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3 EM CAMPO

3.4 O processo de intervenção e transformação

3.4.2 O processo de intervenção e transformação na turma em foco

3.4.2.2 Planejamento pedagógico

Após o período de aproximadamente um mês destinado ao ‘Perfil da Turma’, destinamos uma aula para planejar e definir junto com os alunos os conteúdos que seriam desenvolvidos nas aulas dos próximos meses. A base para elaborar esse planejamento coletivo foi constituída por um material produzido pelos alunos durante todo o período diagnóstico. Com essa estratégia, preservamos os interesses dos alunos, colocando-os em cena. O referido material foi produzido a partir de duas atividades, descritas a seguir:

x Atividade dos sonhos: desenho de uma atividade corporal (uma brincadeira, um esporte, uma dança, uma luta, uma ginástica, etc.) que eles nunca haviam experimentado antes e que tinham muita vontade de vivenciar.

x Atividade das expectativas: produção de um texto escrito constituído por poucas palavras sobre o que esperavam para as aulas de Educação Física da escola no próximo semestre. Considerando a limitação dos alunos para a escrita, visto que estavam em processo alfabetização, em muitos casos foi preciso que outros alunos ou a professora auxiliassem neste processo, ditando as letras da palavra que queriam escrever, ou até mesmo escrevendo por eles.

A compreensão do contexto a partir dos pontos de vista físico, material e humano; o conhecimento acerca do projeto pedagógico da escola; as informações fornecidas pelos alunos acerca de sua Cultura Corporal de Movimento e de suas expectativas acerca das aulas de Educação Física nos possibilitariam criar um planejamento participativo, coletivo e capaz de ‘sair do papel’. Tal planejamento provavelmente esbarraria em menos obstáculos, apesar de considerarmos o fato de que ele próprio estaria sujeito a falhas, à falibilidade. Além disso, construir um planejamento em conjunto com o grupo de alunos possibilita que o diálogo se torne presente e garanta um processo educativo com envolvimento e participação. Esta é nossa hipótese.

A seguir, apresentamos alguns dos materiais produzidos pela turma:

Figura 21 – Expectativas dos alunos para as aulas de Educação Física

Os dados obtidos a partir das atividades propostas (sonhos e expectativas) apresentam- se coligidos nas tabelas abaixo. Os desenhos feitos pelos alunos para exprimir seus sonhos motores foram categorizados e quantificados na Tabela 4, facilitando assim a identificação das atividades que mais interessavam aos alunos. A Tabela 5, por sua vez, categoriza as expectativas declaradas por escrito pelos alunos.

Tabela 4 - Conteúdos do ‘Desenho dos Sonhos’

ATIVIDADE Menino Menina Total

Luta 7 - 7 Ballet - 9 9 Hip hop 1 - 1 Natação - 2 2 Surfe - 1 1 Escalada - 3 3 Subir em árvore 2 - 2

Fonte: Registros produzidos durante levantamento sígnico.

Tabela 5 - Expectativas declaradas

Fonte: Registros produzidos durante levantamento sígnico.

Após análise dos dados acima apresentados, o surgimento de insights que levam à formulação de hipóteses para a ação pedagógica passou a ser um processo mais fluente pelo qual conseguíamos visualizar possibilidades de intervenção. Para contemplar o maior número possível de conteúdos sugeridos pelos alunos, realizamos uma análise para agrupar atividades que poderiam culminar em um projeto único. Por exemplo, os conteúdos de natação e surfe poderiam ser reunidos no projeto “movimentos na água”, o conteúdo de pega-pega, esconde- esconde e queimada no projeto “jogos de rua”, e assim por diante.

Mas seria ainda necessário confrontar as possibilidades geradas (hipóteses) pelos interesses dos alunos com todos os contextos existentes (espaço físico, projeto pedagógico da escola, materiais, pessoas e o conjunto das perspectivas teóricas que nos norteava

ATIVIDADE Total Pega pega 10 Futebol 9 Queimada 7 Corda 7 Corrida 5 Basquete 3 Esconde esconde 3 Vôlei 2

Outras: amarelinha, cirandinha, peteca, boxe,

filosoficamente, isto é, nossas crenças). Traçamos então algumas hipóteses: esportes coletivos de quadra, como vôlei, basquete e futebol (esbarra no tradicionalismo presente na Educação Física e são as atividades mais comuns nas mídias e nas escolas, de maneira que os alunos com certeza teriam outras oportunidades de realizá-las); lutas (restringiria o atendimento aos interesses dos meninos); tipos de pega-pega (atividades que podem ser realizadas no início das aulas como aquecimento, sendo dispensável um projeto único sobre pega-pega).

No decorrer do processo outras hipóteses foram formuladas e confrontadas com as informações que dispúnhamos. Em cada proposta tentávamos congregar mais atividades sugeridas pelos alunos para que propiciássemos mais experiência do “se-movimentar” a eles. Como resultado de nossas reflexões, apresentamos a seguir os projetos possíveis de serem realizados com o 2º ano C na escola, alguns conteúdos que poderiam ser incluídos na proposta e a compatibilidade com outros contextos:

Projeto 1: ‘Luta e Dança é pra todo mundo!’ Atividades de luta: boxe, sumô, karatê

Atividades de dança: ritmo, balé, dança contemporânea, hip hop Questões de Gênero: filme "Billy Elliot"

Projeto 2: ‘Jogo e esporte: igual ou diferente?’

Atividades de jogo: pega-pega; queimada; esconde-esconde Atividades de esporte: futebol; basquete; vôlei

Construção coletiva dos conceitos "jogo" e "esporte" Projeto 3: ‘Se movimentando em outros espaços’

Água: natação e surfe

Terra: escalada e subir na árvore

É importante ressaltar que tais projetos se configuravam como planejamentos hipotéticos, que primeiramente foram testados em um processo imaginativo verificando sua aplicabilidade. Este exercício nos fazia confrontar os projetos com os contextos da realidade que já eram de nosso conhecimento em decorrência do período exploratório, e assim especular sobre adaptações que favoreceriam a continuidade do projeto. Nas atividades aquáticas, por exemplo, a proposta seria adaptar o ambiente aquático criando uma situação que simulasse um dia na praia (pedir aos alunos para irem trajados com roupas de banho, tomar banho de mangueira, etc.); ou talvez realizar uma excursão para a praia ou para a piscina ao lado da escola (piscina comunitária). Contudo, mesmo que os projetos estivessem, a princípio, em consonância com os interesses dos alunos, ainda seria preciso confirmar com os alunos se os projetos construídos eram, de fato, adequados para as aulas e para o grupo.

dos sonhos e as expectativas escritas) e os reunidos em forma de tabela, foram apresentados aos alunos ao final do mês de julho de 2010, no período de planejamento de aulas da escola. Desse modo, os dados que nos levaram a produzir o projeto seriam de conhecimento de todos, e demonstrava-se assim que não se tratava de um processo conduzido unilateralmente e/ou de modo arbitrário pelo professor. Naquele momento, portanto, caberia aos alunos verificar se os projetos poderiam ser alterados ou desenvolvidos em outro momento. Como sabemos, todo o processo de escolha em grupo envolve uma série definições da forma como se dará o processo: sorteio, votação, consenso?

Considerando a perspectiva peirciana que embasa esta pesquisa e norteia os caminhos da professora, a ideia de consenso seria o formato mais adequado na preservação da opinião mais coerente com a ‘Verdade’; já que se fundamenta nos argumentos de cada um dos integrantes do grupo e, portanto, torna-se a forma mais justa. Mas apesar de esta ter sido nossa primeira opção, por falta de domínio deste processo e também por não haver tempo suficiente para as discussões que tal processo exigiria, foi preciso recorrer à votação. Tentava-se com esta estratégia minimizar os momentos de ‘tédio’ que já eram percebidos em alguns alunos que tinham apenas as aulas de Educação Física para exercerem sua motricidade e estavam ali, naquele momento, ‘parados’ na atividade de planejamento. Talvez alguma estratégia que utilizasse o movimento fosse a mais adequada, e não aquela longa discussão que em geral desanima as crianças. Para perceber como foi efetivado tal processo, é importante compreender o contexto e o formato que realizamos essa atividade de planejamento. Para tal, procederemos a seguir em uma breve descrição da atividade.

Sentamos em torno de uma grande mesa no refeitório da escola. A princípio os alunos estavam afoitos para realizar a atividade (sobre a qual ainda não sabiam) e um deles foi designado, a partir de seu interesse, para filmá-la.Alguns perceberam que naquele momento definiríamos nosso planejamento, outros acreditavam que iríamos para a quadra. Por fim, o fato de saberem que ficaríamos sentados durante a aula de Educação Física os desagradou, mas durante a exposição dos desenhos os alunos ficaram bastante empolgados com o desenho dos colegas e em adivinhar qual era o sonho ‘motor’ do colega. Aos poucos conseguimos realizar a atividade proposta.

Com base em todas as conversas e questionamentos reportados aos alunos, acabamos então fazendo algumas alterações em nosso planejamento inicial. Os alunos gostaram muito da ideia de realizarem atividades envolvendo danças e lutas. Por conta da existência de diversas outras lutas foi questionado a eles se não haveria outras que poderiam ser realizadas ao invés do boxe, sumô e caratê que nós havíamos proposto. Surgiram diversas outras opções

de lutas como a luta livre, taekwondo, judô e capoeira. Conversamos com eles acerca da possibilidade de incluirmos a capoeira, visto esta ser uma luta de nosso país; e boxe, por ter sido a atividade mais votada. Definimos realizar todas as danças propostas, eliminar o basquete por haver pouco tempo para realizar três modalidades esportivas, e acrescentar o xadrez. A realização de votação acabou sendo necessária, pois a decisão por consenso estava tomando um tempo muito grande e poderia fazer com que não finalizássemos a atividade de planejamento, o que acarretaria continuar com esta atividade na próxima aula e isso não seria bem aceito pelos alunos. Confira uma imagem desse momento:

Figura 23 – Planejamento coletivo com alunos