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Psicanálise e Educação

1.2 Pfister, Aichhorn e Zulliger:

educadores pioneiros na utilização da psicanálise para a compreensão de desafios na educação.

Em 1913, Freud já havia mostrado a influência da educação no aparecimento da neurose e acaba reabrindo a discussão quando considera a possibilidade de uma articulação entre a psicanálise e a educação, no momento em que faz o prefácio do livro de Oscar Pfister. Este era um pastor religioso e educador que se encontrou com Freud em Viena em 1909 e foi o pioneiro da psicanálise na Suíça, onde divulgou e 11

implantou as teses de Freud, utilizando-as a serviço da educação. Pfister tornou-se amigo de Freud em função da psicanálise e, a partir daí, seguiu-se uma farta correspondência, da qual uma centena de cartas foi publicada por Anna Freud e Ernst Jones, em 1963. Mais tarde, Pfister tornou-se membro da Associação Psicanalítica de Zurique (ex-Sociedade Freud) e esteve ao lado de Freud no rompimento deste com Jung, em 1913. O livro de Pfister — “O método psicanalítico” — visa introduzir a psicanálise em seu programa de ensino para educadores e pastores, e Freud assume nesse momento uma posição mais ousada em relação às possíveis contribuições da psicanálise: “esperemos que a aplicação da psicanálise a serviço da educação rapidamente realizará as esperanças que educadores e médicos podem corretamente ligar a ela” (Freud, [1913]1974: 418). Freud, nesse momento, já sinalizava que a psicanálise teria um maior interesse para Pfister, posto que havia uma sensibilidade dele para essa formação e que, a partir da sua pessoa, poderia instruir melhor os alunos. Freud reconhecia os esforços de Pfister em relação ao uso da psicanálise e declara posteriormente em “Um estudo autobiográfico”, de 1925, não ter contribuído ele próprio em nada para a aplicação da psicanálise ao campo educativo tarefa que, coube nos seus primórdios, aos méritos e ao pioneirismo de Pfister.

August Aichhorn era professor primário e dedicou-se à pedagogia e aos problemas da delinqüência infantil e juvenil. Trabalhou muitos anos como diretor de instituições municipais para delinqüentes, antes de ter se interessado pela psicanálise. Em 1922, formou um pequeno grupo de estudos sobre a delinqüência com Siegfried Bernfeld e Wilhelm Hoffer. O seu livro “Juventude Desorientada” escrito em 1925 é prefaciado por Freud, e este nos diz:

“Nenhuma das aplicações da psicanálise excitou tanto interesse e despertou tantas esperanças, e nenhuma, por conseguinte, atraiu tantos colaboradores capazes, quanto seu emprego na teoria e prática da educação [...] Não é de admirar, portanto, que tenha surgido a expectativa de que o interesse psicanalítico nas crianças beneficiaria o trabalho da educação, cujo objetivo é orientar e assistir as crianças em seu caminho para diante e protegê-las de se extraviarem”.

(FREUD [1925] 1974:341).

Aichhorn defendia a utilização da psicanálise, por parte dos educadores, mostrando que o pedagogo podia se tornar um pai substituto para a criança, quando

tivesse sido estabelecida a transferência positiva. Aichhorn12 dirigiu como “psicólogo

clínico” a formação psicanalítica do Instituto Alemão de Pesquisas Psicológicas e Psicoterapêuticas de Berlim, entre os anos de 1938 a 1944.

Outro estudioso que se interessou pelas contribuições da psicanálise foi Hans Zulliger, que também era professor primário e formou, durante muitos anos, os filhos de camponeses. Foi na Escola Normal de Hofwiil-Berne que tomou conhecimento da teoria psicanalítica. O interesse pelos seus pequenos alunos o levou, então, a dedicar-se à psicanálise. Posteriormente, tornou-se analista de crianças e, em 1928, publicou o livro “A psicanálise e as novas escolas”, que demonstrava como os chamados novos métodos podem ser vivificados pela referência psicanalítica. Depois de passar por um processo analítico, Zulliger praticou psicoterapia de crianças, destinada a curar sintomas como gagueira, enurese, compulsão ao roubo ou masturbação. Com o estímulo de Freud, foi convidado a participar da Sociedade Suiça de Psicanálise, em 1921, para prosseguir seus estudos e atividades. Zulliger13também adotou a técnica do

desenho livre e a do brinquedo, introduzida por Anna Freud e Melanie Klein, respectivamente, na análise com crianças. No entanto, posteriormente, divergiu da técnica de análise com crianças, permanecendo educador e mais tarde tornou-se psicanalista no sentido clássico, ou seja, trabalhando com a análise de adultos.

Hans Zulliger e Oscar Pfister foram pedagogos que escreveram trabalhos para publicação na Revista de pedagogia psicanalítica Zeitschrift fur psychoanalytische

padogogik, que circulou de 1926 até 1937 e incluía trabalhos de psicanalistas como

Fritz Hedl ou Heinnrich Meng, Sterba e outros. Nessa revista, a pedagogia psicanalítica é pensada como constituindo um ramo autônomo da psicanálise, e a idéia dos pedagogos era usar conhecimentos adquiridos pela psicanálise ou por uma psicanálise (processo analítico) para criar novos métodos educativos.

Como se pode constatar, as contribuições da psicanálise ao campo da educação iniciaram-se cedo com educadores como Pfister, Aichhorn, Zulliger e tantos outros. Tais contribuições, entretanto, ocorreram, sobretudo, como recomendações aos educadores para a obtenção de ações favoráveis a um melhor resultado escolar, ficando muitas vezes omitidas as contribuições da psicanálise à dinâmica da relação entre professores e alunos. Esse último tipo de contribuição é mais recente e, é justamente na

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( ROUDINESCO, 1998: 90)

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perspectiva das relações professor-aluno e na leitura dos impasses entre esses, que estamos propondo utilizar o referencial da psicanálise.

Trabalhos mais recentes que fazem uma leitura do texto freudiano, de mãos dadas com algumas formulações de Jacques Lacan, também, são bastante frutíferos no sentido de demonstrar a interlocução entre psicanálise e educação. Autores franceses — Maud Mannoni (1977), Anny Cordié (1987), Catherine Millot (1987), Mireille Cifali (1982, 1987, 1991); e brasileiros — Maria Cristina Kupfer (1989, 1992, 2000), Leandro Lajonquière (1992, 1999), Ana Lydia Santiago (2005), entre outros, são referências para nossos estudos.