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Fonte: Elaboração própria, com dados de BDEP. Para que isso se concretizasse, novos estudos de sísmica foram contratados para o melhor conhecimento dessa bacia, além de embarcações com sondas para perfuração e exploração em mar e plataformas de produção de tipo fixa para dar início às atividades comerciais nessa nova fronteira do petróleo no território nacional. Mas com base no discurso de maior “racionalidade econômica”, em 1975, se tomou a decisão de permitir à Petrobrás a assinatura de contratos de serviço, com cláusulas de risco, com firmas estrangeiras, os chamados contratos de risco (Carvalho, 1977). Assim, pela primeira vez desde o estabelecimento do monopólio da

produção, passam a atuar nas atividades de exploração e produção empresas estrangeiras, dentre elas: Shell, Exxon, Texaco, BP, ELF, Total; além de companhias brasileiras, como: Paulipetro, Azevedo Travassos, Camargo Corrêa (Lucchesi, 1998). Apesar desses contratos não terem redundado em outras grandes descobertas (Machado, 2018), é importante frisar que a primeira descoberta por uma empresa sob contrato de risco, a Pecten, ocorre na Bacia de Santos, e redunda no campo de gás de Merluza (Lucchesi, 1998), hoje em operação pela Petrobras.

Apesar dessas alterações normativas e da dependência tecnológica, visto que até o ano de 1975 quase todas as plataformas fixas para águas rasas e os equipamentos utilizados na produção na Bacia de Campos serem importados, a Petrobras reforça sua centralidade no CEP do petróleo no território nacional. Isso se dá a partir de movimentos feitos por um importante agente do CCE técnico-científico da indústria brasileira de petróleo, em especial da Petrobrás, o CENPES (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello), principalmente a partir da implementação da área de E&P nesse centro de pesquisa, entre o final da década de 70 e início da década de 80 (Caetano Filho, 2010).

A esse movimento dentro da Petrobras e do CENPES, André Furtado (1996) chamou de “guinada para o upstream”, a partir do momento em que a empresa começou a empenhar mais fortemente um esforço tecnológico interno, o que pode ser observado no Gráfico 5. Isso se expressa fortemente a partir de novos investimentos da empresa estatal no desenvolvimento tecnológico para esse novo ambiente de exploração e produção. Conjuntamente eles se concretizam nos Programas de Capacitação Tecnológica em Águas Profundas (PROCAP), em suas versões 1000 (1986-1991) e 2000 (1992-1999) (Freitas, 1993; Neto, Benedito e Costa, 2007; Furtado e Freitas, 2009).

Gráfico 5. Volume de investimentos da Petrobras (1965-1996) por setor de atuação da empresa.

Fonte: elaboração própria, com dados de Petrobras. Todavia, é importante lembrar que o processo de centralidade do segmento do upstream é um processo mundial que tem como gênese histórica o contra-choque de 1986. A partir desse momento, as empresas petrolíferas passam a investir fortemente no desenvolvimento tecnológico desse segmento (Boy de la Tour, 2004). Atualmente, ela ainda pode ser considerada central no circuito por três motivos: o acesso a matéria-prima e a recurso energético cuja indústria mundial ainda se mostra profundamente dependente; as altas taxas de lucro possíveis de serem geradas pelo preço relativamente alto que tal commodity alcança nos últimos 20 anos, conjuntamente com os avanços tecnológicos em E&P que autorizam a diminuição dos custos de produção (Campos, 2005); e mais recentemente ganha um

novo impulso a partir do descobrimento de novas reservas, singularmente no chamado “triângulo de ouro83” do mar profundo (Boy de la Tour, 2004).

No caso brasileiro, esse movimento, profundamente guiado pelos investimentos da Petrobras, se reflete nos volumes da produção, segundo o ambiente de origem desse recurso, se em terra ou mar, como pode ser observado no Gráfico 6. De modo que, além de uma “guinada para o upstream”, também se observou uma “guinada para o mar”, que a partir do ano de 1982, passa a representar mais de 50% do volume total produzido no território nacional.

Gráfico 6. Volume de produção de petróleo no Brasil (1941-1996) por ambiente de produção (mar e terra), em barris.

Fonte: elaboração própria, com base em dados de ANP. A partir do controle do preço do petróleo, durante o início da década de 80, as etapas de refino deixam de ser as mais valorizadas, de forma que as grandes

empresas globais petrolíferas passam a integrar as etapas de upstream e downstream (D’Almeida, 2015). A busca por novas jazidas passam a ser cada vez mais disputadas entre as empresas, com o intuito de aumentarem suas reservas. No contexto de financeirização de suas ações, possuir grandes reservas provadas de óleo se faz importantíssimo, pois o mercado financeiro tem como principal “termômetro” de investimentos nesse setor os volumes de petróleo em reservas provadas que essas empresas possuem.

No entanto, o Brasil, assim como diversos países da América Latina (Argentina, Bolívia, Venezuela, México e Uruguai), ainda preservavam suas reservas sob o monopólio de exploração por meio de suas empresas estatais, apesar da tentativa de flexibilização do monopólio por meio dos contratos de risco (Moraes, 2018). Nesse contexto de maior competição por novas reservas, o Brasil começa a ser alvo do movimento das grandes companhias de petróleo, principalmente dadas as novas descobertas em diversas bacias sedimentares, em especial na Bacia de Campos. O que se expressa na pressão cada vez maior por parte das grandes empresas privadas de petróleo, dos países onde estão sediados e igualmente agentes ligados ao CCE financeiro, que passam a ganhar mais força no período seguinte.

A quebra do monopólio da Petrobras, emergência do modelo de concessão e o estabelecimento da produção em mar (1997-2006)

O período em questão não tem como principal marca desenvolvimentos técnicos nas atividades de exploração e produção de petróleo. Em contrapartida, ele é marcado por uma profunda mudança normativa, certamente a mais radical desde a promulgação da Lei nº 2.004, de 1953. Isso ocorre a partir da aprovação da Lei nº 9.478, de 1997, conhecida como “Lei do Petróleo”, que revoga a anterior, ao quebrar o

monopólio estatal da exploração e produção de petróleo no país e traz profundas alterações à estrutura organizacional da Petrobras.

No bojo das políticas neoliberais que marcaram a década de 1990 no Brasil, a aprovação da “lei do petróleo” abre diversas frentes de entrada aos agentes privados internacionais no CEP do petróleo no território brasileiro. Dentre elas, claramente está a ampliação dos CCEs financeiros que a Petrobras passa a estruturar no seu interior, dada a alteração do estatuto social da empresa que permite a abertura e negociação de suas ações nas bolsas de valores. Como pode ser observado no Gráfico 7, logo após essas alterações, há o lançamento de ADRs (American

Depositary Receipt) na Bolsa de Nova York e forte movimentação de agentes privados,

inclusive estrangeiros, na compra desses ativos financeiros, além de participarem do conselho de administração da empresa (Lessa, 2006).

Gráfico 7. Composição do capital social da Petrobras (1992-2006)

Tal evento tem como uma de suas principais origens a profunda reforma de aparelho do Estado brasileiro que se buscava realizar naquele momento, que contava como um de seus objetivos globais a limitação da ação do Estado sobre a produção de bens e serviços, reservando-a para a iniciativa privada (Bresser-Pereira, 1995, p. 45). No entanto, o que de fato se vê no caso específico da Petrobras, não é uma retirada completa do Estado das determinações da empresa, visto a manutenção da nomeação dos diretores da empresa sendo feita pelo governo federal e a maior parte das cadeiras do conselho de administração. Mas sim um “novo regime de governo que admite apenas o princípio do “stakeholders”, ou seja, as partes interessadas (Dardot e Laval, 2016a), que no caso das empresas estatais, como a Petrobras, passam a ser fortemente pautadas por lógicas como a do shareholder

values (valores dos acionistas), próprias dos agentes participantes do mercado

financeiro. O que aprofunda enormemente as tensões dialéticas entre as “duas faces” que marcam os agentes estatais produtivos, principalmente a Petrobras: entre o público e o privado, que desde a década de 1970 já se mostrava latente (Abranches, 1975; Contreras, 1993); mas também entre o interno e o externo, o nacional e o internacional (Egler e Rio, 2015), que também já se fazia presente desde 1990, quando se iniciam os investimentos internacionais da empresa (Gráfico 5).

Em razão da quebra do monopólio da Petrobras, empresas petroleiras internacionais passam a agir diretamente no CEP do petróleo no território nacional. Apesar de algumas já terem atuado em alguns contratos de risco, e que foram extintos com a Constituição de 1988, suas ações possibilidades de ação no Brasil se tornam mais abrangentes e perenes, pois passam a agir sob contratos de concessão. Com base nesse modelo de licitação, a empresa estatal passa a ter o mesmo estatuto jurídico em relação às demais empresas petrolíferas, pois passa a participar dos leilões de blocos de exploração e campos de produção do mesmo modo que as

demais, podendo participar desse processo por meio de consórcios ou com propostas individuais.

Esse regime jurídico, que também recebe o nome de modelo de concessão pura, permite que a empresa concessionária receba a propriedade do petróleo após a sua produção durante um dado período de tempo. Em outras palavras:

A transferência de titularidade do produto da lavra em favor do concessionário é, então entendida como contrapartida dos custos de E&P e dos riscos incorridos pela empresa concessionária ao longo da concessão, bem como dos pagamentos realizados pela empresa ao governo (Tolmasquim e Junior, 2011, p. 31).

O Estado, em contrapartida, pode exigir da empresa certos compromissos de exploração e pagamento de tributos, como royalties, participações especiais, bônus de assinatura para o contrato de licitação, dentre outros. Desse modo, tanto a empresa estatal quanto as demais petroleiras multinacionais passam a atuar no território nacional sob condições muito semelhantes. De modo que os dispositivos de coordenação do Estado sobre esse circuito passem a se centrar principalmente, mas não exclusivamente, no apoio a novas infraestruturas e nos aspectos normativos, que, por sua vez, são deixados a cargo das agências reguladoras setoriais, no caso a ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Também criada a partir da Lei do Petróleo, tal agente passa a compor e complexificar ainda mais o CCE normativo, além de reforçar a centralidade da cidade do Rio de Janeiro no comando e coordenação do circuito no território nacional, visto que, apesar de vinculado ao Ministério de Minas e Energia (MME), também mantém um de seus escritório nessa cidade, além de outros, como o localizado na capital federal.

Além de mudar completamente o trato que o Estado tem com esse recurso, tal quadro normativo também acaba, por diversas razões, por submetê-lo aos imperativos das grandes empresas petroleiras e suas lógicas de mercado. Isso se

reflete, principalmente pela lógica dos leilões de concessão, pois, ainda que o Estado ofereça um conjunto de blocos ofertado ele almeja ser utilizados, será necessário que as empresas, segundo seus desígnio, se interessem e façam suas propostas. O que pode ser um dos principais elementos que explicam a grande concentração de poços de produção e exploração na Bacia de Campos durante este período, como pode ser visto no Mapa 16. Pois, em grande medida, as descobertas de grandes reservatórios de petróleo na Bacia de Campos, ocorridas ainda no período precedente, mas que continuam neste, fazem com as empresas petrolíferas, inclusive a própria Petrobras, deem prioridade a essa bacia, em detrimento das demais.