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A PESSOA EM SITUAÇÃO CRÍTICA: A EXPERIÊNCIA DE RISCO DE VIDA IMINENTE

Segundo a Ordem dos Enfermeiros a Pessoa em situação crítica “é aquela cuja vida está ameaçada por falência ou iminência de falência de uma ou mais funções vitais e cuja sobrevivência depende de meios avançados de vigilância, monitorização e terapêutica”. (Regulamento nº 124/2011,8656).

A Sociedade Portuguesa de Cuidados intensivos (1997,3) define como Doente Crítico “aquele que, por disfunção ou falência profunda de um ou mais órgãos ou sistemas, a sua sobrevivência depende de meios avançados de monitorização e terapêutica”.

A doença é uma experiência vivida traumatizante que afeta tanto a PSC como a sua família, empurrando-os para uma situação de crise (Tembo, Parker & Higgins, 2012). Esta traduz um acontecimento único na vida da pessoa, inesperado, por vezes de modo abrupto, levando a situações extremas, alterando temporariamente os seus projetos de vida quotidiana, ou até mesmo constituindo uma ameaça à sua sobrevivência.

Por se tratar de uma experiência privada de sofrimento, é vivida de forma única e singular, o seu significado depende da relação que a pessoa estabelece consigo própria e com o mundo. Botelho (2004,12) considera que “as experiências humanas como a doença e o sofrimento são experiências significativas, isto é, têm significado em si próprias porque são vividas por mim, e é por isso, que só podem ser percebidas através do significado que lhes atribuo”.

Quando a pessoa em situação crítica é admitida numa UCI, é invadida por uma panóplia de equipamentos tecnológicos e múltiplas intervenções dolorosas sendo o seu corpo reduzido a um conjunto de dados objetivos. Toda a ênfase é centrada nos aspetos biológicos e tecnológicos, com o objetivo primordial de salvar a vida. O seu corpo é remetido para um estatuto de corpo físico, corpo doente, ficando a sua dimensão mais íntima composta pelas suas experiências de vida únicas esquecida.

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Não se valoriza a pessoa no mundo, situado na sua totalidade de vida, na totalidade existencial, na sua singularidade. Esquece-se que esse corpo, agora instrumentalizado tem em si as marcas da consciência, do mundo, e é indissociável da sua dignidade e respeito que lhe é devido, independentemente da situação que se encontra a viver.

A pessoa em situação crítica perante a iminência de risco de vida encontra-se num estado de vulnerabilidade extrema. Vieira (2003) refere que a doença é a mais evidente expressão da vulnerabilidade humana, quer fazendo-se sentir no corpo, sobretudo pela perceção da dor, quer alterando a identidade e colocando em risco a sua existência.

A PSC vive estados de vulnerabilidade diferentes, decorrentes da sua fragilidade. Não é só o sofrimento físico provocado pela situação de doença ou pelas técnicas invasivas, é também a forma como vive essa experiência que o acentua e prolonga.

No estado de vulnerabilidade, como o provocado por uma situação de doença crítica, surgem naturalmente os fenómenos pessoais de medo, angústia e sofrimento associados ao confronto com a sua própria finitude. “É sobretudo a fragilidade da existência com que somos confrontados na doença que faz aproximar de nós a ideia de morte – saber que somos mortais significa admitir que há riscos que não conseguimos evitar e que a vida é finita” (Vieira, 2003, 20).

A morte aparece assim como o horizonte último da vulnerabilidade humana, ou mesmo como a vulnerabilidade máxima da vida (Vieira, 2003). Renaud (2006,72) refere que “A morte está inscrita na condição humana e aparece como a raiz da fragilidade desta”.

A vivência do internamento na unidade de cuidados intensivos para a PSC é algo que gera impacto provocando sentimentos de instabilidade e insegurança pela sensação de risco iminente. De acordo com Meleis (1991) as Pessoas vivem processos que designa de transições pelo impacto que geram na sua vida, dos seus pares e familiares.

Estes processos vividos pela pessoa em situação de vulnerabilidade podem ser de transição saúde/doença, aguda ou crónica; desenvolvimento e Tempo de Vida (incluem situações de gravidez, parto, maternidade, entre outras); situacionais (resultantes das perda de papeis, emigração) e organizacionais (decorrentes de

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alterações no seio da organização). (Meleis et al, 2000; Meleis & Trangenstein, 1994; Chick & Meleis,1986; Meleis, 2010). A natureza de cada um destes tipos de transições está influenciada pelo contexto social e cultural de cada situação.

Segundo Schumacher, Jones e Meleis (1999), uma transição é a passagem entre dois períodos de tempo estáveis, envolvendo momentos de continuidade e descontinuidade no processo de vida da pessoa. Neste percurso a pessoa movimenta- se de uma fase, situação ou estado de vida, para outra. As transições são processos que ocorrem no tempo e têm um significado de fluxo e movimento. Durante a transição a pessoa experiencia mudanças profundas no seu mundo externo e na forma como as perceciona; estas mudanças têm repercussões importantes na sua vida e na saúde. São mudanças que exigem que a pessoa incorpore novos conhecimentos para mudar comportamentos e consequentemente mudanças na definição do “self” num determinado contexto (Meleis, 1991).

Segundo Chick e Meleis (1986) Transição é um conceito múltiplo que abraça os elementos do processo, o intervalo de tempo e a perceção. O processo sugere fases e sequências, o intervalo de tempo indica um fenómeno em curso, mas limitado e a perceção tem a ver com o significado da transição para a pessoa que se encontra a vivê-la. O processo envolve ambos, a rutura que a transição ocasiona e as respostas da pessoa a essa interferência. O intervalo de tempo estende-se desde a primeira antecipação da transição até que a estabilidade seja alcançada no novo estatuto. A perceção da transição vai refletir a forma como a ambiguidade e a ameaça ao conceito do “self” são experienciados. Em suma a transição refere-se a ambos, o processo e o resultado de uma complexa interação pessoa - ambiente. Pode envolver mais do que uma pessoa e é incorporado no contexto e na situação.

Para as autoras referidas anteriormente as características das transições incluem: processo, desconectividade, perceção e os padrões de resposta.

A transição é um processo quer o evento que a provoca seja antecipado ou não, assim como a sua duração seja curta ou Longa. Tem um princípio e um fim, não ocorrendo simultaneamente, há um sentido de movimento, um desenvolvimento, um fluxo associado a ele. A distância entre o início e o final pode ser curta ou longa, e o seu final

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pode ou não ter as mesmas características como começou. No entanto haverá um episódio que dará origem a um período de confusão, desorganização, “Stress”, levando a um novo começo.

A desconectividade parece ser a característica que mais prevalece nas transições associada à rutura de ligações das quais os sentimentos de segurança e pertença da pessoa dependem. Perdem-se os pontos de referência familiares, existindo incongruência entre as expetativas baseadas no passado e as perceções do presente. Existe discrepância entre as necessidades e a sua avaliação, assim como o acesso aos meios para a sua satisfação.

É importante para a pessoa sentir-se ligada a si e aos que lhe são significativos. É estar em relação consigo e com o mundo.

A perceção depende dos significados atribuídos aos acontecimentos das transições, são variáveis e influenciam os resultados. Esta característica sugere que diferentes perceções das transições podem influenciar reações e respostas a esses eventos, tornando-os menos previsíveis.

Os padrões de resposta à transição surgem dos comportamentos que são ou não observáveis durante todo o processo. Estes comportamentos incorporam padrões que refletem a estrutura intrapsíquica e os processos de um dado contexto sociocultural. São exemplos de padrões de resposta a acontecimentos de transições: a desorientação, o stress, a irritabilidade, a ansiedade, a depressão, a exaltação e a felicidade.

Os processos de transição sendo importantes em diversos domínios têm especial interesse para a Enfermagem, quando pretendemos analisar os fenómenos que podem ser objeto de cuidados de enfermagem, ou seja, quando se traduzem na saúde e bem- estar da Pessoa, como nos refere Chick e Meleis (1986,238) “As transições entram no domínio da enfermagem quando interfere com a saúde ou a doença, ou quando a resposta à transição se manifesta em comportamentos relacionados com a saúde”. Sendo na perspetiva da enfermagem, o resultado desejado não só um estado de saúde positivo, mas sim uma transição saudável.

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Definindo enfermagem é “facilitar as transições para aumentar a sensação de bem- estar, dando uma perspetiva única de enfermagem. Só a enfermagem facilita a transição em direção à saúde e à perceção de bem-estar” (Meleis &Trangenstein, 1994,257).

Os enfermeiros são a chave para a identificação e compreensão dos fenómenos que podem caracterizar-se como transições, prevendo ações de enfermagem dentro deste processo de transições.

As transições são universais, no entanto as experiências individuais de transições são únicas, singulares. Saber como identificar, facilitar, promover e apoiar a pessoa nestes momentos críticos, é a chave para a prática de uma enfermagem baseada no marco das transições (Messias, 2004).

A transição, no caso da PSC, resulta da passagem de um estado de saúde para um estado de doença, sendo as mudanças súbitas e muito significativas. A experiência vivida durante esta fase da vida da pessoa resulta de múltiplos fatores, que incluem a influência do apoio profissional dado pelos enfermeiros e restante equipa de saúde (Ramalho,2009).

A vivência da PSC internada numa UCI é pautada pelo medo e insegurança em relação ao seu estado clínico e ao ambiente que a rodeia, contribuindo este para a sua despersonalização. Sem saber o que lhe vai acontecer, a pessoa em situação crítica, encontra-se num estado de vulnerabilidade extremo acompanhado de uma situação de total dependência, acabando por carregar o peso da perda de autonomia e do confronto com a sua finitude (Oliveira,2001). Sendo inevitável o questionamento da vida e o seu sentido, o sentido da existência humana.

O processo de transição saúde-doença em que a pessoa em situação crítica se encontra envolve um estado de fragilidade e vulnerabilidade que abrange a sua existência na sua individualidade mais concreta, na sua singularidade. A pessoa vive a sua existência no seu limite.

Podemos inferir que a pessoa vive uma situação – limite, na perspetiva em que a luta, o sofrimento e o sentimento de morte são uma constante, sendo invadida frequentemente pela angústia e o desespero. Nesse momento a pessoa, pelo

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sofrimento que está a viver, não é capaz de dar sentido ao que está a acontecer. “A situação – limite apresenta-se como algo que destrói as bases que a Pessoa possuía, vivendo-se a existência nos seus limites” (Jaspers, 1959). Comparando as situações- limite a um muro contra o qual se embate porque é da queda que o homem se pode erguer de novo (Jaspers, 1959). Rebelo e Botelho (2010) dizem-nos que esta ameaça de si próprio e a possibilidade da sua finitude são processos presentes na resposta humana face à disrupção de uma doença crítica vivida como uma situação-limite.

Jaspers (1959,67) define situação-limite como “Situações em que me encontro sempre e que não posso viver sem luta e sem sofrimento, em que eu assumo inevitavelmente a culpa e em que tenho que morrer, chamo de situações-limite. Estas situações são inalteráveis, não se transformam, exceto na sua aparência, sendo de caracter definitivas face à nossa existência empírica (Daisen, ser em situação). São opacas ao olhar, não se conseguindo ver nada mais para além delas. São como um muro que enfrentamos e diante do qual fracassamos. Não podemos alterá-las, chegando-se apenas à clareza, sem poder explicá-las nem deduzirmos de outra coisa. Elas dão-se com a existência empírica”.

Para Jaspers (1959) o sujeito está sempre em situação, na sua situação, e pode sempre mudar a sua situação atual para outra, mas nunca pode mudar as situações-limite. Ele define como tarefa da filosofia o pensar que coloca aquele que pensa em confronto consigo mesmo, é a busca pelo autoconhecimento. Estando sempre subjacente à sua obra, “um discurso existencial de compreender o vivido a partir de dentro e acompanhar o fluxo da própria vida no seu sentido humano” (Perdigão, 2001, 540). Tal como nos refere Rebelo e Botelho (2010) “A situação-limite sendo uma experiência singular, vale pelo seu dentro e não pelos factos nem pelas determinações objetivas, pelo que só se podem elucidar pela perspetiva de dentro”. Ou seja, daquele que a vive.

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3- A UNIDADES DE CUIDADOS INTENSIVOS: LUGAR DE ACOLHIMENTO DA

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