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Placides Pereira Lima

No documento Agricultores que cultivam árvores no Cerrado. (páginas 115-118)

Placides vive em seu sítio com a esposa dona Raimunda. “Eu tinha uma terra em São Félix [do Araguaia], mas lá era uma terra improdutiva, beira de rio, muito fraca e o que capivara não comia a água levava. A gente resol- veu vir dar uma visita aqui, gostou da região, vendemos lá e arrumamos a terra aqui”.

Placides e toda sua família precisaram se mudar para a cidade, após pou- co tempo na terra. Um dos filhos ficou muito doente e o tratamento ne- cessitava de acompanhamento contínuo. Quando retornou ao lote mudou a forma de produzir. “Quando eu fiquei fora, olhei a vida assim. Aí olhei aqui, era só capim, não tinha plantado nem uma mandioca. Resolvi botar o enxadão na braquiára e plantei mandioca. Aí o pessoal falava: ‘Esse cara é louco, o pasto que ele tem, vai arrancar pra plantar mandioca’. Eu pensei: ‘eu vou mostrar aqui que pra viver com terra pequena tem que ter de tudo”.

“Eu, sinceramente, sou feliz assim porque eu vivo onde eu gosto. Eu vou morrer um dia de velhice, podendo ver as galinhas no terreiro, os pássaros por aí, vem o jacu, vem umas coisas, eu ouço o passarinho cantar”.

João Bode

João Botelho Moura é conhecido na comunidade como João Bode, isso porque passou parte de sua vida no garimpo. “Nos garimpos, lá perto de Guiratinga, no Garimpo do Bode, Mato Grosso, na BR 70. Era garimpo de diamante. Eu tinha uns 15-16 anos”. Seu João é casado com dona Natalice e juntos tocam as atividades no sítio. Dona Natalice junto com Dona Rai- munda foi uma das precursoras do Grupo de Mulheres Sindicalizadas de Canabrava do Norte, que criou a Feira Municipal onde passaram a escoar boa parte da produção do Casadão. Apesar do grupo ser de mulheres, tanto João Bode como Placides sempre apoiaram suas ações.

PORQUE EU PLANTO ÁRVORES

As primeiras a se animarem com o sistema Casadão foram Natalice e Raimunda, as esposas de João e Placides. “As primeiras a ir para o campo fo- mos nós duas. Achamos bom demais! Aí quando chegamos aqui contamos para eles e falamos ‘vamos que isso tem futuro’, e começamos o Casadão”. Casadão é o apelido do sistema agroflorestal na região do Araguaia mato- -grossense. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi um forte influenciador do plantio de árvores na propriedade de Acrísio, assim como a Associação Terra Viva (ATV). Acrísio complementa: “O Abilio Vinicius, então técnico da CPT, foi um dos primeiros que chegou aqui incentivando a gente. Na época a gente achava que era loucura dele. Naquela época o INCRA incenti- vava a gente a desmatar, porque se não fizesse, eles falavam que a gente era preguiçoso, que não merecia o lote. A gente tinha que desmatar”.

Como Placides conta, no início não houve muita opção: “a gente não ti- nha aqueles incentivos para cultivar, isso foi uma falha do INCRA, porque quando vinha regularizar as áreas, já incentivavam a derrubar e plantar pasto. O primeiro incentivo aqui foi para criar gado. Tinha que fazer pasto e, com isso, saía o projeto do Procera (Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária), que era para incentivar a comprar vaca leiteira. No fim, o gado não foi nada de gado leiteiro”.

Antes de implantar o Casadão, com o apoio das entidades de base locais, os agricultores realizavam plantios de árvores nos quintais de seus sítios. “Isso aqui foi tudo coisa feita no punho e sem recurso” relata Placides. Já

João Bode conclui: “A gente já plantava árvore próximo de casa, porque ficar no sol é ruim, né”.

No sítio de Acrísio tem muita novidade. “No meu sítio você vai ver muito plantio da fruta, tem muitas plantas que eu trouxe de fora, não são frutífe- ras, mas eu acho que é uma novidade que eu vou ter aqui. É porque eu sou muito vaidoso. Se eu saio e vejo uma planta bonita eu penso: ‘eu vou levar e vou plantar’ Se não adaptar, pelo menos eu plantei”. As árvores mais plan- tadas pelos agricultores são as que produzem frutas ou são medicinais. “Eu sou muito envolvido em fruticultura. Eu quero é plantar uma coisa que ela pode me dar sombra nos próximos anos e também uma renda, uma renda alimentar, que eu possa extrair a fruta e fazer o suco, vender a semente. Ter um reflorestamento que vai me dar renda. Vou diminuir a pastagem, eu vou conseguir meu trabalho com fruta. Porque hoje eu já estou conseguindo entregar polpa de fruta para a merenda escolar. Tenho acerola, goiaba, caju, o açaí produzindo e pupunha. Outra coisa que eu já estou aproveitando são sementes para a Rede de Sementes [do Xingu]”.

Acrísio também mantém árvores no pasto. “A pastagem com árvores conserva mais verde do que a que não tem árvores. Até o gado em lugar que tem sombra pasta mais durante o tempo de sol. Em lugar que não há sombra, na hora que o sol fica forte todos correm para a sombra e vão espe- rar o sol baixar. A diferença é muito grande”. Acrísio conta também que os animais ruminam na sombra, propiciando um ganho maior de peso que os animais expostos ao sol.

A manutenção dos recursos naturais é uma preocupação destas famílias. “Aqui o melhor benefício do plantio é a água. Porque se não tiver água não tem isso aqui. Não tem árvore viva, não tem água para os animais”, afirma Placides.

“Essas coisas [reconhecimento do trabalho a partir deste livro] são uma motivação porque vai para o mundo inteiro: ‘Ó! Lá no lugar tem o fulano que está produzindo isso e está acontecendo isso’. Porque alguém tem que puxar o carro. Se ninguém puxar o carro, ele não anda pra lugar nenhum. Então se um puxa o carro os outros começam a andar”, diz Placides.

TÉCNICA

Antes de iniciarem o sistema Casadão, os sítios eram ocupados por pasto, inclusive nas margens dos córregos. Os primeiros passos dos agricultores

foram estabelecer um quintal com plantios de árvores frutíferas, espécies florestais e de culturas anuais e, cercar a área de preservação permanente para impedir o pisoteio de gado e de cavalos. Depois, iniciaram o estabe- lecimento de agroflorestas na parte mais alta dos lotes, começando com o plantio de roça (com milho, feijão, mandioca, entre outras) juntamente com as mudas e as sementes de árvores frutíferas.

Dona Natalice e dona Raimunda coletam sementes para vender para re- florestamentos fora do assentamento onde vivem, mas reservam sementes para o Casadão (Figura 2). “As sementes coletadas a gente manda pra recu- perar as áreas onde não tem mata, para a Rede de Sementes, mas também guarda 30% para esse trabalho dos companheiros que são semeadores, a gente troca entre a gente”.

No documento Agricultores que cultivam árvores no Cerrado. (páginas 115-118)