupostos de uma pesquisa de transformação, de um estudo que possibilita a participação coletiva e que considera os processos de formação como decorrência de sua ação.

Então, a pesquisa-ação colaborativo-crítica parte de uma metodologia de pesquisa realizada “com” os sujeitos e não “para/sobre” eles. Busca identificar situações, desafios e problemas que fragilizam a ação educativa e passa a apontar, por meio do diálogo, momentos de debates e discussões coletivas e participativas comprometidas em pensar possibilidades de alterar, modificar e visibilizar, potencializar e até transformar práticas atravessadas pelas problematizações apontadas.

Quando evidenciamos o processo de educabilidade de crianças público-alvo da Educação Especial na Educação Infantil, encontramos, em Jesus, Vieira e Rodrigues (2018), argumentos que nos permitem pensar em alternativas que podem colaborar com o enfrentamento de certa tradição educativa que fragiliza os saberes-fazeres docentes e o próprio ato educativo, pois

[...] se os contextos educacionais atravessados pela diferença, muitas vezes, produzem a ideia de uma escola que se vê paralisada, os pressupostos da pesquisa-ação colaborativo-crítica por eles se interessam, pois o que é considerado desafio, problema ou questão passa a ser visto como um convite para o investigador e os profissionais da escola se debruçarem a fim de descobrir novos conhecimentos, novas estratégias para se fazer pesquisa, novas maneiras de analisar um fato e novas alternativas de desvendar a realidade social, mas também uma rica oportunidade de se atrelar toda essa produção à constituição de possíveis encaminhamentos, ações e atitudes

para enfrentamento dos desafios que se presentificam no contexto das escolas (JESUS; VIEIRA; RODRIGUES, 2018, p. 69).

Os autores afirmam que, em pesquisa-ação colaborativo-crítica, as fragilidades existentes nas várias relações sociais não são fenômenos inalteráveis, visto que são reconhecidas como produções humanas, por isso podem ser repensadas, questionadas e problematizadas com a finalidade de serem enfrentadas no contexto social.

Vale ressaltar que essas transformações acontecem de forma gradativa, contínua e sistêmica, obedecendo a procedimentos técnicos de organização e constituição de momentos compartilhados entre docentes que buscam aprofundar seus estudos em momentos de reflexão da própria prática junto às teorizações do campo da educação. Com isso, se desafiam a pensar com o coletivo novas possibilidades de mudanças da realidade social, pois “[...] não se trata [...] de esperar uma mudança milagrosa ou de permanecer numa atitude passiva” (BARBIER, 2004, p. 72).

Diante disso, a adoção da pesquisa-ação colaborativo-crítica como método de investigação nos impulsiona a mergulhar mais afundo nas questões e nos desafios que emergem dos cotidianos da escola. Nesse sentido, Barbier (2004, p. 96) argumenta que “[...] o problema de pesquisa nasce com o grupo a ser investigado”, no nosso caso, ele nasce em meio aos sujeitos escolares. Então, se o pesquisador é um sujeito engajado com a escola, logo, essa problematização constitui-se em uma pesquisa que surge da escola e pela escola.

O autor pontua que essa metodologia impulsiona uma pesquisa com os outros, por meio de uma escuta sensível que possibilita a compreensão das questões a serem investigadas e busca coletivamente por modos de enfrentamento perante as questões que desafiam as práticas cotidianas.

[...] a escuta sensível [...] é uma arte sobre pedra de um escultor que, para fazer surgir a forma, deve primeiramente passar pelo trabalho do vazio e retirar o que é supérfluo, para tornar formar. No domínio da expressão humana, o que é supérfluo cai, desde o momento em que se encontra diante do silêncio questionador. É com efeito no silêncio, que não recusa os benefícios da reformulação, que a escuta sensível permite ao sujeito desembaraçar-se de seus ‘entulhos’ interiores (BARBIER, 2004, p. 97).

Para o autor, ao adentrar na investigação, o pesquisador precisa despir-se de suas verdades para, então, saber sentir o universo afetivo, imaginário e cognitivo do outro,

para tentar compreender atitudes, comportamentos, articulações de ideias, valores, representatividade e crenças, para, assim, compor significados à fala do grupo, pois “[...] proposições interpretativas poderão ser feitas com prudência” (BARBIER, 2004, p. 97), mas cabe ao grupo avaliar, uma vez que é dele a prerrogativa de interpretar. Para se pensar a pesquisa-ação colaborativo-crítica com a escola, cabe ao pesquisador assumir preceitos éticos ao lançar a escuta sensível, evitando julgamentos precipitados e conclusões aligeiradas, pois precisamos compreender (com a instituição escolar) os desafios que atravessam as ações pedagógicas. É preciso ouvir proposições, ampliando perspectivas de atuação. Nesse contexto, o pesquisador observará o desenvolvimento das funções laborais dos profissionais da escola para assumir uma concepção de trabalhar com eles, na tentativa de construir outros olhares frente aos desafios da complexidade imposta pelos cotidianos escolares.

Nas palavras de Barbier (2004, p. 117), o espírito da pesquisa-ação consiste em sua “[...] abordagem em espiral”, isto é, significa que “[...] todo avanço em pesquisa-ação implica o efeito recursivo em função de uma reflexão permanente sobre a ação”. Nesse mesmo caminhar, Jesus, Vieira e Rodrigues (2018) dizem que as alternativas produzidas pela metodologia de pesquisa podem ganhar diferentes configurações, desde a proposição de novas ações até a construção de novos pensamento e atitudes frente às situações desafiadoras. A busca por enfrentamentos para os desafios presentes no cotidiano investigado demanda ações coletivas que produzem processos de formação continuada de professores que, segundo os autores:

Nessa linha de discussão, encontramos contribuições da pesquisa-ação na formação de professores, visto que desejamos mudanças nas práticas de ensino e maneira de organizar a escola para que todos os alunos tenham direito de aprender. O pressuposto assumido pela pesquisa-ação colaborativo-crítica de que o enfrentamento das situações desafiadoras demanda um mergulho profundo na realidade investigada, o engajamento dos sujeitos envolvidos, a crença na possibilidade por mudança, a necessidade da assunção dos profissionais envolvidos na pesquisa como pesquisadores coletivos, tudo isso faz emergir certa dinâmica formativa nutrida pelo estudo, pela reflexão, pelo compartilhamento de ideias e pela aproximação das teorias da educação com o vivido nas escolas (JESUS; VIEIRA; RODRIGUES, 2018, p. 70).

Essa proposição nos permite refletir que os momentos de formação docente – em diálogo com os pressupostos da pesquisa-ação colaborativo-crítica – tendem a produzir aproximações entre universitários e as escolas de educação básica,

contribuindo, assim, com a produção de conhecimentos importantes à formação inicial e continuada de professores. Essa aproximação aponta possibilidades para se romper com concepções que trazem a universidade como o único espaço detentor de conhecimentos sistematizados, enquanto as escolas se organizam para meios de suas práticas (JESUS; VIEIRA; RODRIGUES, 2018).

Ao envolver os pesquisadores internos (os da escola) na investigação, procuramos romper com concepções que buscam reduzi-los a objetos de pesquisa. O movimento instituído pela pesquisa-ação colaborativo-crítica compõe pesquisadores coletivos, pois todos afetam o contexto social em que a investigação se realiza, como também são afetados por esse contexto. Por isso, Barbier (2004) afirma que só se faz pesquisa-ação quando os pesquisadores se implicam, se envolvem e trabalham coletivamente em função de um objetivo comum.

Dessa maneira, a pesquisa-ação colaborativo-crítica advoga pela busca por alternativas para a realidade social e para os sujeitos que nele se encontram, porém não podemos perder de vista que esses processos não acontecem de maneira radical ou descontextualizada. São processuais e permitem que a coletividade pense em outras possibilidades de organização da escola e das práticas docentes, bem como modos de olhar as crianças, aqui em destaque as que demandam apoios da Educação Especial, buscando por alternativas aos saberes e fazeres docentes.

Assim, para dar continuidade a este capítulo, apresentamos os caminhos metodológicos percorridos para a realização da pesquisa: os procedimentos, o campo de investigação, os sujeitos participantes, os instrumentos, o período de coleta de dados e a triangulação dos dados.

4.2 OS PROCEDIMENTOS ADOTADOS PELO PESQUISADOR PARA A