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PIBID/UFABC: EXPERIMENTANDO OLHARES SENSÍVEIS

No documento Reflexões sobre as ações do Pibid/UFABC: (páginas 62-68)

M A R I A CA N DI DA VA RON E DE MOR A I S CA PECC H I18 V I V I L Í M A R I A SI LVA G OM E S19

Introdução

Ao longo de sua formação, o licenciando entra em contato com saberes específicos de sua área de conhecimento e saberes pedagógicos. Além disso, dentre os saberes inerentes ao “ser professor”, podem-se destacar aqueles ad- quiridos no exercício da profissão. São vários os estudos que se referem a esses saberes, assim como àqueles construídos ao longo de toda trajetória percor- rida pelos professores ainda como alunos e o peso que representam no exer- cício da profissão. Considerando a complexidade do trabalho pedagógico e a necessidade de integração dos diversos saberes que constituem a profissão docente, que estão envolvidos na coordenação de ações em sala de aula e tam- bém além desses limites, torna-se premente romper-se com o isolamento do- cente, por meio de uma perspectiva interdisciplinar, propiciando um envolvi- mento com múltiplos olhares referenciais que atuem no sentido do aprender com o diferente, de compartilhar o similar e preservar o que lhe é próprio: um processo de ressignificar o singular a partir, e por meio, do plural. Para tanto, propusemos no Subprojeto Interdisciplinar do Pibid/UFABC o envolvimento

18. Coordenadora de Área do subprojeto Interdisciplinar do Pibid/UFABC. E-mail: candida.ca- pecchi@ufabc.edu.br

19. Coordenadora de Área do subprojeto Interdisciplinar do Pibid/UFABC. E-mail: vivili.gomes@ ufabc.edu.br

(a participação) de licenciandos e professores supervisores, das diversas áreas de licenciaturas existentes nesta universidade (Biologia, Filosofia, Física, Ma- temática e Química), em ações tanto no âmbito das salas de aula da Educação Básica, quanto dos demais ambientes da escola, com a intenção de fazer aflo- rar no grupo temas de caráter transversal. Desde o início das atividades desse Subprojeto, portanto, nossa postura como coordenadoras foi de acolhimen- to de temas de discussão, identificados pelos próprios participantes de modo a atender demandas das escolas envolvidas e, também, de proposição de ati- vidades envolvendo referenciais teóricos voltados para a formação do profes- sor reflexivo, realizadas nos encontros de orientação na Universidade. A ideia era que a discussão e proposição de soluções para demandas das escolas pro- porcionassem, aos participantes, oportunidades de explorarem as contribui- ções de áreas de conhecimento distintas, apreciando suas interfaces e distan- ciamentos. Como ações, propusemos, ao longo de dois anos de trabalho: 1) Realização de oficinas de jogos teatrais, envolvendo bolsistas e professores su- pervisores, acompanhadas de sessões de discussão. 2) Observações de aula e acompanhamento de ações dos professores supervisores nas escolas. 3) Ses- sões de estudos e leituras acerca dos temas identificados no cotidiano das es- colas, formação de professores, interdisciplinaridade e transversalidade. 4) Reuniões de orientação. 5) Elaboração de intervenções de bolsistas nas esco- las. 6) Elaboração de relatórios e trabalhos científicos.

Neste capítulo, apresentamos um balanço das atividades realizadas ao longo de dois anos de duração do Subprojeto Interdisciplinar, com o intui- to de discutir as possibilidades e limitações dos objetivos almejados, à luz de nossos referenciais teóricos e da repercussão das ações desenvolvidas ao lon- go do processo vivenciado pelo grupo.

Sobre nosso ponto de partida...

Uma formação de professores que procura evidenciar as escolhas, mais do que o fornecimento de instrumentos prontos, visa promover nos envolvi- dos uma atitude reflexiva, de tomada de consciência de seus saberes e valo- res em relação à profissão. Nóvoa (1992) afirma que a identidade do profes- sor “é um lugar de lutas e conflitos, é um lugar de construção de maneiras de ser e de estar”. A construção da identidade necessita de tempo para acomodar

inovações, assimilar mudanças e (re)pensar a prática, num processo de auto- consciência sobre ações docentes e motivações para essas ações.

Durante muito tempo, porém, a formação de professores foi baseada no modelo denominado por Donald Schön (CONTRERAS, 2012) racionalida-

de técnica, em que o contato com a prática da profissão era realizado apenas

nos anos finais de formação, após toda uma carga de teorias pedagógicas e de conteúdos específicos de determinada área de conhecimento. Essa con- cepção de formação vem sendo criticada há anos por pesquisadores da área de educação, que vêm reconhecendo, cada vez mais, o importante papel da prática profissional como contexto de construção de saberes. E, dessa forma, valorizando os saberes dos professores que são constituídos durante sua atu- ação nas instituições de ensino e a necessidade de reconhecimento e potencia- lização dessa importante faceta da profissão (TARDIF, 2002; PERRENOUD, 1999). A valorização de uma capacidade de continuar aprendendo é impor- tante para qualquer profissão. Para o professor, porém, muitas vezes cercado de uma imagem de especialista infalível (CONTRERAS, 2012), o caráter de

inacabamento que se encontra por trás dessa ideia nem sempre é bem aceito.

Além disso, a formação de professores tem enfocado aspectos estritamente racionais, em detrimento de afetivos, o que precisa ser repensado.

Dessa forma, é importante proporcionar, tanto na formação inicial, quan- to na formação continuada, oportunidades para que futuros professores e professores em serviço reflitam sobre e expressem o sentido que tem em suas vidas o “ser professor”, conscientizando-se de seus saberes, valores, angústias e anseios (PIMENTA, 2005).

Pensar sobre o significado da profissão para si e todas as suas representa- ções possibilita a licenciandos e professores a realização de escolhas conscientes, assumindo uma postura de autoria de seu processo profissional e este é o prin- cípio que norteia o trabalho aqui apresentado, inspirado em alguns dos pressu- postos básicos de Paulo Freire para a caracterização de um educador. Em seu livro Pedagogia da Autonomia, Freire (1996) destaca que o professor, denomi- nado por ele progressista, que visa o desenvolvimento da autonomia de seus educandos, reconhece que não há docência sem discência, que ensinar não é transferir conhecimentos e que ensinar é uma especificidade humana.

Reconhecer que não há docência sem discência implica em reconhecer que o ensino-aprendizagem intencional só acontece quando se estabelece

uma relação pedagógica entre professor, alunos e conhecimentos. Para que essa relação de fato se estabeleça, é necessária a constituição de um campo in- tensivo em que todos os envolvidos estejam em conexão, de modo a promo- ver a emancipação do educador e do educando, potencializando ambos para a geração de novos conhecimentos. Nesse sentido, o estabelecimento da re- lação pedagógica professor – alunos – conhecimentos deve proporcionar um encontro em que diferentes indivíduos possam se expressar para ampliar suas formas de pensar, rompendo com a mera reprodução de saberes.

Neste ponto, é importante destacar algumas ideias que Paulo Freire defen- de de forma recorrente em seu livro (FREIRE, 1996), a noção de inacabamen- to do ser humano e a importância de que se reconheça condicionado, porém não determinado. Cada ser humano se compõe com forças históricas que o condicionam, porém não o determinam, uma vez que é possível criar outras composições. É preciso criar condições para que novas composições possam ser vislumbradas e experimentadas por professores e estudantes. Para tan- to, mais uma vez, mostra-se necessária a criação de espaços de expressão de ideias que não sejam condicionados a um único recorte da realidade, o ver- bal, e que envolvam, além da racionalidade, também a sensibilidade dos en- volvidos, em diferentes expressividades.

Essas considerações apontam para um universo de possibilidades de tra- balhos que podem efetivamente contribuir para uma formação mais crítica e sensível de professores, capazes de fazer suas escolhas pautando-se em suas convicções e na realidade escolar.

O caminho proposto e realizado pelas autoras no Subprojeto, para fomen- tar a criticidade e sensibilidade dos professores em formação, é a ampliação de oportunidades e linguagens para diferentes formas de expressão do pensar e do sentir dos envolvidos, o que envolve o trabalho corporal. Daí a opção por inserir jogos de improvisação teatral na formação de professores.

Deixando um pouco de lado um modelo racional ou cerebral de aprender, que passa pelo tratamento daquilo que é, ou pode ser, de alguma forma, pal- pável ou visível e, considerando aquilo que não o é, ou seja, que se constitui em elementos invisíveis ou sensíveis, que muitas vezes mais afetam o proces- so que os primeiros, as docentes formadoras e autoras deste artigo se aventu- ram por atalhos que adentram a imaginação dos discentes. Nesse sentido, as atividades propostas no Subprojeto visam trazer à tona, por meio do estímulo

às expressividades de seus alunos bolsistas do Pibid ou dos licenciandos, reve- lações gnosiológicas a respeito das temáticas tratadas e referenciadas nos tex- tos estudados nas reuniões de formação realizadas na Universidade, de for- ma a contemplar possibilidades de aprendizagem na diversidade, na busca de um pensar certo pedagógico.

Pensar certo, em termos críticos, é uma exigência que os momentos do ci- clo gnosiológico vão pondo à curiosidade que, tornando-se mais e mais metodicamente rigorosa, transita da ingenuidade para o que venho cha- mando “curiosidade epistemológica”. A curiosidade ingênua, do que re- sulta indiscutivelmente um certo saber, não importa que metodicamente desrigoroso, é a que caracteriza o senso comum. O saber de pura experiên- cia feito. Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto implica o res- peito ao senso comum no processo de sua necessária superação quanto o respeito e o estímulo à capacidade criadora do educando. Implica o com- promisso da educadora com a consciência crítica do educando cuja “pro- moção” da ingenuidade não se faz automaticamente. (FREIRE, 1996, p.14) Essa busca do pensar certo proposto por Paulo Freire pode ser abordada tanto do ponto de vista do professor em relação aos saberes de seus alunos, quanto do ponto de vista do formador em relação aos saberes dos licencian- dos e, também, de cada um dos envolvidos em relação a si mesmos, sejam os licenciandos, os professores supervisores ou os formadores de professores. Acreditamos que essa dimensão de refletir sobre si próprio em contexto pro- fissional é que vai desencadear todo o processo de construção de uma identi- dade docente crítica, reflexiva e sensível. Fazer essa autoanálise, porém, não é algo simples. Hubert Godard (2006, p.74), ao falar sobre o trabalho de Lygia Clark com objetos relacionais, lembra que:

(...) frequentemente, a história da percepção vai fazer com que, pouco a pouco, eu não possa mais reinventar os objetos do mundo, minha proje- ção vá associá-los sempre da mesma maneira. Ou seja, vejo sempre a mes- ma coisa, sempre através do filtro da minha história.

Para romper esse olhar estático e aparentemente imutável, faz-se neces- sário olhar com outros olhos a mesma coisa ou sob outro ângulo, ou seja, des-

É importante destacar que a desnaturalização do mundo natural passa pela valorização de diferentes formas de expressão, para além da verbal, e, tam- bém , pelo trabalho coletivo/ cooperativo, que proporciona o contato com diferentes formas de ver. Ao lembrar que não nos comunicamos apenas pela linguagem falada, mas por muitas outras, que, mesmo sendo culturalmente aprendidas, antecedem a fala e que estão corporificadas ou impressas no ser do aprendente, sendo uma forma de comunicação primordial, às vezes prin- cipal, as formadoras e autoras deste trabalho se valem de múltiplas formas de expressão nas reuniões de orientação, na busca de uma relação empática e acolhedora, que possa desencadear a construção do conhecimento pedagó- gico do futuro professor no âmbito individual em meio ao social.

Sobre as ações realizadas e repercussões...

Para trazer a público um panorama geral sobre o processo formativo vi- venciado no âmbito do Subprojeto, ao longo de seus dois anos de duração, optamos por apresentar neste capítulo: um exemplo de atividade formativa, acompanhado das produções de um dos bolsistas que dela participou; um le- vantamento de dificuldades e limitações enfrentadas e, por último, depoimen- tos de bolsistas e supervisoras, acerca dos impactos positivos do Subprojeto nas escolas e em suas formações.

Uma atividade formativa: a construção de um olhar reflexivo por meio de imagens...

Como mencionado anteriormente, partindo de uma concepção de pro- fessor crítico-reflexivo (FREIRE, 1996; CONTRERAS, 2012), nas atividades propostas pelas coordenadoras, a meta principal era a problematização das vivências de licenciandos, tanto em suas trajetórias como estudantes, quanto em suas experiências como bolsistas nas escolas. Para fomentar essa proble- matização, eram propostas leituras de textos selecionados, muitas delas, rea- lizadas em grupo durante as reuniões na Universidade. Além disso, de modo a contemplar outras formas de pensar e se expressar, eram realizados jogos de improvisação teatral, impulsionados tanto por relatos dos bolsistas, quan- to por excertos dos textos em discussão.

Etapa 1 – O docente como profissional reflexivo.

Esta etapa foi realizada presencialmente em uma das reuniões de orien- tação dos bolsistas na Universidade e teve como objetivo formativo fomentar uma leitura sensível e crítica do texto “O docente como profissional reflexivo”, extraído do livro “A autonomia de Professores”, de José Contreras (2012, p. 117-146). Neste texto, o autor apresenta e questiona o modelo de formação de professores pautado na racionalidade técnica, à luz das ideias de Schön (pro- fessor reflexivo) e Stenhouse (professor pesquisador).

Entendemos por uma leitura sensível de um texto, aquela que possibilite romper com conservas culturais, permitindo a exploração de diferentes for- mas de interpretar e também expressar essa interpretação entre todos os en- volvidos. Cassiano Quilici (2006, p. 71), quando fala sobre o teatro do silên- cio, afirma que:

(...) a linguagem corporal é mais permeável às “pulsões”, memórias e expe- riências pouco acessíveis à consciência. O discurso do corpo pode se estru- turar a partir desse terreno movediço, trazendo à tona o que não encontra espaço na lógica linear do discurso verbal.

Fazendo uma transposição do teatro para a situação de leitura de

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