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3 DO REGIONAL AO NACIONAL: O PARTIDO FEDERALISTA NA E ATRAVÉS

3.5 PINHEIRO MACHADO NA MIRA DA OPOSIÇÃO

De um modo geral, pode-se dizer que o Rio Grande do Sul, nos primeiros anos do século XX, destacou-se muito devido à atuação de uma figura de grande força no Senado Federal, Pinheiro Machado (1851-1915)292, que, através de seu partido, o PRR, dominaria a política brasileira até pouco depois da Primeira Guerra Mundial. Pinheiro Machado atuou intensamente na cena da política nacional. Nos anos de 1905 a 1906, o senador assumiu a liderança da facção majoritária do Congresso Nacional, o chamado Bloco ou Coligação. Fundou e foi presidente do Partido Republicano Conservador (PRC), além de vice-presidente do Senado em dois períodos distintos – o primeiro entre 1902-1905 e o segundo entre 1913- 1915.293

A projeção do positivismo político gaúcho na instância federal deu-se, especialmente, através de Machado.294 Na prática, ele forjava as influências locais sem contudo permitir a

radicalização do processo. Para nós, a ação, o verbo, síntese da atuação política de Pinheiro Machado era querer, no sentido de dominar, de ter poder, e, portanto, de vencer.295

No Brasil, nas primeiras décadas republicanas, a partir do predomínio das oligarquias locais formava-se o alicerce que Pinheiro Machado buscava para ampliar o seu espaço na política, algo concretizado com a fundação oficial do PRC, em 1910, que englobava a maioria das máquinas estaduais. Segundo Joseph Love, o PRC institucionalizou a autoridade e legitimou o poder do senador em relação às forças oligárquicas dos estados satélites sob a rubrica da disciplina partidária.296

Principal articulador político do PRR no cenário nacional, Pinheiro Machado foi alvo de duras críticas por parte dos seus adversários e no âmbito da imprensa despertou a ira do jornalismo vinculado ou simpático ao Partido Federalista, feroz opositor do partido dominante gaúcho, pautando muitos dos seus editoriais. Essas críticas dirigiam-se especialmente às

292 Sobre o papel de Pinheiro Machado na política nacional na Primeira República, ver: ENDERS, Amelle.

Pouvoirs et fédéralisme au Brésil (1889-1930). Tese (Doutorado em História) – Université de Paris-Sorbonne. Paris, 1993.

293 NETO, Leonardo leite (Org.). Catálogo biográfico dos senadores brasileiros de 1826 a 1986. Brasília:

Centro Gráfico do Senado Federal, 1986. p. 1605-1606.

294 O historiador Luiz Antônio Farias Duarte em sua dissertação de mestrado analisa como o político foi

protagonista na mídia durante os primeiros 15 anos do século passado (DUARTE, Luiz Antônio Farias. Imprensa e Poder no Brasil – 1901-1915 – Estudo da construção da personagem Pinheiro Machado pelos jornais Correio da Manhã (RJ) e A Federação (RS). Dissertação (mestrado em Comunicação e Informação) ‒ Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007).

295 BORGES, Vera Lúcia Bogéa. A batalha eleitoral de 1910: imprensa e cultura política na primeira república.

Rio de Janeiro: Apicuri, 2011. p. 110.

manobras políticas do general gaúcho e da sua influência na condução dos negócios republicanos.297

Figura 2 – Charge sobre Pinheiro Machado

Fonte: O Gato.298

O que está em questão aqui é mostrar que a produção jornalística opositora, ao se debruçar sobre a participação de Pinheiro Machado no cenário da política nacional da época, não impediu que o debate regional travado explicitamente com regime castilhista-borguista desaparecesse no âmbito de seu discurso jornalístico.

297 Um exemplo emblemático da sua força política conecta o senador ao Cariri de Padre Cícero Romão Batista.

Líder inconteste da sua região, prefeito de Juazeiro e suspenso das ordens sacerdotais, Cícero foi aclamado pela convenção do PRC como candidato à terceira vice-presidência do Ceará, cargo que aceitou de bom grado. As eleições aconteceriam em abril de 1912. No meio do caminho, o presidente do Ceará, seu padrinho político, Nogueira Accioly foi obrigado a renunciar por causa de um massacre de sua polícia contra uma passeata de mulher e crianças. Parecia o fim, mas não foi. Por uma dessas circunstâncias que somente a política é capaz de explicar, um acordo de bastidores terminou por garantir a manutenção do nome de Cícero na terceira vice- presidência estadual. Tratava-se, na realidade, de um acerto de cúpula, firmado no Rio de janeiro, com a benção do chefe nacional do PRC, o senador Pinheiro Machado, considerado à época o homem mais poderoso da República e candidato declarado à sucessão de Hermes da Fonseca. Machado, que mantinha sua influência nacional à custa do apoio das oligarquias estaduais, providenciou em seu laboratório político o antídoto contra a derrocada de Accioly. A esse respeito ver: ALVIM, Newton. Pinheiro Machado. Porto Alegre: IEL, 1996; PORTO, João da Costa. Pinheiro Machado e seu tempo. Porto Alegre: L± Brasília: INL, 1985.

Com certeza neste tópico de discussão será também possível visualizar um elemento interessante do jornalismo político: o combate a pessoas e não necessariamente as suas ideias e/ou propostas políticas. Sobre esta questão, advertiu-nos com mais precisão Nelson Werneck Sodré:

A preocupação fundamental dos jornais, nessa época, é o fato político. Note-se não é a política, mas o fato político. Ora, o fato político ocorre, então, em área restrita, a área ocupada pelos políticos, por aqueles que estão ligados aos problemas de poder. Assim, nessa dimensão reduzida, as questões são pessoais, giram em torno de atos, pensamentos ou decisões de indivíduos, os indivíduos que protagonizam o fato político. Daí o caráter pessoal que assumem as campanhas; a necessidade de endeusar ou de destruir o indivíduo. Tudo se personaliza e se individualiza. Daí a virulência da linguagem da imprensa política, ou o seu servilismo, como antípoda. Não se trata de condenar a orientação, ou a decisão, ou os princípios – a política, em suma – desta ou daquela personalidade; trata-se de destruir a pessoa, o indivíduo. É virulência semelhante, na forma, à do pasquim da primeira meta do século XIX, mas diferente no conteúdo. Essa distinção é que não tem sido percebida pelos historiadores, enganados pela semelhança formal que resulta da simples observação.299

Dentro do sistema oligárquico, Pinheiro Machado representou uma variante ao organizar as pequenas lideranças estaduais. Em certos momentos, incomodou o poder Executivo, às vezes chegou mesmo a exceder-se, como quando desejou tornar-se candidato à presidência, alguns anos mais tarde. Provavelmente, Pinheiro Machado não compreendeu os limites de suas ações ou então faltou-lhe habilidade para disfarçar a sua força política. Tornou-se assim um alvo fácil da imprensa.

Na edição de 5 de janeiro de 1908, o jornal O Maragato repercutia o pronunciamento proferido pelo deputado federalista, Pedro Moacyr, na Câmara Federal, que teria acusado o senador Pinheiro Machado de pressionar o governo federal para a demissão do Ministro da Indústria e Viação:

No terreno propriamente político, coube ao aureolado tribuno do federalismo a glória de fechar com chave de ouro a sua ação parlamentar [...] arrancando, com

pulso firme, a máscara do Tartufo, que o famoso chefe do ‘bloco’, o célebre Pacheco

da atualidade, trazia afivelada ao rosto, apresentando, em sua nudez, tal qual é o Sr. Pinheiro Machado, - um simples discípulo de Maquiavel, um político de embrulhos, armador de ciladas, inspirador de traições, sem escrúpulos na escolha dos meios para chegar aos fins que tem em vista e se resumem na sua preponderância, na sua supremacia, na sua onipotência. [...] Fica o poder executivo livre de todo e qualquer embaraço que pudesse opor o parlamento [...] a fim de enterrar definitivamente o cadáver, já agora ambulante, do Sr. Pinheiro Machado, [...] que é um vencido e um vencido na pior das condições, porque a sua queda vem de uma altura a que ele próprio nunca pensou atingir.300

299 SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad 1999. p. 277. 300 O MARAGATO, 5 jan. 1908, n. 77.

Predisposição mórbida a doenças, adultério e subversão da seriedade foram algumas das classificações mais recorrentes empregados pelos jornais maragatos para descrever a ação de Pinheiro Machado na arena política nacional.

Conforme já foi mencionado anteriormente, o senador liderou o chamado Bloco ou Coligação, que consistia numa facção majoritária na arena do Senado Federal. O Bloco não era uma composição ideologicamente vinculada. Seus integrantes uniram-se para garantir a eleição e sustentação do governo Afonso Pena sob a liderança de Pinheiro Machado que pretendia, no futuro, formar um partido político. Tal fato só aconteceria mais tarde, na administração Hermes da Fonseca (1910-1914), com a fundação do Partido Republicano Conservador. Aproveitando-se do caráter heterogêneo do Bloco, a mesma folha destacava:

Nenhum partido político produziu tão grande cópia de malefícios ao nosso país, como esse grande, informe, agrupamento de individualidades. [...] O célebre partido republicano federal, chefiado pelo Sr. Glicério, não exerceu sobre este país ação tão

nociva a da agremiação ‘bloquista’. O ‘bloco’ nascido de um falso, hipócrita

movimento reacionário tendente a reivindicar o direito do povo a escolher os presidentes da república, tornou-se, em verdade, uma imoralíssima coligação de elementos, politicamente antagônicos, cujo único tito foi a satisfação dos desejos pessoais de seus próceres. Do acervo de maldades dessa funesta coligação, ressalta o apoio a todas as oligarquias do Brasil, fortificadas pela aliança bloquista.301

Detentor de uma força sem igual, mesmo no momento em que foi vítima de uma punhalada nas costas, Pinheiro Machado, segundo Vera Lúcia Borges302, tinha plena consciência do seu papel na vida pública. A imprensa soube se aproveitar deste detalhe seja para enaltecer seu papel no jogo, seja para criticá-lo como fez a imprensa maragata.

No artigo “Degradação da República”, o jornal A Reforma, em sua edição de março de

1911, atacava de forma veemente o chefe do Bloco abrindo fogo contra o que denominou de a

“ditadura de Pinheiro Machado”. O periódico acusava-o de controlar a máquina político-

partidária nacional e, através desta, do Congresso e do próprio Executivo, na época, nas mãos do presidente Hermes da Fonseca. As violências constantes assim como as violações de leis eram entendidas como responsabilidade direta de Pinheiro Machado.

Nessa época, reafirmava-se a convicção imprópria de que a verdadeira chefia da política nacional estava nas mãos do senador pelo Rio Grande do Sul, o que anulava a própria figura do presidente da República, Hermes da Fonseca. O episódio em questão, trazido pelas

301 O MARAGATO, 30 abr. 1908.

302 BORGES, Vera Lúcia Bogéa. Morte na República: os últimos anos de Pinheiro Machado e a política

páginas de A Reforma, tratava da autonomia dos conselhos municipais do Rio de Janeiro no reconhecimento dos poderes de seus membros, quer individual, quer coletivamente. O jornal não entendia o fato de que, mesmo após o Supremo Tribunal de Justiça ter assegurado a legitimidade de tal corporação legislativa municipal, a União federal pudesse intervir no caso anulando a decisão da justiça. Desse modo, alertava:

Não vale a pessoa, nem a vontade do presidente da república que é supremo magistrado da nação: acima dele há o super árbitro da política nacional, em cujas mãos se acham presas as duas outras entidades supremas – o presidente da república e a mais alta expressão do poder judiciário. Como degradação, essa não é suprema, porque em matéria de degradação, o caráter desce ao ínfimo: a pátria depende da vontade de um homem que não é o presidente da república, que não é o presidente do Supremo Tribunal, que não é o presidente do Senado, que não é presidente da Câmara, que não é presidente de nenhum Estado, que é como qualquer outro um vulgaríssimo senador, intelectualmente apagado e medíocre.303

Sem dúvida nenhuma, os dois políticos podiam ser responsabilizados pelas dificuldades que o país atravessava ou pelos erros cometidos pelo próprio governo. É preciso atentar, no entanto, para o conjunto do sistema político partidário e não apenas para alguns de seus protagonistas. Porque, afinal, Pinheiro Machado, em larga medida, punha em prática, conforme seu poder no Legislativo, uma política de intervenção nos negócios políticos estaduais e municipais, cuja responsabilidade máxima, em tese, cabia antes ao presidente da República. Nesse sentido, insistia a folha maragata em ponderar que:

Se o Sr. marechal não tem energia para abater de um só golpe a supremacia do Sr. Pinheiro Machado, se não tem envergadura para se libertar da influência dominadora desse caudilho, que o está arrastando às mais perigosas aventuras, renuncie à cadeira do Catete e entregue o poder nas mãos do seu dominador, para que ele exerça, pessoalmente e com responsabilidade própria, as atribuições que está exercendo efetivamente, às escancaras, sem o mais leve rebuço [...]. Esmague a vontade do povo, destrua a soberania nacional, liquide a justiça, enterre de vez o direito, mas faça-o com energia, com franqueza, assumindo a responsabilidade plena do crime, [...] mas não como mandatário, como instrumento nas mãos do Sr. Pinheiro Machado, porque essa posição, além de humilhante para a sua pessoa, é deprimente para a sua espada e desonrosa para a tradição dos Fonsecas.304

Pinheiro Machado, frequentemente, era caracterizado como caudilho típico, acusado de ser representante das elites.305 Entretanto, apesar de afastado das manifestações populares, sucessivamente conseguia reeleger-se desde o estabelecimento da República no país. O controle político exercido pelo chefe do Bloco sobre o Legislativo permitia que Pinheiro

303 A REFORMA, 08 mar. 1911. 304 A REFORMA, 08 mar. 1911.

305 Os periódicos Fon-Fon! e Careta apresentam inúmeros exemplos principalmente através de suas charges de

Machado reforçasse a ideia – também presente entre certos grupos de oposição – de que, por falta de partido nacionais, o Legislativo era a representação das vontades estaduais. Daí pode- se compreender a formação do Bloco, em 1905, agrupamento parlamentar, manobrado por Machado, que, sob sua permanente liderança, passou a ser crucial nas votações ocorridas tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados.

Fiel à tradição castilhista, Pinheiro Machado trazia consigo a marca do espirito conservador. Segundo Vélez Rodríguez (2010: 145), Pinheiro pretendeu realizar a nível nacional o que Júlio de Castilhos conseguira no Rio Grande do Sul com o PRR: o ideal do partido único, cuja direção absoluta devia caber-lhe, sem discussões e sem opositores. Assim como Castilhos procurou acabar com as diferentes tentativas oposicionistas ou de crítica com relação ao PRR, atitude repetida em termos idênticos por Borges de Medeiros, Pinheiro agiu de forma muito semelhante, visando garantir o seu domínio absoluto na política nacional através do PRC. É dentro desse contexto, assegura o referido autor, que devemos interpretar a

política das “degolas” que o senador gaúcho dirigiu com “perfeição insuperável”. A única

diferença existente entre Castilhos e Pinheiro dizia respeito ao campo de ação partidário: provincial, no primeiro; nacional, no segundo. Não obstante, ainda aqui, afirma Vélez Rodríguez, pode-se perceber uma linha de continuidade, como se observa nos entendimentos de Pinheiro Machado com Castilhos e Borges de Medeiros, a fim de manipular a política nacional de forma favorável aos interesses do Rio Grande. A esse respeito, trovejava a imprensa maragata:

Nunca, o Sr. general Pinheiro Machado teve intenção sincera de derrubar as oligarquias, porque teria de insurgir-se contra a primeira e mais perigosa de todas elas: a do seu próprio Estado natal, que S. Ex. ampara e que a seu turno apoia a personalidade e o predomínio do senador na política nacional. [...] No dia em que ele pretender por em prática qualquer intuito por ventura nobre para derrubar as oligarquias [...] sentirá esboroar-se o castelinho do seu poderio regional, no próprio baluarte do seu partido no Rio Grande do Sul. S. Ex. compreende que será vítima da sua própria ousadia e por isso resolveu acastelar-se na proteção aos oligarcas do Norte para que estes num justificadíssimo movimento de reação não esboroem em três tempos a oligarquia positivista do Rio Grande do Sul [...].306

Dentro dessa perspectiva, é válido destacar aqui a síntese produzida por Costa Porto a

respeito da concepção política de Pinheiro Machado: “Mesmo quando mais parecia desviado

das diretrizes primitivas, conservava-se fiel ao princípio fundamental: o presidencialismo

escudado no partido e sob o controle do Senado e, ambos, em derradeira análise, agindo em

função do espírito partidário”.307

À luz dos argumentos anteriores, a imprensa federalista insistia em destacar a repulsa de Pinheiro Machado ao sistema representativo de governo e à formação de uma opinião pública no Brasil. Na matéria intitulada “A fraqueza da opinião”, o colaborador Oliveira

Gomes fazia a seguinte indagação: “é oportuno perguntar se foi mais o Sr. Pinheiro Machado

que afeiçoou aos seus interesses de mando a nossa política ou se antes foi o nosso lamentável

descuido de tudo que criou o Sr. Pinheiro”.308

Assim como as questões de ordem internacional [...] as de ordem social, que são as de organização do país, necessitam, reclama, exigem a colaboração da opinião pública, que é quem cria e fiscaliza os órgãos da sua soberania e quem traça os programas dos seus governos. Sem isso não se pratica regime algum; sem isso os órgãos do poder não passam de meras delegações da indiferença e da inanidade da opinião pública. Este é o nosso mal mais profundo, o nosso mal máximo, contra o qual todas as terapêuticas parecem improfícuas [...]. É por termos chegado a esta tristíssima situação de amorfismo moral, a este estado de absoluta indiferença da opinião que assistimos a este espetáculo por certo único na política de qualquer país, a não ser na dos que já se degradaram: a opinião é absolutamente inimiga do St. Pinheiro; ele mesmo o confessa sem o mínimo embaraço.309

Efetivamente, Pinheiro não se interessava de forma alguma pela opinião pública, desafiando-a continuamente, sendo esta uma das causas principais da crescente impopularidade que terminou por dar-lhe o golpe fatal em 1915.310

A consumação do processo de oligarquização da política brasileira, pela política dos governadores, originou as primeiras contestações, em nível nacional, à prática do regime vigente, por parte das oligarquias excluídas do processo e da classe média emergente. Surgia assim, a Campanha Civilista, que abordaremos agora.