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3 EM CAMPO

3.3 A escola em contexto: espaços, sujeitos e possibilidades

3.3.4 Sujeitos e suas singularidades

Conhecer pessoas requer certo tempo para que elas se mostrem. Requer atenção para perceber as minúcias de suas atitudes. Requer paciência para que possamos estabelecer a conjunção dos signos que captamos e constituir uma interpretação consistente, mesmo que falível. Requer também um confronto com o real, isto é, verificar se nossas hipóteses sobre as características de um certo sujeito são verdadeiras. Afinal, pessoas são instáveis e nem sempre suas ações condizem com as interpretações inicias que temos delas.

No caso de uma pesquisa de campo no domínio escolar, temos que nos dedicar a compreender o contexto das variedades de sujeitos que ali estão envolvidos: alunos, professores, diretores, coordenadores, família, funcionários. É preciso considerar muitos elementos em um tempo relativamente longo para uma análise dos complexos signos que permeiam a visão de mundo dos indivíduos, com o intuito de alimentar o diálogo com as práticas educativas. Porém, todo cuidado é pouco nas interpretações, pois estas podem ‘sofrer’ influências de nossa subjetividade e afinidades pessoais. Tendo essas considerações como ‘pano de fundo’, segue a análise que fizemos em relação aos grupos de professores e gestores envolvidos na nossa pesquisa, sendo a análise acerca dos e alunos apresentada mais adiante.

presença na escola, e a todo momento nos surgiam hipóteses que nos direcionavam para a compreensão de quem eram aqueles sujeitos, sobretudo os que estavam diretamente vinculados ao Projeto Piloto de Educação Física para os Anos Iniciais.Aos poucos, foi possível perceber alguns signos que nos ajudariam a conceber uma imagem de todo o grupo e compreender em que sentido poderíamos articular parcerias para nosso trabalho. Entretanto, não realizamos nenhum tipo de ‘coleta de dados’ sistemática que pudesse consolidar um ‘olhar’ sobre tais sujeitos.

O grupo de professores que estava envolvido diretamente com os alunos dos Anos Iniciais era basicamente composto por pedagogas de faixa etária entre trinta e sessenta anos. No próprio Projeto Educativo, constam algumas especializações que muitas destas professoras haviam cursado na área de Educação (Psicopedagogia, Arte-Educação, Alfabetização, outros). A respeito do desenvolvimento profissional vislumbrado em suas ações pedagógicas junto aos alunos e no diálogo com as outras professoras, pudemos perceber que possuíam aptidão para exercerem suas funções de professoras do Ensino Básico. Além disso, um fator de destaque era o discurso recorrente sobre a importância da função de ‘professora’ para o ‘futuro’ da sociedade. Produziam, portanto, ‘signos verbais’ que apontavam para a valorização da profissão e, independentemente de suas ‘crenças’ individuais, estavam se dedicando à profissão. Entretanto, foi também mencionado informalmente que a satisfação pessoal só existiria junto a essa profissão quando houvesse alguém que arcasse com as despesas familiares; em outras palavras, o salário não era suficiente para se viver bem.

Com o tempo, foi observado que situações de fofoca, ‘armações’, venda de cosméticos, gritos com alunos e comentários maldosos referentes a alguns alunos também existiam naquele contexto. Mas havia ainda muita coisa boa: a simpatia de todas no momento de lanche nos encontros do HTC (Horário de Trabalho Coletivo); o apoio nas horas de ‘sufoco’; a gentileza de algumas, em especial.

Com intuito de avaliar o tipo de crenças incutidas em seus discursos e ações, observávamos atentamente os discursos presentes em suas falas para compreender as perspectivas que embasavam seus pensamentos e condutas sobre educação. Isso ocorria principalmente nos intervalos entre as aulas de Educação Física ou nos momentos mais informais dos HTCs. Nesse sentido, notou-se o predomínio de uma concepção de educação tradicional e conteudista, que valoriza ao extremo a alfabetização dos alunos.

Apesar de ser raro encontrarmos professoras com algum repertório diferente e inovador, algumas arriscavam experimentar estratégias diferenciadas na conduta de suas aulas, como: a mudança da disposição das carteiras, a realização de projetos artísticos em

momentos circunstanciais ou até mesmo em um processo de longo prazo, e a utilização de dinâmicas diversificadas; tomando como exemplo para esta última o caso de uma professora que, para promover a aprendizagem da tabuada na matemática, organizou uma atividade no qual as crianças chutariam uma bola de futebol em um pênalti e o gol só seria validado caso o grupo daquele participante respondesse adequadamente a tabuada. Tudo isso, apesar de valorizado pela Orientadora Pedagógica e Educacional, era pouco ‘abraçado’ pelo grupo como um todo, principalmente pelo fato de o hábito de realizar as mesmas atividades já estar cristalizado. Poderíamos dizer que, naquele grupo, o método da tenacidade permeava suas ações pedagógicas.

Por conta de todos esses apontamentos e do período de convívio, que certamente não poderá ser contemplado nestas páginas, sabíamos que suas experiências profissionais naquela escola e o fato de conhecerem bem os alunos seriam o ponto forte de nossa relação profissional. Já suas crenças no âmbito da Educação, por não priorizarem raciocínios advindos do método científico, passariam por um crivo de avaliação mais denso. A princípio julgamos que seus repertórios didáticos e de conteúdos não seriam de grande proveito para os propósitos da nossa pesquisa justamente pelo hábito consolidado entre as professoras de agirem sempre da mesma maneira. Outro fator importante foi a diminuição da confiança após certo tempo de convívio e da observação em decorrência das já mencionadas ‘fofocas’ e intrigas. Passamos então a adotar um posicionamento mais cauteloso para evitar problemas no plano pessoal e profissional. E, por fim, concluímos que os momentos despendidos junto ao grupo docente poderiam ser agradáveis, não havendo riscos de comprometimento da pesquisa. Na relação profissional, pudemos observar que algumas professoras estavam dispostas a ajudar nos projetos relacionados à Educação Física (uma delas fazia um momento reflexivo com os alunos após a aula de Educação Física e fazia-os registrar por meio de desenhos); enquanto outras ficavam mais agradecidas pelo fato de que não mais teriam que planejar e ministrar as aulas de Educação Física da escola – o que faziam até o início do Projeto Piloto de Educação Física para os Anos Iniciais. Algumas, por vezes, contribuíam com a aula ao conter comportamentos que julgavam ser de indisciplina, outras preferiam apenas observar. Com relação aos posicionamentos sobre aspectos teóricos, algumas professoras, mesmo sem ter alguma relação mais íntima com a produção acadêmica, lançavam ideias que estavam circulando no debate acadêmico mais atual; por sinal, as mesmas professoras que experimentavam algumas estratégias diferenciadas. Tal situação nos conduziu a perceber que, de fato, a compreensão da necessidade do outro pode também partir da sensibilidade, e não apenas das teorias científicas. Enfim, no dia a dia, novas percepções surgiram, e no balanço

dos prós e contras das características do grupo de professoras da escola,entendemos que a relação entre os professores seria propícia para se trabalhar e desenvolver uma pesquisa.

No que diz respeito à gestão escolar, observe-se primeiramente o fato de que a equipe gestora era formada por quatro professoras que exerciam as seguintes funções:

x Orientadora Pedagógica: auxiliar os professores em suas atividades pedagógicas durante os encontros de HTCs e, quando necessário, verificar os conteúdos de aulas nas cadernetas, desenvolver projetos pedagógicos com o grupo docente; x Orientadora Educacional: auxiliar o desenvolvimento dos alunos com atividades

de Grêmio Estudantil, controlar as faltas dos alunos e realizar a gestão dos conflitos e de problemas educacionais a partir do encaminhamento dos alunos aos programas especiais, etc.;

x Diretora Educacional: responder pela instituição como um todo, organizando a rotina profissional dos professores, dos funcionários, administrando as verbas recebidas por programas, gerenciando as atividades de limpeza, reformas, lanche, cantina, compras, etc.;

x Assistente de Direção: cuidar do cotidiano administrativo da escola, sobretudo respondendo burocraticamente à Secretaria Municipal de Educação sobre as cadernetas dos professores e suas faltas, etc.;

Todas eram muito dispostas a auxiliar no trabalho do professor, sobretudo a Orientadora Pedagógica, responsável especificamente por essa função. Todas as integrantes da equipe gestora tinham como foco a priorização da relação entre professor e aluno. A confiança estabelecida com os professores fazia com que, em situações de conflito trazidas por alunos ou pais, a gestão sempre tivesse como foco a proteção do professor nessas ameaças externas. Entretanto careciam de mecanismos que pudessem, de fato, resolver alguns problemas dos alunos e professores; como promover estudos de caso (multidisciplinares) para alunos com dificuldades de aprendizagem ou mediar certos conflitos entre alunos. Não é que não houvesse tentativas para tais atividades, no entanto a quantidade de demandas era bastante numerosa e se tornava um fator limitante para que todas elas pudessem ser atendidas. Em datas propícias dava-se presente aos professores (aniversário, dia dos professores) o que acabava valorizando e melhorando a autoestima dos professores. Tudo isso e outras ações propiciavam um clima harmonioso nas relações entre os professores e gestão.