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Poder local, participação política e construção da cidadania

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CAPÍTULO 1 Estado e Sociedade: uma breve revisão bibliográfica

7. Poder local, participação política e construção da cidadania

No quadro das transformações associadas à globalização e à implementação de reformas macro- estruturais, tem-se observado, em vários países em desenvolvimento, nas últimas décadas, a crescente transferência de responsabilidades e de competências do governo nacional para os governos locais. Com a valorização política do nível local de governo, evidenciada na descentralização e municipalização de políticas públicas, além de mudanças na organização e funcionamento dos governos, busca-se estabelecer as condições necessárias à inserção competitiva das economias nacionais no movimento global da economia. O resultado desse movimento tem sido uma alteração significativa do sistema de decisões municipais e das práticas dos atores políticos. No novo contexto, torna-se importante a discussão sobre o papel do Estado, tanto nas atividades econômicas como no financiamento e promoção de políticas sociais, sobretudo aquelas voltadas para segmentos historicamente excluídos do processo de desenvolvimento.

Várias representações teóricas sobre a questão tem surgido, recentemente, sobretudo a partir de estudos empíricos que apontam para uma possível crise de governabilidade e de legitimidade do Estado, em razão do comprometimento de suas bases de sustentação pelas transformações econômicas e sociais em curso. A idéia da gestão local como arte do empreendimento e da construção de espaços de negociação e de consenso, passou a prevalecer sobre concepções até então estabelecidas, como, por exemplo, aquela que se refere à gestão pública como resultante do papel contraditório do Estado capitalista e do conflito de classes. E mesmo a concepção de um governo de bem estar social fundamentado em padrões universalistas de justiça social, que norteou a ação governamental em vários países, nas últimas décadas, tem perdido espaço para a idéia do “bom governo”, entendido como a capacidade dos governos locais de se integrarem aos mercados globais e competirem com maior eficiência econômica, sem esquecer, mas nem sempre priorizar, a justiça social.

As proposições de organismos multilaterais, a exemplo do Banco Mundial, tem se tornado referência em grande parte da produção teórica sobre o poder local e a gestão das cidades. Recentemente, a questão ambiental tem merecido a atenção desses organismos multilaterais, sobretudo a partir da pressão de setores da sociedade civil que se organizam e reivindicam medidas de combate aos efeitos negativos da degradação ambiental.

O Banco Mundial (1990), em documento divulgado no início dos anos noventa, reconhece a relação existente entre a economia urbana e o desempenho macroeconômico, estabelecendo um novo modelo de análise, segundo o qual os problemas urbanos não decorrem apenas de conflitos por provisão habitacional ou acesso à infra-estrutura urbana, mas também da falta de articulação entre as necessidades da população e a produtividade da economia urbana. Além disso, reconhece a existência de uma questão urgente a resolver que é a da pobreza urbana, cuja solução requer o aumento da produtividade das camadas mais pobres das cidades, por meio do acréscimo da demanda por mão de obra e de um melhor acesso à infra-estrutura e aos serviços sociais básicos. O documento chama também a atenção para o agravamento dos problemas ambientais mundiais e a lacuna na produção intelectual sobre a questão urbana, sugerindo a adoção de medidas que atenuem os efeitos negativos da degradação ambiental e o aumento da capacidade de pesquisa e conhecimento sobre os problemas detectados.

No modelo proposto pelo Banco, o poder público tem a função primordial de garantir um meio ambiente favorável aos negócios e ao desenvolvimento econômico, ficando em segundo plano a gestão e o planejamento da cidade. A prioridade agora é o desenvolvimento de políticas focalizadas que visem reduzir os desníveis crescentes de pobreza, percebida como um obstáculo crucial a ser enfrentado pelos governos locais. O quadro de referência da nova perspectiva é a inserção do local no contexto global, com a finalidade de fortalecer a capacidade institucional dos municípios, na direção do desempenho macroeconômico. A legitimidade política dos governos locais dependeria, nesse modelo, do adequado desempenho de suas novas funções, o que significa a criação de condições de governabilidade na nova ordem econômica e social. Uma vez reconhecida a inexistência de recursos e de instrumentos de intervenção por parte dos governos municipais, o Banco propõe a constituição de parcerias entre os setores público e privado, como forma de garantir a governabilidade.

Vários estudiosos da questão urbana tem argüido que as recomendações e os programas de reformas institucionais, propostos por organismos multilaterais e por governos do Primeiro Mundo para os países em desenvolvimento, ao desconhecerem ou não levarem na devida conta as especificidades das dinâmicas políticas no plano nacional e local, além dos aspectos históricos de cada situação, esvaziam a gestão municipal de seu sentido político, priorizando o lado técnico da questão.

Catells e Borja (1996) são autores que propõem uma nova abordagem da questão local e da governabilidade municipal, argumentando que não é mais possível ter uma definição universal sobre o papel dos governos locais. Nos tempos atuais, segundo eles, faz-se necessário o estabelecimento das competências e funções municipais segundo alguns critérios tais como a proximidade da relação com a população, a capacidade de gestão dos recursos políticos, sociais, econômicos e técnicos, a associação com outros níveis da administração pública e com agentes privados, assim como o atendimento das demandas sociais requeridas pela população. Para aqueles atores, “as cidades são e devem ser diferentes nas suas competências” e devem ser entendidas como atores sociais, a partir do novo papel que adquirem no mundo globalizado, tanto em termos econômicos como também no que se refere aos aspectos sociais e culturais. No novo contexto, as cidades se definem pela sua centralidade na estruturação funcional de um espaço regional descontínuo e assimétrico “e o governo local deve estabelecer funções para uma população e um território que vão além do que lhe corresponde histórica e legalmente”.

A referência a abordagens teóricas mais recentes da questão local e da valorização do nível local de governo na formulação e implementação de políticas públicas, tem o objetivo de chamar a atenção para a nova composição de forças presente nas práticas dos atores políticos e nas decisões governamentais no nível municipal. A busca da eficiência econômica dos municípios tem levado, como já foi evidenciado por alguns estudiosos, à priorização do setor privado como ator estratégico do processo de desenvolvimento. A crônica falta de recursos dos governos municipais propicia a subordinação, cada vez maior, ao poder econômico, levando ao esvaziamento de espaços participativos porventura criados para ensejar a participação da sociedade civil nas decisões governamentais.

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