• Nenhum resultado encontrado

2.1 O pensamento de Chayanov acerca da economia camponesa e as influências de sua

2.1.2 A pluriatividade no interior do pensamento chayanoviano: (des) construindo as

Para Chayanov todo o volume de atividade econômica da família, entendido não apenas como a atividade agrícola, mas também as atividades não agrícolas (artesanais e comerciais) será definido pela composição da família. A pluriatividade da família estaria assim condicionada a essa composição, que foi analisada por meio da relação entre consumidores e trabalhadores que constituem aquela família e, seu objetivo é satisfazer as necessidades de consumo da mesma. Segundo Sacco dos Anjos (2003),

É fundamental destacar o fato de que o objetivo central de assegurar a satisfação das necessidades familiares pode passar inclusive por intermédio do exercício de atividades não-agrícolas, no interior ou no exterior da granja camponesa. O artesanato, o comércio ou a venda da força de trabalho familiar são algumas das iniciativas que se acham incluídas no leque de possibilidades as quais podem servir- se os membros das explorações camponesas (SACCO DOS ANJOS, 2003, p. 22).

A existência da combinação de atividades agrícolas e atividades não agrícolas na obra de Chayanov (1985), seja dentro ou fora do estabelecimento agropecuário, parece apontar para o debate referente ao fato de que a combinação dessas atividades sempre existiu no interior das unidades produtivas rurais, mas que com o avanço do progresso técnico da agricultura essas atividades foram sendo, cada vez mais, colocadas “para fora da propriedade” (GRAZIANO DA SILVA, 1996).

Esse debate coloca, portanto, uma questão: em que residiria a novidade da combinação de atividades agrícolas e não agrícolas no interior das famílias rurais de agricultores familiares? Aqui, se entende que a novidade, estaria no crescimento do acesso das famílias rurais às ocupações não agrícolas no interior da agricultura familiar contemporânea, e que tal acesso pode representar a ruptura com a condição de agricultores de muitas famílias, ao passo que na realidade analisada por Chaynov e, nas formulações daí decorrentes, essa situação não se apresentava como uma possibilidade no universo de decisões das famílias camponesas.

Na análise do pensamento de Chayanov acerca dos elementos condicionantes da decisão de como alocar a mão de obra familiar, se nas atividades agrícolas ou nas atividades

artesanais ou comercias, essas duas últimas consideradas atividades não agrícolas, não parece possível identificar a possibilidade de que os integrantes da família ao atuarem nessas atividades não agrícolas possam deixar de serem famílias dedicadas a atividade agrícola.

Por isso, a pluriatividade no referencial chayanoviano pode ser considerada como algo residual, marginal, uma alternativa para os momentos de inércia da força de trabalho, uma possibilidade de resolver problemas emergenciais, circunstanciais sejam eles decorrentes de problemas de safra, condições climáticas adversas etc. Mesmo no caso da inserção de membros das famílias em atividades não agrícolas em função delas pagarem maiores rendas, o que poderia apontar para uma situação menos transitória, ainda sim a família enquanto tal continua sendo vinculada a atividade agrícola36.

Já para a agricultura familiar contemporânea a opção por atividades não agrícolas pelos indivíduos pouco parece evidenciar uma situação marginal da mesma. É, em muitos casos, uma estratégia de sobrevivência, particularmente das famílias rurais mais pobres, e para aquelas mais capitalizadas, ela representa uma alternativa de ocupação para aquelas pessoas que, em virtude do progresso técnico foram “liberadas” da realização da atividade agrícola.

Na agricultura familiar contemporânea o recurso às atividades não agrícolas, distintamente do que parece ser o caso das famílias camponesas analisadas por Chayanov, pode conduzir a um cenário em que as famílias rurais estejam totalmente desvinculadas da atividade agrícola, convertendo-se em famílias rurais não agrícolas, fenômeno esse que vem tomando proporções significativas desde os anos 80 (GRAZIANO DA SILVA, 1999; DEL GROSSI, 1999 e NASCIMENTO, 2008), e se reafirmando nos anos 2000 como indicaram os dados para esse último período apresentados no Capítulo Primeiro.

Por isso, parece importante afirmar, aqui, que os elementos extrínsecos à família apresentam-se como sendo mais decisivos para o crescimento da pluriatividade do que as questões ligadas às características internas da mesma, em particular as políticas públicas direcionadas ao lado agrícola da pluriatividade, lado esse que na abordagem de Chayanov não aparece ameaçado frente à concorrência, às exigências da modernização, às possibilidades não agrícolas disponíveis aos membros da família camponesa.

36 A aceitação dessa possibilidade na obra de Chayanov de que o acesso às atividades não agrícolas ameaça a

condição de camponês, representaria uma convergência com as análises de Kautsky (1986) de que o acesso a essas atividades só significaria uma forma de retardar o processo de destruição dos camponeses rumo a um processo de proletarização dos mesmos.

Nessa direção, como desdobramento das formulações chayanovianas e, sem entrar no âmbito da discussão sociológica ou antropológica do conceito de família, o que aqui se propõe é abordar as variáveis endogenamente relacionadas às características dos membros das famílias, que serão consideradas como características das famílias, e procurar identificar a relação delas com a trajetória da pluriatividades nos anos 90 e 2000. Reconhecendo a importância dos elementos associados à composição da família tais como, tamanho da família, escolaridade, idade é que nossa investigação acerca dos determinantes da pluriatividade, neste capítulo, tem início com a análise dos dados que apontam para os, aqui chamados, determinantes intrínsecos das famílias dos agricultores familiares no Brasil.

Diante dessa análise de Chayanov acerca da família no meio rural e a relevância de sua compreensão enquanto fenômeno econômico, a existência da agricultura familiar, que se pode dizer, grosso modo, herdeira daquela economia camponesa por ele analisada, deve ser compreendida tendo como eixo norteador a razão de sobrevivência econômica das famílias no meio rural dos tempos atuais. É nessa linha de raciocínio de que no futuro o interesse analítico das famílias rurais - cuja gestão e trabalho são estruturados a partir do trabalho familiar - estaria relacionado à sua sobrevivência econômica e às estratégias que a mesma desenvolve para tanto, que a abordagem da seção seguinte caminha na direção de avaliar a relação que as variáveis referentes aos requisitos individuais dos membros das famílias tem com o comportamento do número de famílias da agricultura familiar, particularmente as famílias pluriativas, no sentido de promover uma ampliação desse número de famílias ao longo do tempo.

2.2 A pluriatividade e o comportamento das variáveis relacionadas às características