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Capítulo 04 – Imagens e representações do patrimônio cultural na promoção turística brasileira

5.2 Plano Aquarela 2005-2020: justificativas, objetivos e discursos

Com o objetivo de orientar o processo de promoção internacional do Brasil nos principais mercados emissores de turistas mundiais e consolidar o posicionamento do Brasil no imaginário turístico internacional como um dos principais destinos do planeta, a elaboração e o desenvolvimento do Plano Aquarela aconteceram de forma gradual e subsequente, de forma a possibilitar uma análise mais precisa dos resultados e favorecer pequenos ajustes e mudanças de estratégias durante sua implantação.

Até o presente ano, observa-se o desdobramento do referido Plano em três períodos ao longo dos oito anos da gestão Lula: o Plano Aquarela 2005-2009, o Plano Aquarela 2007-2009 e o Plano Aquarela 2020.

Os três momentos do Plano Aquarela foram desenvolvidos e orientados pela Chias Marketing e a responsabilidade de operacionalização, execução e monitoramento ficaram à cargo da EMBRATUR. A metodologia adotada pela empresa de consultoria catalã nesses três períodos de desenvolvimento do Plano envolveu três etapas normalmente empregadas na elaboração de planos de marketing de lugares, a saber, diagnóstico, formulação de estratégias de marketing e plano operacional (COBRA, 2001, KOTLER, 2000, KOTLER, 2006, PETROCCHI, 2004, RUSCHMANN, 1999, TRIGUEIRO, 1999).

Analisando os relatórios divulgados pela EMBRATUR referentes ao conteúdo do Plano Aquarela, observa-se que em sua primeira fase (2005-2009) as três etapas constituintes do Plano são didaticamente detalhadas de forma a favorecer a compreensão e interpretação da nova postura da entidade em relação à promoção internacional.

Segundo a EMBRATUR (2005, p. 06-07), a fase do diagnóstico incluiu levantamentos, sistematização e análise de dados referentes ao mercado turístico internacional, assim como dos produtos e destinos turísticos brasileiros com alto grau de atratividade para o público estrangeiro. Ainda nesta etapa foram realizadas, segundo informações do Plano, pesquisas quantitativas e qualitativas com representantes do trade (brasileiros e estrangeiros), com turistas reais e potenciais bem como a população residente em diversas cidades brasileiras. Os resultados de tais pesquisas foram analisados e discutidos entre a equipe de elaboração do Plano e as diretorias da EMBRATUR possibilitando o desenvolvimento de um diagnóstico baseado na análise SWOT, ou seja, definição dos pontos fortes e fracos e das ameaças e oportunidades do Brasil em relação ao mercado turístico internacional (CHIAS, 2007, pp. 99-101).

A partir deste diagnóstico foram formuladas as estratégias de marketing, a saber: definição dos mercados prioritários, análise do posicionamento do Brasil em relação aos mercados prioritários, desenvolvimento da mensagem global do Brasil no mercado internacional,

definição dos segmentos turísticos prioritários e elaboração do portfólio de produtos turísticos brasileiros.

Os mercados prioritários para promoção internacional do Brasil foram definidos com base nas pesquisas e análises do mercado turístico realizadas na fase do diagnóstico. Tais mercados foram divididos em categorias, segundo o grau de importância e prioridade em termos de ações promocionais, identificadas pelas cores da bandeira brasileira: azul – países com máxima prioridade; verde – países com alta prioridade; amarelos – países com prioridade média e

brancos – países potenciais.

O posicionamento turístico do Brasil nos mercados foi determinado mediante uma análise conjunta com outros países da América latina, uma vez que o baixo conhecimento dos mercados prioritários em relação aos produtos brasileiros dificulta uma análise mais precisa do posicionamento do Brasil como destino único. O Plano Aquarela definiu – por meio das pesquisas realizadas na fase de diagnóstico – quatro fatores que influenciam a motivação de turistas estrangeiros em escolher destinos localizados na América latina: patrimônio natural, patrimônio cultural, exotismo do destino e estilo de vida (EMBRATUR, 2005, pp. 81-86). A partir desses quatro fatores, foi determinado o posicionamento turístico desejado pelo marketing brasileiro, estratégia que orienta diversas ações que envolvem a construção da imagem do Brasil nos mercados prioritários (Figura 5.1).

Embora o resultado apresentado acima seja discutível em relação ao posicionamento turístico dos países latinos americanos em função dos quatro fatores definidos, observa-se que o Plano Aquarela ratifica a tradição brasileira em se posicionar como país de patrimônio natural diversificado – praias, florestas, montanhas, áreas alagadas com alta biodiversidade – e de um estilo de vida próprio e singular – alegre, animado, festeiro, hospitaleiro. O patrimônio cultural, apresentado por esta análise de forma segmentada e reduzida por meio da categoria patrimônio histórico, não assume grande importância em termos de posicionamento turístico do Brasil. No entanto, verifica-se que este resultado não interferiu de forma decisiva no conteúdo simbólico das ações decorrentes desse posicionamento, como campanhas publicitárias e material impresso promocional, onde o patrimônio cultural material e imaterial é bastante expressivo (ver capítulo 06).

Figura 5.1 Posicionamento turístico do Brasil na América latina, definido pelo Plano Aquarela.

Fonte: Plano Aquarela: 2005-2009, EMBRATUR. Disponível em: http://www.turismo.gov.br. Acesso em março de 2010.

A mensagem global, segundo Chias (2007, pp. 130), se constitui num elemento simbólico de alto poder estratégico nos mercados emissores, uma vez que fortalece a construção da imagem e dá visibilidade e confiança às estratégias de posicionamento turístico do país. A mensagem global é composta de três elementos empregados em diversas ações promocionais: o decálogo, a mensagem permanente e a marca turística. O Plano Aquarela desenvolveu a mensagem global a partir de duas premissas básicas: apresentar o Brasil no mercado internacional com a grafia “Brasil” e não “Brazil” e privilegiar as cores da bandeira brasileira na composição da marca, conforme ilustra a figura 5.2 (EMBRATUR, 2005, pp. 90). Essas premissas demonstram a influência do nacionalismo e de posturas políticas nas ações de marketing do órgão brasileiro de promoção turística, indicando processos contraditórios nas ideologias que permeiam o desenvolvimento e execução do Plano. O desenvolvimento dessa estratégia pode ser visualizado na tabela 03.

Analisando ainda esta estratégia de marketing, pode-se notar que os estereótipos brasileiros, notadamente presentes no imaginário internacional sobre o Brasil, são reforçados pelo Plano Aquarela, diferenciando-se, neste caso, apenas de recursos técnicos e visuais associados ao marketing contemporâneo. A apresentação de uma marca turística de alta expressividade visual, associado a conteúdos simbólicos que representam as potencialidades turísticas brasileiras e as

Figura 5.2 - Marca Brasil: cores com respectivos significados e mensagem permanente.

Fonte: Plano Aquarela: 2005-2009, EMBRATUR. Disponível em: http://www.turismo.gov.br. Acesso em março de 2010.

possíveis experiências proporcionadas aos turistas que elegerem o Brasil como destino, reforça a contradição do discurso técnico e estratégico do Plano, com conteúdos mercadológicos de apelo comercial e reducionista. A possibilidade de atrair turistas por meio da construção da imagem de um Brasil, colorido, exótico, selvagem, hospitaleiro, alegre e ao mesmo tempo moderno supera as justificativas técnicas presentes no Plano que valorizam, por meio de um discurso de caráter nacionalista e político, uma identidade de país reconhecida pelos próprios brasileiros e de um posicionamento turístico baseado num estilo de vida e culturas próprias.

Elemento da Mensagem Global

Definição Mensagem Global do Brasil no Plano Aquarela

Decálogo Argumentação que sintetiza as características e valores a serem trabalhados nas ações promocionais, influenciando a decisão dos turistas internacionais do Brasil como destino turístico

Natureza – praia & mar, belezas naturais, florestas, patrimônios da humanidade; Cultura Viva – festas, alegria, música,

patrimônios da humanidade; Povo – alegria e hospitalidade;

Clima – sol o ano inteiro Modernidade Mensagem Permanente Slogan que sintetiza o

decálogo e acompanha a marca qualificando o desenho e atraindo os públicos-alvo. A mensagem permanente é traduzida para o idioma de cada país prioritário trabalhado

Sensacional!

Marca Turística Elemento visual que expressa a identidade

corporativa e o

reconhecimento nos mercados.

Tabela 5.2 - Mensagem global da marca Brasil. Fonte: Baseado em Chias, 2007, p. 130 e no Plano Aquarela: 2005-2009, EMBRATUR. Disponível em: http://www.turismo.gov.br. Acesso em março de 2010.

Outra estratégia formulada pelo Plano consiste na definição dos segmentos prioritários a serem considerados nas ações de promoção turística internacional. A segmentação de mercado compreende a divisão estratégica de produtos e destinos segundo as tendências de consumo de diferentes grupos sociais. A segmentação no mercado turístico se apresenta sob várias dimensões: a geográfica, a demográfica, a sócio-econômica, a psicológica, a motivacional, da natureza da oferta (PETROCCHI, 1998, pp. 249-251). O Plano Aquarela definiu cinco segmentos prioritários, baseados na expressividade e atratividade da oferta brasileira: sol & praia, cultura, ecoturismo, esportes e negócios/eventos/incentivo ( EMBRATUR, 2005, pp. 96-97).

Esta segmentação consiste numa estratégia extremamente importante do marketing internacional brasileiro, uma vez que orientou a elaboração das campanhas publicitárias desenvolvidas pela EMBRATUR e ainda orientou a estrutura de promoção de produtos e destinos turísticos no Portal Brasileiro de Turismo, ou seja, o site promocional do Brasil desenvolvido pela entidade.

A segmentação turística também foi importante para o desenvolvimento e estruturação da última estratégia do Plano: a elaboração de um portfólio de produtos a serem promovidos no mercado turístico internacional. Esse portfólio consiste numa relação hierárquica dos produtos turísticos brasileiros, ou seja, atrativos dotados de infraestrutura capaz de atrair número constante de turistas, favorecendo sua permanência e experiências positivas nesses locais (CHIAS, 2007, p. 26). A organização do portfólio e a hierarquização dos produtos turísticos é realizada a partir da atribuição de índices criados pela metodologia desenvolvida pela empresa catalã, índices estes referentes ao grau de singularidade, excepcionalidade, valor local, infraestrutura e notoriedade dos produtos em questão.

A última parte do plano brasileiro de marketing apresenta todas as orientações necessárias à operacionalização das estratégias por ele formuladas. Como dito anteriormente, o plano

operacional apresentado foi de extrema importância na organização da própria EMBRATUR, uma vez que influenciou a reestruturação técnica e gerencial da entidade.

Após dois anos ao início de sua implantação, o Plano Aquarela foi revisado e atualizado, dando origem a uma nova versão – Plano Aquarela: 2007-2009, onde foram acrescidas as análises de desempenho, os resultados alcançados e novas metas a serem atingidas.

Em função do final da gestão Lula e a indefinição política da sucessão presidencial em 2011, a EMBRATUR solicitou a Chias Marketing uma última versão do Plano Aquarela, com projeção de ações até 2020. A avaliação positiva do órgão de promoção turística em relação aos resultados de implantação do Plano, bem como a captação de eventos esportivos internacionais de alta repercussão turística como a Copa Mundial de Futebol em 2014 e, sobretudo, os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016, motivaram a EMBRATUR a demonstrar uma intenção de continuidade das ações já executadas na próxima gestão do Instituto.

O Plano Aquarela 2020 se apresenta como uma continuação natural e sistêmica das duas versões anteriores do plano de marketing brasileiro. As premissas e ações centrais dessa última versão são antecedidas, no entanto, por duas mensagens redigidas pelos líderes dos órgãos turísticos em âmbito federal, ou seja, o ministro de turismo, Sr. Luiz Barretto, e a presidente da EMBRATUR, Sra. Jeanine Pires. Observa-se que o conteúdo das duas mensagens possui a mesma preocupação: valorizar o Brasil como país sede de dois grandes eventos esportivos e turísticos internacionais – a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos – e demonstrar a capacidade do Brasil de se mostrar para o mundo como um país moderno e preparado para receber grandes eventos (EMBRATUR, 2010, pp. 04-05). As duas mensagens endossam o texto de abertura desta versão, ratificando a necessidade de firmar o posicionamento do Brasil no imaginário turístico internacional como país líder da América Latina e ainda como um dos grandes expoentes no cenário mundial. Pois,

Como será o posicionamento do país no mercado de turismo global após a realização de uma Copa do Mundo e de uma edição dos Jogos Olímpicos? Teremos novos produtos, novos ícones? As imagens de sonho que vem à cabeça dos brasileiros ao tentar responder a essas perguntas é o que perseguimos como meta neste Plano Aquarela 2020, que a EMBRATUR apresenta ao setor de turismo e à sociedade brasileira. É uma estratégia construída a partir de dois pilares: o primeiro é o posicionamento competitivo que o país já tem hoje, como líder na América Latina, para os principais mercados turísticos no mundo. (...) O segundo, é o conjunto de pesquisas periódicas realizadas com visitantes estrangeiros, representantes do setor turístico no Brasil e no exterior, sondagens de imagem e acompanhamento da imprensa internacional (EMBRATUR, 2010, p. 07).

A partir do texto de abertura, o Plano Aquarela 2020 apresenta uma série de informações e dados que reforçam, de um lado, a oportunidade do Brasil em se firmar como um dos principais destinos turísticos internacionais após a Copa do Mundo em 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016 e, de outro lado, o avanço do Brasil como destino turístico internacional após a implantação e gestão do Plano Aquarela nos oito ano de gestão do presidente Lula.

As estratégias e ações previstas nesta última versão do Plano são pautadas a partir de um diagnóstico situacional positivo do Brasil no turismo internacional e ainda reforçam a idéia de equiparar o Brasil com destinos turísticos consagrados, como a Austrália e a Europa Ocidental. Para isso, são apresentadas diretrizes operacionais para a implementação das estratégias e ainda definida uma agenda de compromissos promocionais a partir da realização dos jogos da Copa do mundo na África do Sul.

Observa-se, a partir da leitura e análise do Plano Aquarela 2020, a satisfação do órgão promocional brasileiro em relação aos resultados econômicos e estatísticos advindos do turismo internacional, atribuídos à experiência e ao profissionalismo destacados nos oito anos de especialização e redirecionamento de ações da entidade. Da mesma forma, percebe-se que a captação de dois grandes eventos de alta repercussão internacional alterou o discurso recente do órgão de promoção turística, onde o tom mercadológico que permeou as versões iniciais do Plano

Aquarela foi substituído por um tom afirmativo e nacionalista de um Brasil já consagrado como destino turístico internacional.

Esse fato ressalta o papel do planejamento e, sobretudo dos Planos, como instrumentos de valorização e legitimação de ideologias expressas por seus idealizadores. O Plano Aquarela em todas as suas versões, disponibilizados no site do Ministério do Turismo e intensamente apresentado e debatido em diferentes ocasiões e cidades do território nacional, exerceu um papel central para demonstrar as intencionalidades do órgão de promoção turística internacional frente ao mercado turístico globalizado.

A valorização da Chias Marketing como autora e orientadora da implantação do Plano e da própria estruturação da entidade ressalta o objetivo da EMBRATUR de se projetar nacionalmente e internacionalmente como uma organização competente e técnica, voltadas aos interesses e tendências do mercado turístico. A certificação da competência “empresarial” da EMBRATUR é reforçada pela adoção de modelos e metodologias estrangeiras de promoção turística, no caso, o modelo catalão.

A consagração dos resultados positivos do turismo internacional no Brasil pela EMBRATUR alterou seu discurso ideológico na última versão do Plano, evidenciando valores de natureza política a serem incorporados nas ações promocionais da entidade. No entanto, cabe avaliarmos se tais posicionamentos e intencionalidades identificados nos discursos do Plano Aquarela foram empregados de fato nas ações promocionais voltadas ao público estrangeiro. A comparação entre o discurso do planejamento e a análise do conteúdo simbólico de imagens empregadas na promoção turística internacional consiste num importante elemento de análise para a identificação e discussão do processo de ideologia espacial que permeia as ações turísticas sobre o patrimônio cultural brasileiro.

Capítulo 6 - Análise do discurso publicitário presente nas imagens promocionais do