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O Poder Legislativo nas análises das relações civis-militares no Brasil

1. AS RELAÇÕES CIVIS-MILITARES E O PODER LEGISLATIVO

1.1 As relações civis-militares no Brasil

1.1.1 O Poder Legislativo nas análises das relações civis-militares no Brasil

estudos sobre o papel do Poder Legislativo na área de defesa, mas, nesse caso, a balança pende de forma mais acentuada para uma visão pessimista das atividades do Congresso nesse tema. Entre os que argumentam que os militares mantiveram prerrogativas incompatíveis com a democracia, há o entendimento de que a atuação precária do Poder Legislativo nas políticas de defesa e no controle e fiscalização dos militares contribui para esse quadro. Dentre os autores, Zaverucha (2000) é novamente um dos mais assertivos. Ele faz uma releitura da lista de prerrogativas militares proposta por Stepan (1988) e estabelece uma relação de quinze variáveis independentes no modelo. Duas dessas variáveis envolvem o Legislativo: falta de rotina legislativa e de sessões

detalhadas sobre assuntos militares domésticos e de defesa nacional e ausência do Congresso na promoção de oficiais-generais. De acordo com o autor, essas

prerrogativas pouco mudaram desde 1988.

No grupo que avalia as relações civis-militares como bem ajustadas, há uma quantidade menor de pesquisadores que consideram adequadas as atividades do Congresso nas questões de defesas, como Hunter (1997). Dentre os demais autores, o artigo de Bruneau e Tollefson (2014) oferece uma visão original. O texto admite as deficiências na atuação do Congresso Nacional nesse tema, mas argumenta que o sistema político brasileiro dispõe de diferentes instrumentos de checks and balances, como o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União, que complementam o controle e a fiscalização aos militares.

Os trabalhos empíricos que se dedicaram a pesquisar especificamente a atuação do Congresso Nacional nas questões de defesa revelam, no entanto, um cenário mais consensual. Quase todos os estudos indicam que há um desinteresse dos parlamentares sobre o tema. Flemes (2005) destaca a reduzida atuação das comissões do Senado e da Câmara dos Deputados no controle e na formulação de políticas para o setor. Essas comissões compartilham a temática da defesa com a de relações exteriores, que acaba recebendo muito mais atenção. O autor menciona também o número insuficiente de

21 servidores de carreira especializados na área de defesa. Isso compromete o nível de assessoramento recebido pelos parlamentares.

O estudo de Castro Santos (2005) sobre a atividade de controle do Congresso obtém um resultado ambíguo. Se, por um lado, as audiências públicas realizadas têm cumprido a função de reduzir a assimetria de informação, por outro, os demais instrumentos de controle têm sido pouco relevantes.

Para Amorim Neto (2010), o Congresso abdicou de sua autoridade em matéria de defesa durante o maior período desde a redemocratização. Para chegar a essa conclusão, o texto avalia o grau de delegação dessa matéria ao Executivo. Inspirado no modelo proposto por Lupia e McCubbins (1998), o autor estabelece duas condições para a delegação ao Executivo: a condição de incentivo, quando o agente delegado é capaz de realizar proposta melhor que o mandante, e o nível de conhecimento, quando o mandante apresenta condições de apreciar corretamente a proposta do agente delegado. Apenas com a ascensão de Nelson Jobim ao Ministério da Defesa, em 2007, foi cumprido o primeiro requisito. A reduzida assessoria na área de defesa no Senado e na Câmara dos Deputados e a pouca experiência dos parlamentares no tema inviabilizam o cumprimento da segunda condição.

Marques (2006, p. 70) reforça a ideia de inoperância do parlamento na área de defesa, mas chama a atenção para o crescente interesse dos congressistas pela presença militar na Amazônia:

A defesa da Amazônia, ao contrário de outros temas relacionados com a defesa nacional, ultrapassou os muros da caserna e ganhou destaque no Parlamento. A percepção de que a soberania do Estado brasileiro sobre a Amazônia está ameaçada já motivou, direta ou indiretamente, várias comissões parlamentares de inquérito (CPIs) e a convocação de autoridades civis e militares para prestar esclarecimentos nas comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional.

Nessa relação de trabalhos, é interessante mencionar um projeto desenvolvido por Zucco e Power (2013) que avalia, por meio de surveys, as crenças dos parlamentares sobre diferentes temas em pauta nas casas legislativas. Apesar de essa pesquisa não tratar especificamente de relações civis-militares, os autores captam a opinião dos congressistas sobre o dispositivo constitucional que confere aos militares a garantia da lei e da ordem. Os dados coletados por meio de questionários de quatro em quatro anos, desde 1990, apresentam um resultado curioso. Trata-se de um tema que divide os

22 parlamentares, como indica o Gráfico 1.1. Ainda assim, uma pequena maioria tem sido contra desde 2005 à supressão desse dispositivo.

Gráfico 1.1. Opinião dos parlamentares sobre o dispositivo constitucional que confere aos

militares a garantia da lei e da ordem (1990-2013)

Fonte: elaborado pelo autor com base nos dados de Zucco e Power (2013)

Por fim, convém destacar que a atual visão pessimista em relação aos trabalhos legislativos na área de defesa não se aplica a outros períodos históricos do Congresso Nacional. Brigagão e Proença Júnior (2015) resgatam a atuação do parlamento em dois momentos do nosso passado e adotam um tom elogioso para os trabalhos dos parlamentares na questão da defesa nesses períodos. De acordo com os autores, a forma como os senadores conduziram as discussões sobre a Reforma Militar e sobre a aquisição de uma frota de guerra no início do século passado foi satisfatória. Já na

República de 46, houve debates substantivos sobre a possível participação brasileira na

Guerra da Coréia (1951-1954) e na primeira Missão de Paz da ONU (Unef, no Sinai, 1956-1965). 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 1990 1993 1997 2001 2005 2009 2013 A favor Contra NS/NR

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1.2 Funcionamento do Congresso e comportamento parlamentar