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Historicamente, o setor de planejamento da empresa foi criado na década de 80, a partir do 1º Plano Diretor de Limpeza de Belo Horizonte. Estabeleceu-se que este setor teria a missão de planejar os serviços de limpeza urbana. As principais razões para a implantação deste setor foram o estado de precariedade em que se encontravam os serviços oferecidos pela empresa, bem como a necessidade de maiores eficácia e operacionalidade. As equipes de coleta não possuíam roteiros fixos, os munícipes não sabiam quando a coleta seria feita na porta de suas casas e os garis, que chegavam a correr trechos de 42 quilômetros por dia, costumavam dormir no próprio caminhão. Precisavam correr bastante e rápido, já que os trechos eram grandes e os motoristas precisavam manter um ritmo intenso.

Apesar de o planejamento ser feito sem a participação do gari, a implantação deste setor melhorou significativamente suas condições de trabalho. O planejamento impediu que se fizesse mais de 3 viagens diárias, e diminuiu consideravelmente a quilometragem dos roteiros de coleta, que antes eram feitos pelo próprio motorista. Criou-se também a "redução" planejada, a partir da "redução" que já era feita pelos garis, inclusive reconhecida pela empresa, que deu este nome a esta estratégia, por verificar que ela diminuía a quilometragem do itinerário do caminhão. Falaremos sobre a estratégia de "redução" mais a frente deste trabalho.

Atualmente os roteiros feitos pelos garis efetivados não excedem 14 quilômetros. Já os realizados pelas empresas terceirizadas atingem uma média de 18 quilômetros por dia. A diretora de planejamento relata que os garis efetivados são mais velhos que os garis das terceirizadas. Procuram então poupar os garis efetivados, o que demonstra um detrimento das condições de trabalho para os garis terceirizados. Além disso, ficou estabelecido que a coleta não pode ser feita com guarnições incompletas (menos que 4 garis), de forma que atualmente

os garis dos roteiros que foram terceirizados são atualmente os garis reserva dos trechos efetivados.

O planejamento da coleta de todos os trechos e roteiros a serem percorridos é feita pela Diretoria de Planejamento, que é subdividida em 3 departamentos:

- Departamento de projetos; - Departamento de planejamento; - Departamento de programas especiais.

Todos os motoristas precisam preencher um “diário de coleta” que indica dados como: data, quilometragem diária, massa coletada, número de viagens, dentre outros, que são estudados e registrados mensalmente pela seção de estatística, que faz parte do departamento de projetos. Baseando-se nestes dados e nos mapas de cada trecho é que são definidos os roteiros.

O motorista daquele trecho é convidado a acompanhar um cadastrador (seção de cadastro) e um funcionário que participou do planejamento, para realizarem as mudanças necessárias. A mudança dos roteiros depende da mudança do trânsito ou da sugestão do motorista. Assim um cadastrador acompanha a coleta durante uma ou duas semanas e, junto com o motorista, realiza as mudanças sugeridas e necessárias. Entretanto um fato interessante acontece: quando o cadastrador acompanha a coleta, os garis não realizam várias estratégias que são proibidas pela empresa, mas que diminuem a carga de trabalho para o motorista e para os garis, aumentam a segurança, diminuem a quilometragem rodada e o tempo de coleta.

Além de planejar os trechos e roteiros, o departamento de planejamento tem a função de fiscalizar se a guarnição está cumprindo os roteiros prescritos. Desta forma, os roteiros se baseiam nos antigos e raramente mudam, exceto quando há mudança no trânsito das ruas e avenidas ou quando diminuem o tamanho de um trecho.

Ao comentarem como o trabalho é planejado, os garis relatam que não participam do planejamento:

“- Planejar detrás de uma mesa é muito fácil. O cara senta, pega o mapa e vai planejando.

- Agora, quem coloca em prática somos nós, que estamos atrás do caminhão. Num escutam nós também, né! Se chamassem pra uma reunião fazer o trecho... Quem tem que fazer este planejamento somos nós que estamos na atividade.

- Por que não estão? (Entrevistador)

- Porque nós num temos oportunidade! Eles num dão.

- Eles chamam o motorista, né! (Entrevistador)

- Só depois que tá pronto. Tá pronto o mapa eles mostram.

Mas isso faz mais é pra prejudicar a gente. A gente trabalha muito tempo naquele lugar ali, ce entendeu? Já tem aquelas coisas, faz isso é pra tirar docê mesmo. Parece que é pra sacanear, sabe?

- E quando o planejamento vem com o mapa do roteiro todo que vocês têm que seguir, vocês podem mudar este roteiro? (Entrevistador)

- Pode assim, quando tiver um cadastrador aí pode mudar, ele vai anotar e passar pra eles.

- Mas no dia a dia naturalmente vocês mudam? (Entrevistador)

- Não. Igual eu tô te falando: no dia a dia num pode mudar não. Tem que fazer aquele roteiro certo. Quando tem um cadastrador, ele vai levar pra eles, pra ver se tá certo ou se não.

Mas na prática acaba tendo que mudar. Principalmente quando tem um imprevisto, como hoje por exemplo (quebrou o caminhão), vai entrar 2 caminhão. Agora na parte da tarde para acabar o trecho. Um vai pegar até a primeira viagem e depois o outro, quer dizer, vai mudar, né!”

- Pela conversa que tive com o planejamento eu senti que vocês têm um certo poder de negociação. O trabalho que é prescrito é diferente do trabalho que é feito, né! (Entrevistador)

- Esse diálogo que você tá falando aí acontece depois que nós tivemos uma grande superintendente que ajudou nós muito. O pouquinho que nós somos visto pela comunidade e até mesmo aqui na empresa ... foi ela que ajudou nós muito. Dra E K.

- E hoje quem é o superintendente? (Entrevistador)

- Ah! Rapaz, nós nem conhece direito. Num chegou a apresentar pra nós nem chegou aqui no pátio e falou “eu sou a superintendente!”. Antigamente, até a última vez, essa mulher que nós tamo falando tanto nela, chegou no pátio e falou “eu sou a superintendente!”. Apresentou pra nós, todas as divisões. Agora não, eu... se falar que eu conheço a nova, eu não conheço ela.

Antigamente todo que era nomeado encarregado, ou diretor ou qualquer coisa que é hierarquia, todos eram apresentados. Hoje não tem isso mais não. Procê vê o quanto nós perdemos a dignidade. Antes era apresentado, chegava, falava... dava até pra trocar idéia. Hoje, cê viu!”

Mas a realidade é que a ex-gerente relata ter convidado os garis para participarem do planejamento, sem saber do relato acima, que foi no mesmo dia, porém mais tarde que o relato dela:

“...na reunião, quando eu fiz com cada pessoal o porque, que a gente tinha solicitado esse trabalho já há um tempo, que agora o planejamento poderia estar nos atendendo, então eu fui colocá-los a par... pra eles estarem até contextualizados aí, eles mesmos, né, a questão do dia a dia do trabalho deles. E foi até muito bem aceito, porque a questão da densidade demográfica, o trabalho cresceu demais, tem muita gente mudando pra essa área e exatamente a área que tá em obra, tá melhorando o projeto, né, pra eles terem um reflexo no dia a dia deles positivo e coloquei / deixei em aberto, sabe? Essa questão no momento da aprovação do roteiro, se eles gostariam de tá participando. Mas é engraçado! Eles elegem o motorista. Bateu com o que é proposto aqui pelo planejamento.

Sabe? Eu reuni assim, separadamente com cada uma das equipes e todas tiveram o mesmo pensamento. “ah! Num precisa da gente não! O motorista mesmo, é ele que tá dirigindo, então ele mesmo, o que ele decidir lá e eles informam os garis.” Porque eu reuni a equipe toda, né! Os cinco.”

Naquela semana o trabalho por tarefa havia sido mudado para jornada, então os garis estavam revoltados com a empresa. Por este motivo eles falaram que nunca foram convidados a participar do planejamento, que a empresa não está respeitando o gari e que agora eles não têm mais a quem recorrer.

A ex-gerente desta regional, bem como a diretora do planejamento reconhecem que o trabalho prescrito é diferente do real, mesmo porque a gerente já trabalhou no planejamento antes:

“A minha opinião, até então, é que o nível de detalhamento do projeto de coleta é imenso, porque a gente lida com muitas variáveis. E quando a gente trabalha um projeto e depois cê vai e trabalha operacionalizando este projeto fica mais evidente ainda, eh, a questão que o projeto é uma estimativa, né, seja em que área for, importantíssimo, porque é um direcionamento...”

Apesar de ter sido falado em entrevista com o diretor de coleta que mais nenhum trecho iria ser terceirizado, em setembro de 2006 metade dos trechos da foram novamente terceirizados, e os garis foram remanejados como reservas de outras regionais. A queixa dos garis de que as mudanças são colocadas de forma abrupta e autoritária é real, e demonstra o desconhecimento da amplitude da complexidade do trabalho de coleta. Conforme relatou um gari, as mudanças causam insegurança e eles precisam se adaptar continuamente, sentindo-se insatisfeitos e desanimados com o trabalho:

“- Esses dias está tumultuado. A gente fica todo enrolado. Vamos ver se a gente acostuma, né!

- Nós tamos assim: não temos salário, não temos respeito e nem dignidade. A chefia em si impõe isso pra nós.”

Os garis demonstram como é penoso não saber das mudanças que os afetam diretamente no trabalho:

“- Eu tava comentando até com ele aqui ó: fisicamente eu tenho vontade de trabalhar mais uns cinco, seis anos. Mas psicologicamente, cada dia que vai passando, a gente vai chegando e tem uma conversa, uma conversinha...”

“- O problema tá é aqui, num tá na rua, né!”

“- Não tá, num tá. Cê tá trabalhando bem, o pessoal gosta da gente, a gente gosta de trabalhá... eu pelo menos gosto muito de trabalhá... mas só que, cada dia vai ficando mais difícil de trabaiá. A gente fica preocupado, preocupação, será o que vai acontecer com nós aqui, será que amanhã eu vou tar trabalhando, será que eu vou trabalhar amanhã, será que... um fala que nós vai pra prefeitura, outro fala que nós vai pra outro lado... aí a gente fica todo, a gente fica pensando... todo... o que será de nós uma hora?

“- Minha esposa eu chego em casa ela pergunta: como é que foi seu dia? Ih! Todo dia é uma coisinha a mais. A rua é o que compensa...”

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