• Nenhum resultado encontrado

2. A CONSTRUÇÃO E LEGITIMAÇÃO DE UM CAMPO DO SABER

2.1 O Design

2.1.3 O pioneirismo alemão no ensino do Design

Os interesses da indústria de um país, que até o século XIX eram compreendidos como questões dos industriais, e não de subvenção pública, passaram a ser compreendidos, no século XX, como interesses do estado nacional. Neste contexto, a Alemanha rapidamente entendeu a importância de se fortalecer enquanto Estado e se destacou como sendo o país precursor no ensino de Design.

Com a introdução de máquinas para substituir a produção artesanal, no final do século XIX, Karl Schmidt, que estava no comando das oficinas mais avançadas, passou a se reunir com os artesãos em uma organização denominada Werkstätt, com o propósito de desenvolvimento de uma estética nova e simples para os produtos já desenvolvidos pela máquina e com componentes padronizados.

No catálogo de 1905 as Werkstätt se orgulhavam de ‘desenvolver o estilo do mobiliário a partir do estilo da máquina’. A primeira mobília com elementos padronizados feita pelas Werkstätt, que ficou conhecida na Inglaterra como Unit, foi exibida em 1910 sob o nome de Typenmöbel (NIEMEYER, 2007, p. 37).

13

“Junto com Karl Marx, Ford é um dos raros indivíduos dos dois últimos séculos que, sem ser líder político ou religioso, teve acrescido ao seu nome o sufixo ‘ismo’, ou seja, cuja pessoa passou a simbolizar uma doutrina. (CARDOSO, 2008, p.110)

Também no início do século, em 1907, formou-se a Deutscher Werkbund (literalmente ‘Confederação Alemã do Trabalho’), “organização pioneira na promoção do Design como elemento de afirmação da identidade nacional” (CARDOSO, 2008, p. 123). Tratava-se de uma organização cujos membros pretendiam uma aliança entre arte e indústria. Seus fundamentos estéticos, encontrados na obra “A Casa Inglesa”, baseavam-se nas observações e na nova estética proposta por Hermann Muthesius (1861-1927), para o século XX, que se concentrava na padronização técnica e estilística.

De organização, Wekbund foi promovida à sociedade, que tinha o propósito de reunir os melhores da arte, indústria, ofícios e comércio, no esforço de produzir um trabalho industrial de alta qualidade.

Nos primeiros anos, eles se propuseram a incentivar fabricantes a adotar os princípios de qualidade, simplicidade e planejamento. Para tal, desenvolveram um processo educativo dirigido não só aos fabricantes, mas ao público em geral. A Werkbund editou publicações, organizou conferências, debates, exposições fixas e intinerantes, realizou trabalhos em conjunto com escolas de arte (DROSTE, 1992, apud NIEMEYER, 2007, p. 38).

Na prática, a sociedade reunia empresários, políticos, artistas, arquitetos e designers para estimulá-los ao desenvolvimento de uma política setorial de aplicação do Design à indústria, e pressionar as autoridades para a melhoria dos padrões estéticos e técnicos da indústria alemã.

Como este período foi marcado pela tensão entre duas soluções formais, a que defendia o uso de forma orgânicas, extraídas da natureza, no desejo de humanizar/naturalizar a máquina; e a que promovia a geometrização das formas, em direção à abstração e linearidade, no desejo de adaptar as pessoas à mecanização, os princípios da Wekbund foram contestados em 1914.

Em Colônia, na Alemanha, houve um interessante debate entre Muthesius, que defendia o racionalismo e a nova objetividade do processo industrial, e Van de Velde, em oposição, na defesa do individualismo e subjetividade de uma arte aplicada à produção de massa. Importante lembrar, que este também era o momento do surgimento do Futurismo, do Cubismo, do Construtivismo e do Neo- Plasticismo, que iriam se alinhar de modo militante à máquina como ideal estético e padrão para a produção artística (CARDOSO, 2008).

Neste contexto, Walter Gropius (1883-1969) e Adolfo Meyer apresentaram “um edifício para escritórios e uma fábrica-modelo que se expressava

por meio da estética de novos materiais: o aço e o vidro” (NIEMEYER, 2007, p. 39). Gropius estava em sintonia com Van de Velde e buscava criar símbolos do espírito e da vontade da época:

A interpenetração dos espaços interno e externo dada pelo vidro explicitava a modificação das relações entre os setores público e privado na sociedade alemã, com a crescente ascensão da burguesia. A simplificação total de linhas criava uma linguagem estilística adequada à expressão de uma nova era econômica e cultural da Alemanha (NIEMEYER, 2007, págs. 39-40).

Assim, esta classe social, que experimentava um intenso nacionalismo, consagrou Gropius, que se converteria no principal promotor de arquiteturas e Designs voltados para a máquina.

Foi ele o responsável pela publicação do Manifesto da Bauhaus, em 1919, que culminou com a criação da escola Bauhaus, em 12 de abril do mesmo ano, considerada o principal paradigma do ensino do Design no século XX.

A escola defendia a estandardização da produção industrial e Gropius já havia, desde 1915, manifestado interesse pelo ensino de artes e ofícios, tendo inclusive enviado à Superintendência da Casa Real, em 1916, a proposta de uma escola cujo propósito seria fomentar a estreita colaboração entre o comerciante e o técnico, e o artista.

No contexto de extrema conturbação na Alemanha, entre 1918 e 1919, pós derrota do país na Primeira Guerra Mundial, o governo estadual provisório aceitou a proposta de Gropius para a reformulação do ensino artístico público. (CARDOSO, 2008). A Bauhaus formou-se, portanto, no centro dos acontecimentos políticos, a partir da unificação de duas escolas de Weimar, a Academia de Belas- Artes e a Escola de Artes e Ofícios, sendo dirigida pelo jovem arquiteto Gropius, ligado à ala modernista da arquitetura alemã.

Seus pressupostos eram voltados para pensar o Design como construção, sendo considerada esta a contribuição pedagógica mais importante da Bauhaus. Origina-se desta fase, também, a ideia de que o Design deve ser pensado como uma atividade unificada e global, multifacetado e relacionado a vários aspectos da atividade humana. “Essa feição totalizante derivava, em última instância, da velha filosofia Arts and Crafts da arte como forma de viver e da vida como ofício artesanal, a qual devia muito, por sua vez, à ideia romântica da obra de arte total (CARDOSO, 2008, p.133).

O utopismo inicial da escola foi se perdendo no tempo e, portanto, em 1922 as críticas à Bauhaus foram intensificadas. Era preciso uma reformulação curricular urgente, a fim de se evitar a perda do apoio governamental. Esta modificação envolveu também o corpo docente, nesta nova fase em que se buscava, com Gropius, arte e técnica. Contudo, a escola já estava fadada ao fracasso, por pressão dos partidos conservadores.

Em dezembro de 1924, os professores anunciaram recisão do contrado com o Estado, a partir de março de 1925. Contudo, a experiência de ensino da escola havia repercutido tanto, que ao invés deste fato representar o fim da Bauhaus, ela despertou governos de outras cidades e aceitou aquela que lhe pareceu a melhor oferta, Dessau, cidade governada por sociais-democratas, de modo que a escola passou a ser uma instituição municipal.

Para Niemeyer (2007), esta ida a Dessau coadunava com os interesses de Gropius de implementar suas ideias referentes à mecanização e racionalização da construção civil, pois a cidade encontrava-se em déficit de habitação, necessitando de um importante planejamento urbano. Contudo, apesar do novo edifício da escola ter se tornado símbolo da moderna arquitetura alemã, as incessantes críticas ao trabalho do arquiteto o levaram a pedir demissão em 1928, já que era justamente Gropius o alvo central dos ataques. Em seu lugar, assumiu Hannes Meyer, demarcando o que a história vai chamar de terceira e última fase da Bauhaus.

A orientação que Meyer deu à escola esteve direcionada para os aspectos técnicos da produção industrial e para sua organização, interessando pouco as questões artísticas. Em virtude deste foco, que contrariou alguns membros, como Klee, Kandisky, Albers e Oskar Schlemmer, o então diretor foi substituído, em 1930, por Van Der Rohe (NIEMEYER, 2007).

Como lembra Cardoso (2008), a pedagogia implementada na Bauhaus esteve sempre envolvida em diversos conflitos, e, como consequência, em 1932 “o Partido Nacional-Socialista de Dessau, após assumir o governo, determinou o fechamento da escola” (NIEMEYER, 2007, p. 44).

Apesar da tentativa de Fritz Hesse em levar a Bauhaus para funcionar como escola privada em Berlim, ela foi definitivamente extinta em 1933, muito embora permaneça viva, até hoje, como referencial para a Alemanha, pois evocava os valores tradicionais da noção de qualidade, superioridade e idealização da

tecnologia, e do mundo, pois inspirou a criação de várias outras escolas no mundo, inclusive a de Ulm, que representa a origem do ensino em Design no Brasil.

O legado da Bauhaus para o campo do Design é um tema bastante complexo. Seria injusto pensar as atividades da escola e dos seus integrantes fora do contexto tumultuado da Alemanha entre as guerras, um período marcado pela exacerbação contínua de conflitos de importância visceral para a evolução material e espiritual do século 20. [...] (CARDOSO, 2008: págs.134)

Neste contexto, percebemos que há um grande hiato entre o significado que os seus participantes atribuíram ao movimento e o que, de fato, aconteceu. Alguns membros da escola acreditavam na possibilidade de fazer uso da arquitetura e do Design para a construção de uma sociedade melhor, mais livre e mais justa, evitando-se os conflitos de nacionalidade e raça que dominavam o cenário político. Contudo, na prática, estes ideais foram apenas superficialmente alcançados.