Sobre os usos dos rios mais distantes não houve respostas, mesmo quando estimulados. O grupo apenas mencionou a necessidade de cada comunidade valorizar seus sistemas fluviais mais próximos, pois nessa medida, todos os corpos d’água em uma cidade seriam respeitados e objetos de luta.
Esta posição do grupo pode ser interpretada de duas formas: primeiro, a falta de identidade com os outros rios da cidade e, conseqüentemente, a não identificação de seus usos, mesmo que de forma indireta; e segundo, a preferência dos participantes em discutir o contexto e os problemas locais.
2° Bloco de questões – Qual a importância dos rios em uma cidade? E a importância do Rio do Cobre e seus afluentes?
Na realidade, estas perguntas visavam comparar as respostas das questões anteriores e averiguar a consistência dos argumentos do grupo. Além disso, identificar, de forma complementar, as funções dos rios em uma perspectiva mais ampla, do que simplesmente a visão utilitarista (solicitada na questão anterior).
As respostas foram muito interessantes. Nesta, o grupo não fez distinção entre os rios da comunidade e os da cidade. A discussão permeou na importância do rio como um elemento natural independente de sua localização espacial.
Para não haver alterações de conteúdo, as respostas foram transcritas de forma integral e utilizando os termos da comunidade. Logo, a importância dos rios, que neste trabalho corresponde à “função”, está diretamente relacionada com a:
manutenção do planeta;
sobrevivência do homem e como alimento essencial;
garantia do ciclo da água;
interação, refrigeração e despoluição do meio ambiente;
alimentação do lençol freático;
manutenção do verde no meio ambiente;
sensação gratificante de ver e sentir a água na forma de um rio bonito;
necessidade do lazer;
importância do contato com o rio, intermediado por intervenções urbanísticas;
redução de estresse por meio do contato com os elementos da natureza;
utilização para cultos religiosos.
Portanto, pode-se constatar que a comunidade identifica a questão semântica entre os termos uso e importância. O primeiro está associado ao seu contexto local, enquanto que o segundo à um nível mais abstrato e amplo do conhecimento. Esta diferenciação confirma a proposição deste trabalho: de que os rios devem ser gerenciados em uma perspectiva que garanta sua importância, ou funções, ecossistêmicas e sociais e não na perspectiva do uso, que conforme comprovado pelo resultado do grupo focal, é muito mais limitada.
Conclui-se também, que as funções apresentadas pela comunidade estão em completa sintonia com as proposições desta pesquisa. Ao mesmo tempo em que a legitima, confere notoriedade à participação popular como forma de gestão do espaço.
3° Bloco de questões – Como vocês reconhecem se um rio está degradado ou conservado? Quais são os piores problemas dos rios da bacia do Cobre?
A primeira parte desta questão almejava obter de forma indireta indicadores de sustentabilidade que são usadas de forma empírica pela comunidade. Assim, a comunidade respondeu que reconhece a degradação do rio por meio de:
odor;
ausência de mata ciliar;
peixes mortos ou com dificuldade para respirar;
lixo nas margens e no corpo d’ água;
cor (na qual a transparência é sinônimo de qualidade) 27;
canais fluviais revestidos;
ocupações indevidas junto ao canal que reduzem o espaço natural do rio;
27 O grupo mostrou ter consciência de que nem toda água límpida tem boa qualidade, mas argumentou que a cor
casos de leptospirose na comunidade.
A segunda parte, visava conferir os impactos descritos no Capítulo 05, contextualizar a assertiva da crescente degradação da Bacia do Rio do Cobre denunciada pela comunidade e correlacionar tais impactos com a proposição de soluções que será tratada na próxima questão. Assim, foram levantados:
esgotos domésticos lançados diretamente em nascentes e trechos de rio;
lançamento (e/ou vazamento) de efluentes de dois matadouros, indústria metalúrgica, e uma pedreira que existe na área;
lançamento de esgoto por parte de empresas do tipo “limpa fossa” na áreas da nascente da Lagoa da Paixão;
ineficiência do Programa Bahia Azul que não incorporou a totalidade de domicílios da área;
irresponsabilidade do Programa Bahia Azul que em alguns pontos da bacia lança esgoto diretamente no rio após coleta pela rede geral. Isso está relacionado com o fato da EMBASA, não ter adotado uma solução tecnológica para transportar os esgotos coletados na área do Subúrbio de Salvador para a Estação de Condicionamento Prévio de Esgotos do Rio Vermelho;
contaminação do lençol freático e dos rios superficiais com metais pesados, óleos, graxas;
tubulação de água tratada da EMBASA em contato direto com córregos completamente contaminados por esgoto;
ineficiente fiscalização dos órgãos de gestão, a exemplo da: SUCOM, SUMAC e Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia – CONDER;
ocupações indevidas nas áreas adjacentes aos canais fluviais;
invasão por movimentos sem teto da área de preservação permanente da Lagoa da Paixão;
venda de imóveis, cedidas pelo Poder Público, em projetos de regularização fundiária e a conseqüente invasão de outras áreas de fragilidade ambiental na bacia;
a crescente densidade demográfica da cidade de Salvador;
alteração do curso do rio seja pela ocupação desordenada, ou ainda, deliberadamente pelo Poder Público;
assoreamento dos cursos d’ água e principalmente da Lagoa da Paixão;
aterramento das nascentes, inclusive pelo Poder Público para construção de habitações populares;
enchentes e alagamentos;
mortes de pessoas da comunidade por leptospirose e outras doenças relacionadas à água e aos eventos de inundação de residências.
4° Bloco de questões – Se vocês fossem gestores como resolveriam o problema dos rios na Bacia do Rio do Cobre? E os problemas dos rios na cidade?
A última questão visava construir com a comunidade propostas de gestão para os rios urbanos. Além disso, avaliar se tais sugestões possuíam analogia com as funções e os indicadores mencionados. Para a solução dos problemas dos rios na Bacia do Rio do Cobre, o grupo apresentou questões de âmbito mais gerencial, a saber:
revitalização do Parque São Bartolomeu, a partir da implementação de projetos já existentes;
zoneamento da Bacia do Rio do Cobre, incluindo a APA Bacia do Cobre São Bartolomeu, de forma iminente a fim de conter as crescentes invasões e o ordenamento do uso do solo;
preservação das áreas verdes e minadouros;
pressão popular junto aos órgãos públicos, a exemplo da SUCOM, visando a ordenação e fiscalização do uso do solo;
proibição do aterramento e alteração dos cursos d’água, visando garantir o espaço legítimo dos rios;
retirada de ocupações irregulares na área de vazão do rio e desocupação de vales;
recuperação da mata ciliar, inclusive, quando possível, aliado à projetos paisagísticos;
um efetivo esgotamento sanitário e o fim do lançamento de efluentes e resíduos nos cursos d’ água;
luta pela manutenção e ampliação do uso das águas da Bacia do Rio do Cobre para abastecimento humano, visando garantir a proteção e utilização do manancial pela EMBASA;
projeto de urbanização sócio-ambiental no modelo de parque-linear, com a organização de áreas de lazer ao entorno do rio.
Em resposta às formas de gestão dos rios das cidades, o grupo apresentou as seguintes proposições mais direcionadas no nível do planejamento:
a garantia da educação de qualidade;
ampliação e fortalecimento da educação ambiental nas escolas, comunidades e para os gestores públicos;
implementação de medidas para conscientização e divulgação da importância dos rios;
revisão, e se necessário correção, das diretrizes e ações realizadas pelo Programa Bahia Azul na cidade;
solução (coleta e tratamento) para o esgoto sanitário gerado na cidade;
proteção das nascentes e minadouros;
projetos de recuperação e despoluição para todos os rios da cidade de Salvador;
projetos de regularização fundiária com habitação decente e saneamento eficaz;
diagnóstico e planejamento territorial de forma participativa;
investimentos no potencial do rio com áreas de lazer e turismo;
implantação de parques lineares ao longo do rio, por meio de uma urbanização sócio- ambiental, a fim de evitar a ocupação desordenada;
uma maior inter-relação entre o Ministério Público, os órgãos técnicos, a Universidade e a comunidade na construção participativa de formas de gestão.
Cabe ressaltar, que associado às informações levantadas, o grupo demonstrou grande discernimento ao reconhecer que a grande parte dos problemas identificados são causados pela própria comunidade. No entanto, justificam que tais ações, na maioria das vezes, é conseqüência da inércia do Poder Público ou de uma gestão ineficiente, paliativa e fragmentada; assim como, tem consciência que a solução dos problemas perpassa por questões mais amplas como a melhoria das oportunidades para uma vida digna.
No âmbito desta pesquisa, conclui-se que os objetivos do grupo focal foram alcançados e que o conteúdo exposto se encaixa coerentemente com as categorias do marco hierárquico do sistema. Além disso, comprova-se que a comunidade, representada por meio de suas lideranças legítimas, tem muito a contribuir, pois conhece a realidade local e possui um olhar especial e preciso sobre o tema, compreendendo as causas e as conseqüências da problemática e complementando a visão acadêmica.
As respostas do 3° e 4° Bloco de questões demonstram que a comunidade identifica claramente os problemas da área, especialmente no sistema hídrico. Além disso, apresenta contribuições à proposta deste trabalho, na medida em que pontua indicadores de estado e faz proposições de gestão, ambos contextualizados, mas que podem ser generalizados e, portanto, constituem informações essenciais na composição do sistema de indicadores.
6.2.3 Resultado da reunião técnica com especialistas.
A reunião técnica realizou-se nos dias 12 e 21 de maio de 200828, na Escola Politécnica da UFBA, e contou com a presença de dez especialistas de formação interdisciplinar, conforme descrito no (Apêndice E e Foto 13).