• Nenhum resultado encontrado

Reestruturação produtiva, mundo do trabalho e relações Estado-sociedade

No documento Download/Open (páginas 80-84)

CAPÍTULO II As relações entre Estado e Sociedade no Brasil

4. Reestruturação produtiva, mundo do trabalho e relações Estado-sociedade

As relações entre o Estado e a sociedade tem sido, em grande medida, influenciadas pelas alterações nos processos produtivos e nas relações de trabalho que lhes dizem respeito.

Como já foi observado por vários estudiosos, as transformações no universo do trabalho vem afetando, de modo significativo, as sociedades industriais em todo o mundo. O processo de reestruturação produtiva, que se intensificou a partir da década de 1970, trouxe inovações tecnológicas e novas formas de gestão da força de trabalho que resultaram em altos índices de produtividade, alterações no relacionamento entre as empresas e nas formas de organização da produção, interferindo nas relações de trabalho e no processo de negociação com as instituições de defesa dos trabalhadores.

No Brasil, como observou Antunes (2006), foi durante a década de 1980 que ocorreram os primeiros impulsos de reestruturação produtiva que levaram as empresas a adotar novos padrões organizacionais e tecnológicos e novas formas de organização social do trabalho. É dessa época, também, o início da implantação dos métodos chamados de “participativos”, ou seja, de mecanismos que procuram o envolvimento dos trabalhadores com os planos das empresas. Começava, assim, a se estruturar o processo de reengenharia industrial e organizacional, decorrente de vários fatores. Em primeiro lugar, as imposições das empresas transnacionais levaram à adoção, pelas suas subsidiárias no Brasil, de novos padrões organizacionais e tecnológicos, em grande medida inspirados no toyotismo e suas formas flexíveis de acumulação. No âmbito dos capitais e de seus novos mecanismos de concorrência, as empresas brasileiras sentiram a necessidade de se preparar para uma nova fase, marcada por forte competitividade internacional. E no que se refere à organização dos trabalhadores, as empresas nacionais procuraram responder aos avanços do novo sindicalismo e às formas de confronto e rebeldia onde era significativa a experiência de base nas empresas, de que são exemplos as históricas greves do ABC paulista no pós-1978.

A partir dos anos noventa, a reestruturação produtiva do capital desenvolveu-se intensamente em nosso país, quando o fordismo, ainda largamente dominante, começava a receber as primeiras influências do toyotismo. Teve início, na época, um processo de descentralização produtiva, no qual várias industrias tradicionais, como a têxtil, se reorganizavam geograficamente, na busca de

níveis mais baixos de remuneração da força de trabalho e de incentivos fiscais ofertados pelo Estado. Segundo Antunes,

“Foi, portanto, a partir dos anos 1990, sob a condução política em conformidade com o ideário e a pragmática definidos no Consenso de Washington, que se intensificou o processo de reestruturação produtiva do capital no Brasil, processo que vem se efetivando mediante formas diferenciadas, configurando uma realidade que comporta elementos tanto de continuidade como de descontinuidade em relação às fases anteriores. Há uma mescla nítida entre elementos do fordismo, que ainda encontram vigência acentuada, e elementos oriundos das novas formas de acumulação flexível e/ou influxos toyotistas no Brasil, que também são por demais evidentes”. (Antunes, 2006)

No estágio atual de nosso desenvolvimento, os enxugamentos da força de trabalho combinam-se com mutações sociotécnicas no processo produtivo e na organização do controle social do trabalho. A flexibilização e a desregulamentação dos direitos sociais, assim como a terceirização e as novas formas de gestão da força de trabalho, convivem com o fordismo, que parece ainda preservado em vários ramos produtivos e de serviços.

De uma maneira geral, o universo do trabalho tem sido fortemente penalizado em conseqüência da reestruturação produtiva. Como observaram Santana e Ramalho (2001), embora a reestruturação tenha apresentado formas diferenciadas, quando se toma a realidade cotidiana, um traço que permanece constante tem sido o aumento da desregulamentação e da precarização, não só do trabalho mas de todo o sistema social montado a partir do mundo do trabalho, que passa de uma situação de proteção para um contexto de baixa proteção. Nesse quadro, a questão social retornou ao centro das preocupações, passando a figurar fortemente no ideário sindical:

“Dado o grau de instabilidade que tomou o antes seguro mundo do trabalho, a lógica da orientação sindical passou a lidar também com os deserdados (inseridos nas altas cifras de desemprego), e com os instáveis (aqueles que embora empregados, não podem se sentir em situação estável, nem dentro nem fora do trabalho)” (Santana e Ramalho, 2004, pág. 47).

O trabalho começa a ser pensado, como propõe Robert Castel, não apenas como uma relação técnica de produção, mas como um suporte privilegiado de inscrição na estrutura social. Além disso, passa-se a reconhecer uma forte correlação entre o lugar ocupado na divisão social do trabalho e a participação nas redes de sociabilidade e nos sistemas de proteção social.

Quando analisamos o caso brasileiro, percebemos que as transformações na estrutura produtiva e seus rebatimentos sobre a organização dos trabalhadores, desde os anos trinta do século passado, sempre tiveram a marca forte da presença do Estado. O mundo presidido pelo Estado nacional- desenvolvimentista, característico da primeira fase de nossa industrialização, era centrado no trabalho. Numa sociedade que se transformava, de uma sociedade agrário-exportadora em uma sociedade urbano-industrial, o trabalhador tornou-se o alvo privilegiado das atenções do Governo e as relações trabalhistas tornaram-se configuradoras da ordem social que se montava. Nessas relações, além dos trabalhadores e dos empresários, também participava o Estado, dirigindo com mão firme o processo de inclusão social por meio da entrada no mercado de trabalho.

Para alguns analistas, como Motta Salles (2000), por exemplo, a maneira como modelo fordista de produção se implantou entre nós pode explicar o fraco desempenho do movimento sindical na época. Segundo Motta, de forma rigorosa, não se pode falar de Estado fordista no Brasil, assim como não tivemos um Estado de Bem Estar Social, mesmo com a criação de leis sociais. É evidente que as grandes indústrias que aqui se implantaram, nos anos trinta, eram organizadas segundo o modelo taylorista/fordista. No entanto, o fordismo em sentido mais amplo, como um “modo de regulação”, não se aplica perfeitamente ao capitalismo brasileiro. Para haver fordismo nesse sentido é preciso um determinado padrão de barganha entre capital e trabalho, constituindo o círculo vicioso de um modo de regulação. No caso brasileiro,

“embora os sindicatos tenham importância inegável na ordem presidida pelo Estado Nacional-Desenvolvimentista, eles não tem a autonomia necessária, estando atrelados em seu funcionamento à lógica estatal, como já dissemos (um exemplo claro disso, é a conjuntura da redemocratização em 1945, quando o governo pede aos trabalhadores sua compreensão, “apertando o cinto”, sem fazerem greve, dadas as dificuldades do momento político, etc.). Há que observar, contudo, que o ajuste entre produção em massa e consumo de massa era perseguido pelos desenvolvimentistas, pois os discursos da época enfatizavam a necessidade de ser criado um mercado interno, e a distribuição de renda como

Após os anos de silêncio impostos pelo regime militar, o Brasil experimentou um grande dinamismo na vida sindical, sobretudo a partir do “novo sindicalismo” surgido no final dos anos setenta e que prosseguiu por toda a década de 1980. Nesse período, como observou Motta, o sindicalismo brasileiro esteve na contramão das tendências observadas em outros países, pois enquanto se encontrava em crise nos estados Unidos, na Europa e na maioria dos países latino- americanos, experimentava forte crescimento em nosso país, com um volume de greves entre os mais altos do mundo. Registra-se, também, na época, além da luta por melhores salários, a participação em campanhas mais amplas pela consolidação da institucionalidade democrática. É importante levar em conta que o mundo do trabalho já não se colocava como o único na questão do conflito social, em decorrência da entrada de novos sujeitos no cenário político. Os movimentos sociais concorreram para a politização de diferentes espaços e “quando novos personagens entram em cena” trazem questões variadas e específicas para discussão na esfera pública.

Em parte sob a influência da adoção do modelo flexível entre nós, percebe-se uma mudança no sentido da fragmentação do movimento sindical. Os sindicatos no modelo japonês, por exemplo, organizam-se por empresa e adotam comportamento do tipo cooperativo, seguindo a lógica de que o êxito da empresa beneficia seus empregados. A nossa organização sindical, oriunda do período getulista, encontra grandes dificuldades para se manter, uma vez que, no novo modelo, o conflito capital/trabalho é trazido para o âmbito da fábrica, não havendo mais lugar para uma estrutura sindical fiscalizada pelo Estado.

A terceira revolução industrial, com sua lógica excludente e estruturalmente poupadora de mão de obra, tem colocado o desemprego como uma das principais questões sociais, nos países ricos e naqueles que compõem a periferia do sistema capitalista. Além disso, o interesse pelas condições individuais do trabalhador é relativizada, uma vez que a produtividade já não depende do desempenho individual, estando ligada às instalações globais e ao esforço conjunto das equipes de trabalho.

Em conseqüência das mudanças, os níveis de sindicalização, nos países centrais, vem apresentando uma tendência acentuada de declínio, com variações entre os países.

No caso brasileiro, a perda de importância dos sindicatos está ligada, em grande medida, ao declínio do nacional-desenvolvimentismo, em cujo contexto os sindicatos constituíam um

instrumento de controle sobre a classe trabalhadora e uma fonte de legitimidade para os governos. A tendência de autonomização dos sindicatos em relação à tutela estatal é, ao mesmo tempo, uma tendência no sentido de maior fragmentação e pluralismo dentro do movimento sindical. A visão pragmática do novo sindicalismo tem levado ao incentivo de soluções localizadas, por unidade de produção, das reivindicações trabalhistas. Ao mesmo tempo, o governo tem proposto a livre negociação entre patrões e empregados no setor privado, reforçando a tendência à adoção de soluções diferenciadas, caso a caso.

As alterações no mundo do trabalho repercutem sobre as relações entre Estado e sociedade de forma indireta, refletindo-se nas dificuldades crescentes de manutenção dos arranjos e tipos de negociação que caracterizaram o Estado nacional-desenvolvimentista. A busca de autonomia por parte dos sindicatos de trabalhadores, a multiplicação de associações de todos os tipos, a sindicalização do homem do campo, a criação de associações de empresários paralelas às oficiais, são indicativos da busca, pelos atores sociais, de novos arranjos institucionais que superem o padrão corporativo herdado do passado, inadequado a uma sociedade civil em processo de expansão.

No documento Download/Open (páginas 80-84)