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3. Nacionalismo e nacionalismos

3.2. Um nacionalismo brasileiro?

3.2.2. Pessimismo e determinismo: a geração realista

A chamada geração realista expressou um novo pensar em termos nacionais, embora ainda de acordo com os substratos europeus científicos expressos no darwinismo, no positivismo e no evolucionismo spenceriano: o Brasil seria diferente em função do meio e da raça, o que implicava em um irremediável atraso e na superioridade das nações européias ocidentais. Aponta-se para o “Brasil que se quer” e não para o “Brasil que se tem”, tendo o país a missão de acertar o passo com a história, ingressando na modernidade de seu tempo (Pesavento, 1998: 26-27).

Usando a ótica realista para enxergar o Brasil, essa geração expressava o mal-estar da incômoda realidade nacional que, na passagem do século XIX para o XX, fora marcada pela Abolição (1888) e pela Proclamação da República (1889), e jogava no mercado de trabalho em formação os egressos da senzala, os caboclos nacionais e os

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imigrantes europeus, numa hierarquia de aceitação que associava o elemento branco estrangeiro como o motor da regeneração nacional.

Uma visão menos pessimista projetava a solução para o futuro, estabelecendo a construção da nacionalidade como um projeto a ser perseguido. Neste sentido, historiadores como Capistrano de Abreu se voltam para o passado colonial, onde a descoberta e a conquista portuguesa associam o mito de origem à figura do homem branco europeu, de raça superior. Isso faz com que Capistrano desligue-se do litoral e volte-se para o interior, ao destacar os episódios de desbravamento do sertão pelos bandeirantes “ao mesmo tempo saga heróica do europeu civilizado e realidade plasmante da mestiçagem com o índio” (Pesavento, 1998: 29).

Na literatura, abandona-se a unidade nacionalista dos românticos pela discussão de temas sociais, veiculando-se uma visão pessimista do homem, consoante ao fluxo ideológico europeu. Como destaca Zilberman (1997), escritores realistas como Machado de Assis e Lima Barreto partiram de fatos individuais para representar a totalidade do país, sob uma perspectiva antinacionalista e a partir de personagens situados à margem da história. Além do realismo, destacamos o naturalismo de Aluísio Azevedo e seus “excluídos”, na investigação de uma “patologia social” fundamentada na miséria e na miscigenação.

No entanto, conforme Zilberman (1997), mesmo tendo os autores realistas e naturalistas constatado em suas obras a singularidade interna da mestiçagem, não foram capazes de deixar raízes para a percepção de uma identidade mais ampla, enquanto totalidade compreensiva do colonialismo e suas seqüelas. Podemos também afirmar que esses autores produziram interpretações do Brasil a partir de modelos realistas e naturalistas europeus, à luz do nacionalismo que colocava a etnia, conjuntamente à língua, como elemento central da formação da nação, acabando por levá-los às teorias de irremediável inferioridade da população.

Em Sílvio Romero e sua História da Literatura Brasileira (1888), vemos também se interromper a corrente de nativismo e nacionalismo otimista que acompanhava a história de nossa literatura e o surgimento de um “nacionalismo realista”. A natureza, até então majoritariamente considerada benéfica e privilegiada, é acusada de males à saúde e à vida psicológica do brasileiro. O homem, até então considerado heróico, senão perfeito, é apresentado como ser inferior ao de outros países, sobretudo as nações industrializadas da Europa. De acordo com Leite (1992), o nacionalismo de Sílvio Romero resulta incoerente ao aceitar as teorias racistas e as

teorias sobre a insalubridade do clima tropical - num clima ruim, três raças inferiores estariam destinadas a um grande futuro (Leite, 1992: 191-192).

A análise um pouco mais profunda talvez mostrasse que essas incoerências resultam de suas nítidas rupturas na vida brasileira da época: em primeiro lugar, a superação da perspectiva romântica em nossa vida intelectual; em segundo, a transformação econômica e política provocada pela extinção do regime de trabalho escravo e o início da grande imigração européia (Leite, 1992: 192).

A aceitação das teorias deterministas coincide com a abolição e foi a forma de defesa do grupo branco contra a ascensão social dos antigos escravos. Assim como os europeus justificavam seu domínio pela incapacidade dos povos mestiços, as classes dominantes justificavam seus privilégios pela incapacidade dos negros, índios e mestiços, mantendo-os numa condição de semi-escravidão. As idéias de Romero influenciaram a explicação do Brasil e dos brasileiros na crítica literária, e também podem ser encontradas em obras de Euclides da Cunha e de Oliveira Vianna.

A visão menos pessimista projetava a solução para o futuro, estabelecendo a construção da nacionalidade como projeto a ser perseguido, vendo mesmo certa positividade na miscigenação. No extremo está a reação otimista e ingênua de Afonso Celso, tributário do nacionalismo romântico em Por que me ufano do meu país, publicado em 1900, como reação ao pessimismo realista. Nele, são desenvolvidos os temas da descrição da terra, o orgulho do passado, o desejo de uma vida comum no futuro e o elogio de características peculiares do povo brasileiro, opondo-as às características supostamente inferiores de outras nações. Posteriormente, tornou-se alvo de críticas e da chacota modernista, o que não impediu a continuidade de seus pressupostos.

E, na verdade, os críticos tinham poderosas razões para ridicularizar o livro de Afonso Celso, tais os exageros de suas afirmações a respeito das riquezas brasileiras. Isso não impede que alguns de seus

argumentos continuem a aparecer até hoje em livros de leitura da escola primária, e muitos brasileiros em Afonso Celso reconhecerão a origem de explicações sobre a grandeza do Brasil (Leite, 1992: 195).

Enquanto Sílvio Romero, movido pela teoria de raças inferiores e superiores, via possibilidade de progresso no “branqueamento” da população, Euclides da Cunha via o surgimento de uma “raça brasileira” a partir do sertanejo do interior do país, formado sobretudo pela miscigenação entre o elemento branco e o índio. Fazia assim uma separação entre litoral, no qual se realizara a miscigenação com o elemento negro, e o interior, para onde dirige a análise de Os Sertões (1902). Apesar de não ser a primeira a descrever a vida no sertão ou do homem rústico, a obra tem o sentido de revelação de uma parte desconhecida do Brasil, interpretando-a num viés realista e com pretensões científicas.

De acordo com Leite (1992), Euclides da Cunha compõe uma época de transição, no chamado período pré-modernista, que segue até 1922. Nele é possível notar uma grande expressão de regionalistas60, dos quais destaca-se a produção de Monteiro Lobato e a crítica impiedosa do caipira, apelidado de “Jeca tatu”. Nesse mesmo contexto, vemos prosseguir a explicação através do conceito de raças inferiores e superiores por vários ensaístas brasileiros, como Nina Rodrigues, que acreditavam na inferioridade do Brasil em função da existência de negros, índios e pela mestiçagem.

Essa perspectiva prosseguiu no movimento modernista posterior, convivendo com uma abordagem extremamente significativa em termos de nacionalismo, de uma nova interpretação do Brasil e de suas especificidades. Essa “descoberta” do Brasil terá grande influência nos nacionalismos subseqüentes, e nela poderemos ver alguns outros temas das Comemorações dos 500 anos de Brasil.