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2.2 O TRATAMENTO DA INCAPACIDADE NO DIREITO BRASILEIRO

2.2.1 D A PESSOA NO DIREITO BRASILEIRO

A pessoa deve ser o ponto de partida e, ao mesmo tempo, o alvo, direto ou indireto, de toda construção jurídica, segundo os ditames da Constituição Federal de 1988, que elevou a dignidade da pessoa humana a fundamento da República.

A personalidade é um atributo jurídico relacionado à pessoa. Identifica-se ela com a prerrogativa de ser reconhecido como pessoa diante da lei e, por tanto, constitui um requisito prévio ou uma precondição para a aquisição de direitos e deveres. Em outros termos, a personalidade jurídica é a qualidade jurídica de ser titular e pertencente à comunidade jurídica que corresponde ao homem (leia-se pessoa) como tal.

A ordem jurídica nacional admite duas espécies de pessoas42, quais sejam: as pessoas físicas, também chamadas de pessoas naturais; e as pessoas jurídicas. As pessoas físicas ou naturais são os próprios seres humanos, ou seja, todo ser humano é pessoa. Por sua vez, as pessoas jurídicas são as associações, as sociedades, as fundações – todas disciplinadas na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) –, as organizações religiosas e os partidos políticos – estas duas últimas espécies foram acrescentadas ao Código Civil de 2002 pela Lei nº 10.825, de 22 de dezembro de 2003. Orlando Gomes, comentando sobre essa inclusão, opina:

A razão parece ter sido a de negar, expressamente, controle do poder público à criação, organização, estruturação e funcionamento desses entes, além do que a Constituição já estabelece, isto porque ambos se enquadram no conceito de associação ou no de fundação, o que resulta desnecessário esse acréscimo.43

Tanto pessoas físicas quanto jurídicas são sujeitos de direito, ou seja, podem exercer direitos e/ou cumprir deveres na ordem jurídica.

42 Deixe-se claro que também existem as pessoas de direito público, sobre as quais não se comentará nesta

monografia.

43 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 19ª ed., rev., atual., e aument., de acordo com o Código Civil

A existência da personalidade é definida pela lei. Se a personalidade é atributo da pessoa, então, deveria ela começar com o nascimento e terminar com a morte. Entretanto, a

própria lei admite algumas ficções jurídicas. Isso quer dizer que, “ao lado da personalidade

real, verdadeira, autêntica, admite-se a personalidade fictícia, artificial, presumida”44. São exemplos deste último tipo: a do nascituro, a do ausente, etc. O leitmotiv dessa extensão dos termos inicial e final da personalidade é a proteção de certos interesses.

A personalidade civil real (verdadeira ou autêntica) da pessoa natural inicia do nascimento com vida – segundo o art. 2º, do Código Civil45 – e finda com a morte, real ou presumida – consoante o art. 6º, também do Código Civil46. A doutrina clássica brasileira reconhece o nascimento com vida quando o(a) nascido(a) respirou, questão a ser resolvida por perícia médico-legal. A morte há de ser natural, e não civil, deixe-se claro.

A personalidade jurídica não se confunde com a capacidade jurídica, pois enquanto a primeira é absoluta, a segunda é relativa, comportando variação. A personalidade jurídica é a potencialidade de adquirir direitos ou de contrair obrigações na ordem jurídica; já a capacidade seria o limite dessa potencialidade.

A capacidade se divide em capacidade de direito (ou de gozo) e capacidade de fato (ou de exercício). A capacidade de direito é a possibilidade de adquirir direitos ou contrair obrigações, por si ou por terceiros.

É ela inerente ao ser humano, e está incluída na personalidade, sendo esta, no entanto, mais ampla, por não se restringir a aspectos ou campos, e por abranger aqueles direitos considerados fundamentais. A capacidade de direito é limitada, envolvendo direitos particularmente considerados, como a potencialidade em contratar, em manifestar ato de vontade, em reclamar, em se autodeterminar, que permanece em estado latente enquanto menor a pessoa.47

Já a capacidade de fato ou de exercício, compreende a prática pessoal de atos da vida civil ou a possibilidade de alguém executar pessoalmente tais atos.

O sistema de incapacidades no Código Civil de 2002 repete o do Código anterior, subdividindo a incapacidade em relativa e absoluta.

A lei civil discrimina as hipóteses de uma e de outra e estabelece efeitos jurídicos distintos para ambas. Enquanto na incapacidade absoluta a pessoa fica impedida de

44 GOMES, Orlando. Op. cit., p. 129

45 Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a

concepção, os direitos do nascituro.

46 Art. 6o A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos

em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.

praticar, por si mesma, qualquer ato da vida jurídica e por isso a lei indica seu representante, na relativa deve participar do ato assistida por alguém.48

Os absolutamente incapazes são aqueles indicados no art. 3º, do Código Civil, in

verbis:

Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos;

II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Essas pessoas não podem realizar pessoalmente os atos da vida civil sem a devida representação, o que significa a necessidade de alguém para substituí-las na tomada de decisões. Não possuiriam as mesmas nenhum discernimento para a decisão de um ato da vida civil.

O inciso II, do art. 3º, da Lei Civil, que trata sobre aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil (no Código de 1916 usava-se a expressão “loucos de todo gênero”, flagrantemente depreciativa), é nitidamente baseado no modelo médico ou reabilitador (vide subtópico 2.1.1). Os relativamente incapazes estão elencados nos art. 4º, do Diploma Civil, abaixo transcrito:

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

A essas pessoas é reconhecida a capacidade para praticar os atos da vida civil, mas desde que acompanhados e assistidos por quem a lei indica. Relativamente incapazes são os que podem praticar por si os atos da vida civil que não lhes são vedados, devendo praticar todos os mais autorizados por outrem. A deficiência de capacidade é menos severa que na incapacidade absoluta. A lei procura proteger a pessoa de sua própria inexperiência, evitando que seja ludibriada, coagida ou prejudicada. Uma vez omitida a assistência, não se anulam

48 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: Parte geral. Vol I. 8ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2011,

automaticamente os atos, pois é possível que sejam convalidados por meio da ratificação, ou pela ausência de impugnação, ou pela falta de interesse em sua revisão.

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