• Nenhum resultado encontrado

IV) RESULTADOS E DISCUSSÃO

IV.6) Planos relacionados à carreira artística

O tema da importância da remuneração obtida como cantor para a vida dos entrevistados, tratado na seção anterior, é elemento que faz parte do conjunto de circunstâncias que interferem nas perspectivas de futuro que o indivíduo divisa para si como cantor, como artista. Esse é o aspecto tratado na presente seção. Deve ser lembrado, a propósito, que o Espírito Santo é um dos muitos estados brasileiros nos quais não há produção musical que alcance repercussão nacional. Isso quer dizer que planos de se projetar artisticamente em nível nacional devem prever a possibilidade de mudança de residência para algum dos grandes centros que concentram a produção musical comercialmente valorizada. Sobre suas perspectivas e planos a longo prazo relacionados à carreira de cantor, os participantes do estudo fizeram considerações que foram agrupadas em diferentes categorias de conteúdo, e que serão apresentadas a seguir. Um aspecto que se afigurou como necessário abordar a respeito de planos relativos à carreira artística foi verificar se algum dos entrevistados tinha como objetivo primordial fazer sucesso como cantor e ter espaço nos meios de comunicação e se estaria havendo empenho e preparação para tal meta. Participantes com tais características, caso existissem, seriam agrupados em categoria diversa (IV.6.1 - O sucesso como meta) daquela que congregaria os demais cantores para os quais o sucesso e a divulgação ampla não constituem objetivo primordial (IV.6.2 - A continuidade da dedicação à música e a satisfação do público como meta), ainda que o sucesso e o reconhecimento do público, em algum nível, interesse e motive qualquer artista. A seguir serão arroladas as subcategorias de projetos específicos e mais imediatos no âmbito da carreira que os entrevistados pretendem desenvolver, independentemente de terem ou não o objetivo de tornarem-se cantores de reconhecido sucesso.

IV.6.1) O sucesso como meta

Apenas dois dos 19 participantes expressaram de forma clara que perseguem o objetivo de alcançar sucesso e notoriedade, de forma que seu trabalho tenha repercussão nos meios de comunicação em nível nacional (Beyoncé e Xororó).

Eu tô buscando um reconhecimento, assim. Claro que eu quero um reconhecimento, eu quero um sucesso, eu quero uma música no rádio, ou uma música na novela. Eu quero isso. Um tema na novela. A oportunidade de viajar, entendeu? De tocar em outros lugares do mundo, em outros Estados, conhecer outros lugares. (Beyoncé)

O intuito nosso hoje é despontar. Com a banda. A gente precisa ganhar dinheiro, e pra ganhar dinheiro, na verdade, nas noites a gente ganha, mas acaba sendo um ganho de subsistência. E com o show já é diferente, você já consegue, digamos assim, ficar mais visto a nível nacional, a gente consegue ter um crescimento mais significativo, tanto a nível financeiro, mas quanto a nível de imagem também. (Xororó)

Esses dois participantes são jovens, iniciaram suas atividades musicais bem cedo, vivem exclusivamente da música, e participam de bandas que atuam em esquema profissional pleno e têm presença efetiva no cenário musical da região da Grande Vitória, além de eventuais apresentações em outros pontos do estado e mesmo fora dele. Faz parte das pretensões de ambos passarem a residir e atuar em algum grande centro de produção cultural.

Embora apenas os entrevistados Beyoncé e Xororó tenham sido enquadrados na condição de entrevistados para os quais o objetivo de despontar em nível nacional está bem vivo, é importante ressaltar a situação do participante Leonardo, que também pode ser considerado como integrante dessa mesma categoria. Embora ele não explicite isso da mesma forma que os outros dois, trata-se do participante que vive a situação profissional que pode ser identificada como a mais bem sucedida na comparação com as carreiras de todos os demais. É cantor de uma banda que tem grande demanda por apresentações, com muitas viagens e cuja

área de atuação extrapola as fronteiras do estado. Ao mesmo tempo é micro-empresário de uma empresa de produção de eventos. Seu objetivo também é o sucesso em nível nacional, ou seja, é a ampliação da presença da sua banda no cenário musical e nos meios de comunicação com abrangência nacional. Assim como Beyoncé e Xororó, Leonardo também é jovem, começou a cantar cedo, mas não planeja mudar-se do Espírito Santo para algum grande centro, provavelmente porque a realidade indica que tal providência pouco acrescentaria em termos de ganhos profissionais no atual momento.

IV.6.2) A continuidade da dedicação à música e a satisfação do público como meta

Os demais 16 participantes do estudo não declararam objetivo primordial de fazer sucesso e ganhar fama como cantor. A maior parte deles pretende continuar a atuar como cantor, sem estabelecer metas específicas a alcançar, apostando na possibilidade de que oportunidades interessantes surjam e contribuam para garantir a continuidade de um trabalho realizado com prazer, apesar das dificuldades que já foram mencionadas em seção anterior do texto. Afirmações explícitas com esse teor foram feitas por doze dos participantes (Adriana Calcanhoto, Alcione, Bob Marley, Chico Buarque, Clara Nunes, Jorge Ben Jor, Jorge Vercilo, Luiz Melodia, Moraes Moreira, Rita Lee, Tom Jobim e Vanessa da Mata). Vale destacar que constam da lista acima profissionais com diferentes idades e com diferentes tempos de dedicação ao canto popular, o que sugere que fatores contextuais da região em que atuam influenciem fortemente tal postura, a despeito de idade ou experiência profissional prolongada sem explosão de sucesso. Seguem-se alguns exemplos de afirmações desse tipo:

Eu não vou largar a música. Largar eu não largo, porque é paixão também. Não tem como você trabalhar com arte sem ter paixão. Mas pode ser que um dia ela não me renda o que tá me rendendo hoje. Então eu preciso é ficar preparada pra isso. (Adriana Calcanhoto)

Eu estou feliz com o que tá acontecendo hoje. Amanhã só Papai do Céu que sabe. Então eu não faço planos pro futuro. (Alcione)

Eu hoje, na verdade, a longo prazo eu quero só que Deus me dê saúde pra que eu possa cantar mais, cantar até quando não puder mais. Entendeu? Porque eu não tenho mais perspectiva pra sair de Vitória, eu não penso em sair de Vitória. (Chico Buarque)

As pretensões de juventude que a gente tem de gravar disco, ficar famoso, fazer show já passou. Estou vivendo a vida, que é a minha profissão. Faço ainda com prazer. Mas não tenho grandes objetivos nesse sentido. (Jorge Ben Jor)

Eu hoje, eu pretendo ainda ter a música como um hobby. Manter ela como um hobby. Seguir na carreira de engenharia ou em alguma área acadêmica, não só o inglês, mas como física, matemática, que a engenharia me proporciona, mas manter a música como um hobby. Não pretendo viver de música. (Jorge Vercilo)

Eu não faço mais planos. Meu plano é continuar cantando. (Luiz Melodia)

A curto prazo eu vou continuar fazendo o que eu tô fazendo. A longo prazo, seja depois da minha aposentadoria, eu devo diminuir um pouco meu ritmo de cantar,e talvez eu fique só dando aula, porque eu já acho que já não vou agüentar ficar a noite. Vou fazer shows, eu tenho muita vontade assim, parar de cantar direto, pra fazer shows temáticos, assim. (Rita

Lee)

É uma falha minha, deveria trabalhar melhor o marketing do meu trabalho. Mas como as coisas vão acontecendo, todo dia alguém me liga pra me contratar eu deixei isso meio de lado, mas já perdi espaço por conta disso. Deveria ter feito isso, mas tá em tempo, de recomeçar e trabalhar o marketing. Nunca é demais. [Pretendo] continuar meu trabalho. Acho que cada ano que passa eu canto melhor. Que o canto ele é um exercício. Quanto mais você canta, mais você aprende. Então, eu penso em fazer uma faculdade de música. (Tom

Jobim)

Eu não quero ganhar o mundo, não acredito que eu vá aparecer no Faustão daqui há 20 dias quando o CD sair, que vai tocar em tudo quanto é rádio, vai estourar, vai pra lua, não. O que eu queria era ganhar a mesma coisa que eu ganho como professora cantando. É bem modesto, até, sabe. (Vanessa da Mata)

É possível dizer que nenhum dos entrevistados planeja abandonar a carreira em função de dificuldades, embora alguns relatem certo desânimo e planejem conciliar o trabalho como cantor com outras atividades profissionais. Existem também alguns que se dizem um pouco cansados com o trabalho nos bares (ainda que gostem dessa forma de trabalho na noite) e planejam estratégias que permitam a continuidade do trabalho como cantor sem tanta dependência dessa modalidade de apresentação. Afirmações como as que se seguem ilustram esses tipos de reflexão:

Bom. Pra ser sincero a você, eu tô começando a me desencantar um pouco com a música. Vou tentar um concurso público aí pra ver se eu consigo ou um complemento de renda. Se eu conseguir eu restringiria a parte de música somente pra festa particular. A parte de noite, barzinho, eu abandonaria de vez. Entendeu? (Jorge Ben Jor)

Olha, eu me percebo assim, primeiramente, uma das coisas assim que eu gostaria, que to trabalhando até pra isso é sair um pouco da noite. Que a noite é um pouco cansativo. E voltar mais pra linha de shows. De apresentações de show com a banda, eu tô começando a investir, a construção, de fazer, de montar um trio. Bateria, baixo e guitarra, tal. E ficar menos na noite. A noite é muito cansativo e você tem que trabalhar muito com repertório dos outros. Aí eu, como compositor, acho que meu repertório fica muito é, fica esquecido um pouco. Então quero voltar a trabalhar com um pouco mais do meu lado compositor, obviamente sempre colocando a questão de intérprete também, mas focando mais a minha linha de compositor. Eu já tenho trabalhado muito tempo na noite, aí já tá na hora de sair um pouco mais da noite, depois volta, mas é trabalhar as duas linhas. (Luiz Melodia)

IV.6.2.1) Continuidade da dedicação à música conjugada com outras formas de