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A despeito da existência de um debate no interior de trabalhos de pesquisadores importantes para o estudo da agricultura familiar, como Carneiro (1999), em torno do conceito de família – núcleo familiar ou núcleo doméstico11 - nossa pesquisa, com bases na metodologia desenvolvida pelo Projeto Rurbano/Unicamp, utiliza a denominação de família extensa como unidade de análise da pluriatividade. Tal denominação entende a família como um grupo de pessoas, ligadas ou não por laços de parentesco, que convivem em um lugar, algo próximo, então, ao denominado grupo doméstico acima mencionado. A família extensa constituiria, então, um núcleo de consumo e de renda entre as pessoas que vivem no mesmo ambiente e tomam decisões com base em um orçamento monetário comum. Portanto, a unidade de análise da pluriatividade é a família extensa que compreende além das pessoas que formam o núcleo familiar, os parentes e as pessoas agregadas que convivem em um mesmo domicílio12.

10 A PNAD é uma pesquisa realizada anualmente e de responsabilidade do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE).

11 Na unidade familiar prevalecem as relações de parentesco que formam um núcleo familiar. Já o grupo

doméstico é entendido como um conjunto de pessoas, parentes ou não, que vivem em um mesmo lugar e compartilham decisões de consumo e de produção.

12 Para a construção do conceito de família extensa não foram incorporados da variável v0401 (condição no

domicílio) da PNAD, os pensionistas, os empregados domésticos e seus parentes. Portanto, foram utilizadas as classificações de 01 a 05 daquela variável, quais sejam: 01 – pessoa de referência; 02 – cônjuge; 03 – filho; 04 – outro parente; e 05 – agregado.

A pluriatividade é, portanto, uma realidade das famílias que integram em seu interior pessoas (ou pelo menos uma) que trabalham em atividades agrícolas e outras (ou outra) que se ocupam em atividades não agrícolas. Essa pluriatividade é chamada de pluriatividade intersetorial, mas também se considera neste trabalho a denominada pluriatividade tradicional, ou seja, aquela situação de famílias em que, em seu interior, existem pessoas (ou pelo menos uma) que trabalham em atividades agrícolas como conta-própria, ou empregador até 02 empregados e outras (ou outra) que se ocupam em atividades agrícolas como empregados.

Esta seção objetiva justamente analisar os tipos de famílias no interior das regiões rurais não metropolitanas do Nordeste e Sul do Brasil, verificando a evolução do conjunto das famílias de agricultores familiares no total das famílias extensas domiciliadas nas áreas denominadas de “rural agropecuário”13. Para tanto, utiliza-se os microdados da PNAD/IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – para o período de 1991 a 1999 e 2002 a 2009, e a metodologia e tipologia de famílias do Projeto Rurbano (IE/Unicamp). Esse projeto, formalmente denominado de “Caracterização do Novo Rural Brasileiro”, foi desenvolvido por um conjunto de pesquisadores que buscaram avaliar as transformações no emprego e na renda das famílias rurais em 11 estados brasileiros, visando detectar, como o próprio título do projeto sugere, as novidades do mundo rural brasileiro, desde os anos de 1990, a partir das informações coletadas pela PNAD/IBGE14.

Em relação aos anos noventa do século XX, o período de análise compreenderá os Governos de Itamar Franco (199215-1995) e 1º e parte do 2º Governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-1999). No que diz respeito aos anos 2000, o período investigado envolve o Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2009)16. Cabe destacar, desde já, que, na medida em que grande parte das políticas públicas direcionadas à agricultura familiar foi constituída no Governo Lula, a despeito do PRONAF ter sido criado no Governo FHC no ano de 1996, a análise de praticamente todo o período daquele governo favorece a

13 As áreas censitárias, consideradas rurais pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD –,

compreendem cinco tipos: 1) área rural de extensão urbana; 2) aglomerado rural (povoado); 3) aglomerado rural núcleo; 4) aglomerado rural (outros); 5) área rural exclusive aglomerado rural. O rural agropecuário, portanto, é constituído pela soma dos números 3 e 5. A ideia de separar o rural agropecuário é tentar reconstruir os espaços considerados predominantemente agrícolas que são, por excelência, espaços apropriados por um único dono (público ou privado).

14 A produção científica gerada pelas pesquisas do Projeto Rurbano pode ser encontrada no site:

http://www.unicamp.br/pesquisa/NEA/pesquisas/rurbano.

15 Cabe relembrar que Itamar Franco só assume no final de dezembro e que no período em que a PNAD foi

realizada, em 1992, Fernando Collor era ainda presidente.

investigação deste trabalho acerca do papel das políticas públicas no avanço da pluriatividade entre as famílias da agricultura familiar. Dessa forma, considera-se que esses períodos possibilitarão reconhecer o caminho da política pública, direcionada a um segmento específico da agricultura brasileira em termos de avanços e desafios nos anos 1990 e 2000.

O período temporal aqui escolhido exclui os anos de 200017 e 2001. Isso é justificado em função do fato de que a PNAD, a partir de 2002, adequou sua metodologia de classificação de ocupações de pessoas conforme os procedimentos de análise utilizados pela Classificação Brasileira de Ocupação Domiciliar (CBO) e a Classificação Nacional de Atividades Econômicas Domiciliar (CNAE). Diante dessa mudança, classificações de atividades antes utilizadas na PNAD de 2001, apresentavam divergências em relação ao ano de 2002.

Conforme a tipologia definida pelo Projeto Rurbano, as famílias são classificadas, inicialmente, segundo a posição na ocupação, podendo ser chamadas de: empregadores com mais de dois empregados, empregadores com até dois empregados, contas-próprias, empregados e não-ocupados.

Essa tipologia foi assim estabelecida: caso haja na família algum indivíduo que seja empregador, essa família é classificada como empregadora com até dois empregados, ou como empregadora com mais de dois empregados. Inexistindo na família um empregador, mas havendo pelo menos um membro da mesma que seja conta-própria, ela é classificada como conta-própria. Não existindo nenhum empregador, tampouco um membro conta- própria, mas ao menos uma pessoa trabalhando como assalariada na semana de referência da PNAD, essa família é considerada, pela metodologia do Rurbano, como família de empregados. Não havendo nenhum membro ocupado na família, naquela semana, ela é então considerada de não-ocupados.

Outra forma de classificar as famílias rurais refere-se ao ramo de atividade em que elas estão inseridas e, enquanto tal, elas podem ser tipificadas em: agrícola, pluriativa e não agrícola. Para esclarecer essa tipologia, utiliza-se como exemplo as famílias de contas- próprias. Antes de prosseguir, cabe destacar, que os exemplos a serem dados a seguir se verificam para todos os outros tipos familiares, segundo sua posição na ocupação, como mencionados acima.

Caso exista numa família de conta-própria pelo menos um indivíduo ocupado na agricultura e nenhum outro fora dela, então essa família é classificada como conta-própria agrícola. Todavia, se nessa família existir pelo menos um membro na atividade agrícola e ao menos outro ocupado em atividade considerada não agrícola, essa família será classificada como conta-própria pluriativa18. Se houver na família pelo menos um membro ocupado fora da agricultura e nenhum outro na agricultura, essa seria uma família considerada conta- própria não agrícola.

Definiu-se, então, a agricultura familiar da seguinte forma: unidades familiares empregadoras (com no máximo dois empregados permanentes), e unidades familiares de conta-próprias, dedicadas total ou parcialmente às atividades agropecuárias. Assim sendo, do ponto de vista do ramo de atividade, no interior daqueles dois tipos de famílias, fazem parte da agricultura familiar aquelas famílias classificadas como agrícolas e pluriativas.

A verificação que será feita para descobrir se existe ou não uma tendência na evolução do número de famílias e de pessoas nas Tabelas que serão apresentadas ao longo do texto, é baseada em um modelo de regressão log-linear contra o tempo19, com a seguinte especificação (baseado em NEDER, 2000):

Yt= φeθt Onde:

Yt: o valor da estimativa da PNAD para o ano t φ: um parâmetro a ser estimado da regressão θ: um parâmetro a ser estimado da regressão e: a base dos logaritmos naturais

t: o tempo (ano da PNAD; t = 2002, 2003, ... , 2008)

18 É considerado família de conta-própria pluriativa “tradicional” no caso de combinação de um conta-própria

agrícola e um assalariado agrícola na mesma família (não se considera pluriativa “tradicional” a família de assalariados que tem dois, ou mais, membros assalariados agrícolas).

19 Esse modelo de regressão log-linear é utilizado para a determinação de taxas de crescimento ao longo do

tempo e não apenas entre dois pontos extremos de uma série temporal – de modo que se evitam possíveis efeitos

devidos a valores atípicos nas extremidades de uma série de tempo, que podem levar à subestimação ou superestimação da taxa de crescimento, conforme Neder (2000). Os leitores poderão encontrar maiores detalhes, com exemplos empíricos, do modelo log-linear em Neder (2000), Hoffmann (2000) e Gujarati (2006).

Uma vez que esse modelo é não-linear, para transformá-lo em um modelo de regressão linear, aplica-se o logaritmo natural nos dois lados da expressão, obtendo-se o seguinte modelo log-linear:

lnYt = lnφ + θt ou Y’t = φ’ + θt (onde: lnYt = Y’t ; lnφ = φ’) (θ: estimativa do coeficiente de regressão)

A taxa de crescimento média ao ano estimada para o período em análise – ou seja, não apenas em um ponto do tempo – é igual a:

[(eθ– 1) x 100]

Por fim, o teste t é utilizado para testar a significância do parâmetro θ, uma vez que pode ocorrer que o teste t para a hipótese de que θ = 0 não seja significativo, o que implica em que, nesse caso (θ = 0 ou eθ = 1), ao nível de significância adotado, deve-se concluir que os dados não permitem rejeitar a hipótese de que Yt não tem tendência de crescimento ou decrescimento ao longo da série de tempo observada. Ocorrendo θ > 0 ou θ < 0, pode-se falar, então, em tendência de crescimento ou decrescimento ao longo da série de tempo observada (HOFFMANN, 2000).

Conforme a metodologia acima descrita, a seção que segue apresenta o universo das famílias rurais das Regiões Nordeste e Sul do Brasil.

1.3 Dinâmica dos tipos de famílias rurais da Região Nordeste e Sul do Brasil, nos