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3. MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO ASSIS CHATEAUBRIAND – MASP

3.1. Plano institucional

A formação do acervo da Pinacoteca era para seu fundador, o jornalista Assis Chateaubriand, o motivo da criação do museu na concepção clássica de instituição que coleciona e conserva, para o que foram decisivos o conhecimento e a experiência de comercialização de obras de arte de Pietro Maria Bardi. O desejo de seu fundador

e a experiência de seu diretor como perito familiarizado com a arte europeia fizeram com que o MASP fosse o primeiro museu brasileiro implantado com critérios bem definidos para formação do acervo, reunindo obras-primas de artistas célebres do passado (LOURENÇO, 1999, p. 98). Na sua investida inicial no decênio 1947-57, o MASP organizou uma coleção representativa da arte ocidental a partir do renascimento ao pós-impressionismo com obras primas de autores consagrados pela história da arte.

Para Pietro Maria Bardi, no entanto, era necessário superar o conceito tradicional de museu de arte do século XIX voltado principalmente para conservação de obras excepcionais e também da concepção de museu de arte moderna como uma especialização decorrente da continuidade daquele modelo de museu especializado a partir de recortes estilísticos e temporais. Avaliava que no Brasil não havia público suficientemente informado e habituado para frequentar museus nestes moldes, que as pessoas visitariam o museu uma vez para conhecer o acervo e não mais voltariam. Bardi não pretendia criar um museu vazio e por isso era necessário motivar o público para se tornarem frequentadores do museu. Assim, o projeto institucional deveria voltar-se à formação de público oferecendo outras atividades vinculadas ao acervo (BARDI, 1973, p. 9). Nesta perspectiva, a formação da Pinacoteca se constituía como ponto de partida e elemento integrante de um centro propulsor das artes compreendida numa acepção ampliada, em torno da qual seriam criadas diversas atividades de caráter didático para instruir os usuários do museu na compreensão do significado das obras originais.

Bardi trazia uma concepção atualizada da arte e do seu papel na formação do homem contemporâneo. Isto fica patente quando Chateaubriand convidou Bardi para dirigir o museu de arte antiga e moderna que pretendia criar. Bardi então contrapôs, fez ver que um museu não deveria estar voltado exclusivamente para uma determinada corrente ou período artístico, mas sim voltado apenas para a arte. Argumentava que a arte é uma só, não tem limites de tempo e de espaço. Afirmava que um museu de arte só seria efetivamente atuante se o seu programa estivesse voltado para reconstituir o princípio original de unidade das artes “unidade esta que os museus nos velhos moldes contribuíram em grande medida para separá-las”. A ideia de unidade das artes, conceito central na base do plano institucional era o aspecto que diferenciava o MASP dos museus modernos criados no mesmo período

no Brasil. A concepção de museu em Bardi então era de um museu moderno de arte sem adjetivações ou circunscrito a escolas ou períodos, com conceito amplo de arte voltado para a compreensão histórica da arte de forma abrangente, de forte caráter didático voltado para a formação do público.

É neste novo sentido social que se constituiu o Museu de Arte de São Paulo, que se dirige especificamente à massa não informada, nem intelectual, nem preparada. (...) O fim do museu é o de formar uma atmosfera, uma conduta apta a criar no visitante a forma mental adaptada à compreensão da obra de arte, e nesse sentido não se faz distinção entre a obra antiga e uma obra de arte moderna. No mesmo objetivo a obra de arte não é localizada segundo um critério cronológico, mas apresentada quase propositadamente no sentido de produzir um choque que desperte reações de curiosidade e de investigação (Revista Habitat, n. 1, out/dez. 1950).

Esta avaliação sobre a familiaridade do público de São Paulo, em particular, e do brasileiro, em geral, com o universo das artes formalizada nos tratados de história das artes foi determinante na definição do plano institucional do MASP. A partir da constatação de que no Brasil daquela época ainda não haviam obras publicadas de vulgarização deste universo, Bardi avaliava que o público não tinha as referências necessárias para apreciar adequadamente as obras da Pinacoteca que estava sendo formada, justamente, a partir daqueles critérios canônicos de inclusão de obras e artistas no panorama geral das artes. Para enfrentar esta situação o plano institucional do Museu foi elaborado com a dupla missão de informar e formar o público, como um centro difusor de atividades culturais voltado para a democratização do acesso à arte e à cultura e como museu-escola com a oferta de cursos de iniciação às práticas artísticas. Em outra frente, o casal Bardi editou a partir de 1950 a Revista Habitat32, divulgando as atividades do Museu e ampliando a abrangência dos debates sobre o universo das artes.

32 A publicação denominada “Habitat, Revista das Artes no Brasil”, foi uma iniciativa editorial do casal Bardi para divulgar as atividades do MASP e ampliar o debate dos temas relacionados a arte e cultura. Circulou a partir de 1950, trazendo matérias sobre arquitetura, artes plásticas, teatro, literatura, cinema entre outros temas afins. Em todos os seus números a revista publicava matérias sobre arte popular ou arquitetura vernácular destacando a estética das coisas feitas para atender a uma necessidade prática com os meios disponíveis. Todo o processo inicial de instalação do MASP e de sua remodelação foi apresentado nas suas páginas, bem como artigos que tratavam das propostas de atuação do Museu. Sobre a revista Habitat, ver: STUCHI, Fabiana Terenzi. Revista Habitat: um olhar moderno sobre os

anos 50 em São Paulo. 2007. Dissertação (Mestrado – Área de concentração: Projeto, Espaço e

Cultura). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Na biblioteca setorial do Campus das Ciências Sociais da UFPel, encontram-se as edições de número 14, 19, 23, 26, 27, 29 a 35, 37 a 39, 42 a 55, e 57b (periódico 513).

A percepção do papel social dos museus contemporâneos de arte estava afinada com as orientações já assumidas pelos museus norte-americanos. Desde o início da primeira metade do século XX havia naquele país um movimento de valorização da dimensão educacional dos museus na formação do público. Esta nova função dos museus teve um papel fundamental na criação do Museum of Modern Art – MoMA, de Nova Iorque, fundado em 1929. Na definição de suas diretrizes museológicas, o MoMA trazia o propósito de ser um espaço instaurador e consagrador de experiências estéticas do tempo presente, de sua própria modernidade rompendo com o modelo de museu guardião do passado e do consagrado. Abre-se então para a incorporação de novas formas de expressão no universo das artes e voltado para uma orientação educativa. Esta diretriz museológica foi apontada como a vanguarda da ideia de museu moderno e como exemplo a ser seguido nas recomendações do recém-criado International Council of Museums – ICOM, na revisão do pós-guerra sobre a missão social dos museus.

O plano institucional do MASP adotou como referência fundamental o modelo de funcionamento do MoMA33, com uma seção dedicada a formação da coleção da Pinacoteca, e outra voltada para a formação do público atuando como um centro de atividades culturais. Na inauguração do Museu junto com a apresentação das primeiras obras da Pinacoteca, foram apresentados e posto em andamento os programas de exposição de história das artes34, de conferências e seminários e de exposições periódicas.

As “Exposições didáticas de história das artes” era um programa de exposições com caráter didático, de divulgação de conteúdos da história das artes e do seu desenvolvimento da pré-história ao momento atual apresentando artistas, movimentos artísticos e a evolução das técnicas e dos estilos (BO BARDI in FERRAZ, 1993, p.

33 Lina Bo e Pietro Maria Bardi mencionaram diversas vezes, como modelo exemplar, o caso do MoMA, como nos artigos “Os museus vivos nos Estados Unidos”, e “A função social dos museus”, publicados na revista Habitat, em 1950.

34 Pietro Maria Bardi nos diversos livros que editou sobre a história do MASP referia-se à denominação dos espaços do Museu, vinculando-os aos programas expositivos definidos no plano institucional, usando as expressões “Exposições didáticas de história das artes” (BARDI, 1978, p. 8), ou “Mostras didáticas de história das artes” e “exposições periódicas” (BARDI, 1978, p. 8), “mostras periódicas” (BARDI, 1982a, p. 8), ou “exposições temporárias” (BARDI, 1982a, p. 42). Neste estudo, vamos adotar a denominação da legenda que acompanha as plantas da reforma do Museu, publicadas na Habitat, Revista das Artes no Brasil, nº 1, p. 17, São Paulo, 1950, e reproduzida em Ferraz (1993, p. 49): Pinacoteca, Exposições periódicas, e Exposições didáticas de história das artes.

46). Este programa tinha o propósito de instruir o público dando subsídios para a compreensão das obras expostas nas outras seções do Museu, dada a carência de bibliografia no Brasil sobre história das artes. A intenção de instruir o público tinha um propósito político de democratização no acesso ao universo das artes numa tentativa de superar a situação brasileira “em que o circuito artístico se originava, principalmente, dentro dos círculos sociais das classes dominantes” (BARDI, 1947, p. 2, apud POLITANO, 2010, p. 39). Para firmar esta posição o conteúdo das exposições relacionava a expressão artística com as condições econômicas e sociais do meio no qual foram produzidas ressaltando, sobretudo, a transformação da forma plástica dos objetos como fator fundamental para compreender a história da arte.

As exposições didáticas eram apresentadas na forma de panoramas informativos com reproduções fotográficas de obras de arte comentadas com legendas e textos explicativos. Esta ideia, tomada de empréstimo do MoMA, já havia sido testada por Bardi no início dos anos de 1940 no Studio dell Arte Palma, de Roma. No Brasil este programa de exposições foi desenvolvido e aperfeiçoado. Nas montagens do MASP, Bardi contou com a colaboração do estúdio italiano no preparo dos primeiros painéis. Ao todo, foram montadas quatro exposições. A primeira, apresentada na inauguração do Museu, denominava-se “Panorama da História da Arte”. Com caráter sintético e abrangente delineava os tópicos estruturadores da história da arte. A segunda denominava-se “Da pré-história e povos primitivos”, tratou da cultura dos povos antigos do Mediterrâneo, a terceira compreendia o período de Roma até a Idade Média, e a quarta exposição abrangia o período do renascimento às vanguardas do século XX (POLITANO, 2010, p. 50-1).

Paralelamente, o Museu desenvolveu um intenso programa de conferências para discussão dos problemas do universo das artes e dos caminhos de sua compreensão. Apresentava criticamente ao público os modos de composição das obras da Pinacoteca, as técnicas empregadas, os vínculos com obras precedentes e que as sucederam, discutia e interpretava os conteúdos apresentados nas exposições didáticas e temas relativos às novas obras que entravam na Pinacoteca. Debatia os problemas contemporâneos do que estava entrando no universo da arte com a inclusão dos novos suportes e formas de expressão que iam surgindo. Nesta perspectiva, realizou os seminários sobre fotografia e cinema como forma de expressão artística que evoluíram, respectivamente em um curso de fotografia, e na

formação do clube de cinema e centro de estudos cinematográficos do MASP. Também nesta chave, promoveu desfiles de moda incluindo o vestuário como forma de expressão artística e segmento de aplicação do desenho industrial, promoveu concertos e audições nas dependências do Museu (BARDI, 1973, p. 10).

Desde sua inauguração o Museu promoveu uma intensa e variada programação de exposições periódicas de pintura, escultura, arquitetura, artes gráficas, desenho industrial. Estas exposições reuniram artistas e arquitetos contemporâneos, nacionais e estrangeiros e divulgaram as novas linguagens até então não contempladas pelas instituições museais do país, com mostras de arquitetura moderna, paisagismo e urbanismo, fotografia, desenho industrial, artes gráficas e propaganda, a exemplo do que já vinha sendo feito no MoMA. Em outra frente, promoveu a arte popular brasileira e outras formas de expressão ainda não contempladas nos museus brasileiros de arte. Inclui-se aqui as mostras da cultura local popular com a exposição “Arte Popular Pernambucana” (1949), com a apresentação de ex-votos e mamulengos, a cerâmica utilitária e as imagens de Vitalino Pereira dos Santos, conhecido como Mestre Vitalino; a exposição dos artistas ditos primitivos, e a pioneira exposição “Arte dos Alienados” (1948), com obras dos internos da ala de psiquiatria do Hospital do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, sob a coordenação da psiquiatra Nise da Silveira do setor de arte-terapia 35. Neste programa de exposições temporárias e de conferências que por vezes as acompanhavam, Bardi reafirmava os propósitos do plano institucional do MASP:

Iniciativas que demonstram como nossa instituição tem estado constantemente mais interessada na divulgação dos problemas históricos e de efervescência contemporânea do que na simples conservação, convencida de que essa espécie de trabalho melhor se enquadrava entre as de laboratório. Nossa organização foi e continua a ser um autêntico laboratório de elaboração e de discussão dos problemas artísticos, procurando indicar caminhos de compreensão no campo da arte viva (BARDI, 1973, p. 11).

A primeira investida do MASP como museu-escola foi posta em prática ainda antes da inauguração do Museu. No primeiro semestre de 1947, Pietro Maria Bardi ministrou cursos de história das artes direcionados ao treinamento de monitores com

35 Colaborou no ateliê de arte-terapia da Dra. Nise da Silveira, a enfermeira especialista em terapia ocupacional Yvonne Lara da Costa, mais tarde conhecida como Dona Ivone Lara, sambista da ala de compositores da Escola de Samba Império Serrano, do Rio de Janeiro.

duração de sete meses entre a fundação e a abertura ao público. Estes primeiros cursos tinham um acento prático, possibilitando a vivência da experimentação artística e capacitando pessoas para exercer as funções requeridas pelo museu. Isso possibilitou que muitos ex-alunos fossem posteriormente contratados36. Após a inauguração foram oferecidos cursos dedicados à história e ao estudo da estética apoiado no material contido no programa de “Exposições didáticas de história das artes”. A partir da abertura do Museu diversos outros cursos foram sendo oferecidos ao público de acordo com a ideia de museu como local de formação nos campos correlatos ao universo das artes. Em 1948, iniciaram os cursos de vitrinista, uma atividade ainda inexistente em São Paulo, de desenho do natural, pintura, gravura, escultura, modelagem, teatro, música, dança, maquetes de arquitetura, desenho de moda e tecelagem, fotografia, cinema, paisagismo, jardinagem, ikebana, comunicação visual e, em 1950, o primeiro curso de propaganda e publicidade (BARDI, 1973, p. 10).

A estratégia adotada de museu como centro cultural e museu-escola para cativar e formar público para o Museu apresentou resultados positivos com um elevado número de frequentadores de suas atividades. Em 1951, o plano institucional do MASP avançou para a implantação do Instituto de Arte Contemporânea – IAC, como órgão agregado para reunir os cursos oferecidos pelo MASP desde sua inauguração, tornando regulares os diversos cursos oferecidos até então37. Mas a grande novidade, estava na implantação do primeiro curso de design industrial no Brasil. O Instituto foi a primeira tentativa do casal Bardi de concretizar a passagem dos ensinamentos sobre arte, arquitetura e design com a finalidade de formar desenhistas industriais com espírito moderno para atuarem diretamente na indústria paulista (LOURENÇO, 1999, p. 100). Foi esta estrutura acadêmica e os cursos oferecidos que permaneceram na FAAP após o malogrado acordo de reunião dos acervos das duas instituições.

36 Participaram do curso para formação de monitores como alunos os artistas Aldo Bonadei, Mário Gruber, Marcelo Grassmam, Aldemir Martins, Flávio Motta, Nydia Licia e Enrico Camerini.

37 Os cursos oferecidos pelo MASP contaram com a colaboração de artistas e arquitetos. Entre outros, atuaram como professores Rino Levi, Eduardo Knesse de Melo, Roberto Burle Marx, Jacob Ruchti, Lasar Segall, Roberto Sambonet, August Zamoyski, Lina Bo Bardi, Giancarlo Palanti, Alberto Cavalcanti, Oswaldo Bratke, Gregori Warchavchik, Elisabeth Nobling e Alcides da Rocha Miranda.

Após a transferência do IAC para a FAAP, a oferta de cursos relativos aos temas das artes pelo MASP não voltou a ter o mesmo dinamismo de sua primeira fase. Atividades esporádicas foram oferecidas, mas a estrutura de funcionamento do Museu mudara com o afastamento de Lina Bo que se transferiu para a Bahia, somente retornando em 1964. Após 1968, já instalado na nova sede da Avenida Paulista, algumas atividades educativas foram mantidas ainda que com menos intensidade. Destaca-se neste período a oferta de um curso de Museologia oferecido pela Escola de Sociologia da Universidade de São Paulo no período de 1978 a 1980, organizado e ministrado pela professora Waldisa Rússio Camargo Guarnieri (STRADIOTTO, 2011, p. 45).