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Grande parte dos organizadores entrevistados iniciou o ofício a partir do piquenique, que representa uma prática de lazer bastante presente no cotidiano dos bairros populares recifenses. Foi o que aconteceu com Irma:

Nesse passeio, a gente foi para a Cachoeira do Urubu passar um dia. Então a gente reuniu um grupo de amigos e convidou. Levou cinquenta pessoas. O segundo passeio a gente já fez para Paulo Afonso. Já começou o turismo daí. Então a gente viaja de mês em mês para lugares diferentes (Irma, novembro/2008).

Nos relatos foi possível observar uma constante preocupação dos fretantes em tentar distanciar-se da estética da abundância, bagunça e barulho que remete ao sentido de piquenique concebido pelo senso comum:

Eu chamo sempre de turismo, porque de qualquer maneira quando você se desloca um dia, que você sai daqui do Recife para o Agreste, é um dia. Por que eu chamo de turismo? Porque a questão é que a gente está fazendo turismo e alguém pode chamar de passeio, mas eu chamo de turismo, de um turismo de lazer. Mas eu sempre chamo de turismo porque eu quero primar à questão de comportamento das pessoas. E quando as pessoas se sentem que estão fazendo turismo eles podem ter assim..., psicologicamente um comportamento diferente do que seu eu dissesse um piquenique. Então um piquenique as pessoas parecem sentir mais, assim como se diz..., acelerar o comportamento que não é próprio deles. É piquenique, então posso beber, bagunçar e, eu tenho a maior preocupação de não deixar bagunçar. Porque sempre naquele passeio de turismo vão pessoas e crianças, senhoras, senhores, casais e tudo. Então, por isso quando eu coloco turismo é justamente para dar aquela condição psicológica às pessoas que turista não é pra bagunçar. E como já existe a ideia de que piquenique é bagunça, eu também não faço piquenique, só faço turismo (Seu José Carlos, março/2008).

Nos piqueniques, Dona Celeste proíbe batucada e bebedeira. Os participantes já sabem que se quiser tomar uma latinha de cerveja tem que pedir permissão para a fretante. Ela também costuma se preocupar com as roupas dos integrantes ao entrar no ônibus durante o retorno do passeio. “O pessoal quando vem da praia bota a bermuda, um short e entra no ônibus com aquela roupa. Porque de tanga eu não quero não. Vai muita gente casada, vai muita gente ali com seu marido. Tem muita gente com noivo.” Laerte Batista também institui regras para tais passeios, e conta: “Eu não gosto da batucada. [...] Minha ordem é minha ordem. A hora de terminar, a hora de chegar, a hora de sair. Eu não gosto que ninguém passe da conta”.

O piquenique representa a prática de deslocamento que exige menos experiência de quem organiza, quando comparado às demais formas de viagem, pois para esse

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trajeto é preciso apenas o cuidado com o transporte, com a organização dos participantes e a escolha do lugar, já que os alimentos são levados por todo o grupo.

Na excursão turística para Natal, Dona Ednéia explicou-me que quando era jovem só tinha condições de fazer piquenique porque os recursos financeiros eram reduzidos para o turismo. Essa realidade só modificou-se quando passou a ter um emprego fixo, que garantiu sua segurança financeira.

Antes eu não podia fazer excursão, porque excursão é caro. Pobre não pode fazer excursão. Excursão é caro, porque não se paga só a passagem. A gente paga tudo por fora. E piquenique você leva sua alimentação de casa. Paga o piquenique e vai com sua alimentaçãozinha. Vai de manhã e volta à tarde. É coisa de pobre (Dona Ednéia, dezembro/2008).

A viagem turística representa a modalidade mais elaborada entre as empreendidas, pois envolve maior tempo de deslocamento e outros tipos de preocupação, tais como reserva de hotel, transportes, guiamento, escolha de restaurantes, espaços de visitação e diversões noturnas. Além disso, os piqueniques são deslocamentos bem mais econômicos que as excursões, já que os gastos são apenas com as passagens e os alimentos.

5.1.3 As romarias

As viagens de devoção, identificadas pelos participantes como romarias ou peregrinações16

, ocorrem durante todo o ano percorrendo templos, santuários, procissões e festas religiosas. Estes trajetos acontecem no estado, na região Nordeste e em outras regiões do país, seguindo um calendário religioso municipal, estadual e nacional. Como salienta Dona Celeste, “a gente sai num domingo de manhã, cinco horas da manhã, passa um dia visitando assim as igrejas, visita aqueles santos, passa o dia por lá. Come por lá mesmo. Quando dá quatro horas a gente volta pra casa da gente”.

Durante o percurso, os participantes costumam fazer preces, orações, bem como cantar e/ou ouvir músicas religiosas. “Movidos por rever parentes, contar e ouvir as 

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“Peregrinação e romaria são categorias êmicas, usadas por peregrinos, romeiros e mediadores religiosos que se posicionam no campo religioso” (STEIL, 2003, p.35).

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novidades, levar presentes, participar das quermesses, fazer novenas e tríduos, integrar as procissões e cantorias, comer comida da terra, lá vão eles ao encontro de suas raízes, reafirmando pertenças, reforçando laços”(VILHENA, 2003, p. 20).

As visitas de devoção também são influenciadas pela necessidade dos integrantes em conhecer ou revisitar centros de peregrinações nos centros urbanos ou cidades interioranas. Neste caso, as viagens podem ocorrer em qualquer final de semana conforme a vontade do grupo e do fretante.

Algumas peregrinações características da religiosidade popular brasileira acontecem em datas fixas, coincidentes com alguma festa religiosa, como o dia do santo de devoção. Data conhecida e esperada que ao aproximar-se vai se constituindo em mote para conversas, acendendo expectativas, aglutinando pessoas. Outras podem acontecer de maneira espontânea, quando alguém ou um grupo da comunidade sente que é hora de fazer uma visita ao lugar sagrado. É um pedido especial a ser feito diretamente ao santo, uma graça alcançada cujo agradecimento não pode esperar, uma saudade sem explicação, uma promessa a ser paga que exige presença inadiável e extemporânea do suplicante acompanhado de amigos e familiares (VILHENA, 2003, p. 19).

Durante a pesquisa de campo pude acompanhar um grupo de igreja ao Santuário de Nossa Senhora das Graças, no município de Bom Jardim-PE, com a finalidade de participar da missa que acontecia na gruta de Lourdes. A responsável pela viagem, Dona Lena, começou a levar grupos depois de alcançar uma graça. Desde então, se comprometeu a organizar todos os anos visitas a centros de peregrinação para o

Foto 30: Anúncio de romaria I