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O poder e o refluxo dos movimentos sociais: A Igreja Católica e as marchas do distrito

No documento Chão (páginas 195-200)

econômica, social, política e cultural brasileira e, como produtos dessa dinâmica, estamos impregnados de alienação e

Jardim Elisa Maria Operação Interligada em 1988 foram implantadas moradias que abrigaram moradores removidos

4.1 O caso do Trecho Norte do Rodoanel Mário Covas

5.1.1 O poder e o refluxo dos movimentos sociais: A Igreja Católica e as marchas do distrito

Ao longo de toda a pesquisa, ao participar de diversas mobilizações no distrito, partilhando com lideranças locais e moradores tanto a dificuldade de mobilização da população, quanto os problemas gerados pelas disputas de poder entre grupos religiosos, grupos políticos e grileiros, ouvi a frase: “a Brasilândia não era assim”, referindo-se as grandes mobilizações que marcaram a história do distrito em outras épocas.

“O Movimento Contra Carestia ganhou corpo na Brasilândia, ligado ao PC do B. Inicialmente chamava Movimento do Custo de Vida, recebia o envolvimento

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daquelas igrejas todas, participavam senhoras moradoras do distrito.” (Frei Alamiro , 2011)

“Eu e meu marido éramos do PCdoB, a política que tinha era trabalhar a participação popular, e fazer o povo adquirir consciência política para lutarem pelos seus direitos. E nesse momento havia uma relação com situações que estavam sendo vividas pela igreja. E na região a minha referencia era o Padre Ivo, e nós começamos a trabalhar juntos. O meu trabalho maior era com as mulheres dos clubes de mães, que era também com os clubes de mães da zona sul, tinha o movimento contra carestia, etc. E também com o movimento operário, um casal que ia muito lá era o Santo Dias e a Ana, que foi morto na época da Ditadura. E havia um entrosamento de todo mundo. Isso foi de 1974 até 1989.” (Teresa Lajolo, 2011)

Imagem de lutas sociais no distrit na cidade de São Paulo, em que houve participação da população local. Primeira foto: Movimento Contra Carestia, segunda foto movimento pela água, terceira fo movimento de moradia.

Fonte: Primeira Foto: walacemelobarb blogspot; segunda e terceira fotos: Associação Cantareira.

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Porém, ninguém nunca se aprofundou no assunto, parecia algo proibido falar desta mudança. A crítica aparecia às vezes silenciosa, ou mesmo em forma de saudade aos que lutaram em outros tempos e não estão mais no distrito. As principais lembranças são sempre ligadas à Igreja Católica, considerada por todos moradores entrevistados na pesquisa, como uma referência nos processos de mobilização da década de 1970 e 1980. Em suas narrativas, a Igreja Católica aparece de duas formas, primeiro como parte de um movimento que procura estar junto ao povo nas décadas de (1970 e 1980), e depois em um segundo momento, mais distante do povo e menos questionadora do Estado, principalmente a partir da década de 1990.

“Claro que a situação da Igreja não é diferente, se no passado foi a protagonista da organização popular e de muitas ações em defesa da vida, por melhorias na qualidade de vida da população, nesse momento em sua maioria se resume à sacristia, aos movimentos espiritualistas, claro que há focos de resistência, há padres ainda preocupados com a organização popular, mas infelizmente é minoria.” (José Eduardo, radialista, em entrevista 2011).

“A coisa entra em conflito, quando a igreja muda. E para mim é muito difícil porque a minha origem é católica. E eu fiz parte da Juventude Católica de Ribeirão Preto. Quem era o nosso diretor lá na época é quem fez a safadeza na aqui na região anos depois, quando virou o Bispo da região, a primeira coisa que ele fez foi tirar o Padre Ivo daqui. E provocou a saída de vários líderes daqui da igreja. A Lázara do Carumbé se afastou da igreja, foram destruindo tudo o que ajudaram a fazer. A coisa mais certa é que a visão que se tinha de igreja e que eu me formei é que todo povo é de Deus. Não interessa se ele é católico, se é evangélico. Essa era a idéia. Vamos salvar o povo dos trabalhadores. Quando vem a igreja carismática, ela separa o povo da igreja do povo – povo. Houve até um caso interessante, quando a Erundina foi candidata, nós pedimos para fazer uma reunião dos movimentos lá no Seminário no Alto da Freguesia. Quando estávamos lá, era para ir os filiados do PT e ai foi pedido para que eu fosse. Quando eu estou passando perto da Capela, um padre diz para mim, - “Vai

demorar muito a reunião da Erundina?” E eu falei: “Porque?” E ele disse: - “É que nós estamos aqui com o povo de Deus e a gente queria que ela desse uma palavra com esse povo”. Ai eu virei e disse: - “Vocês são safados, ein. Então quer dizer que aquele povo que está lá dentro, pagando o espaço de vocês é o povo do diabo? Quando foi que Deus veio aqui e disse que esse é o povo de Deus e esse é do diabo? Como é que é isso, como vocês conseguiram isso? Que eu saiba Deus não diferenciou povo nenhum, e eu aprendi isso com a Igreja e com Dom Angélico, que naquela época era só um padre. Deu um rolo... Teve a Ilda, por exemplo, que foi expulsa da igreja. Teve uma passeata depois, e no Ana Maria foi uma luta por creches, e só existe pelo trabalho da Ilda. Você percebe? Como você consegue construir uma relação do civil para o religioso, que tava entrosado, um fortalecendo o outro. Ia todo mundo para a passeata e para a procissão? A história é: você até então estava fazendo o povo ficar muito fora da igreja, então você tem que fazer o povo viver a igreja. Você só vai para fora para ganhar almas para igreja. A igreja faz isso, quando começa a perceber que tá perdendo gente. Mas estava perdendo porque a cabeça deles precisava ser mudada, mas eles mudaram para isso, para essa concepção que afastou um monte de gente. Tem gente que abandonou e saiu. A igreja destruiu o que existia. O Padre Ivo era a grande liderança.” (Teresa Lajolo, 2011)

“Hoje, eu acho que há uma traição ao evangelho. Quando eu vejo um Kassab higienizando o centro, com um esguicho , usando um caminhão com água de reuso, onde os funcionários vão lavando o largo São Francisco a sujeira e as pessoas. E esse Kassab, que faz uma coisa dessa é convidado a fazer a primeira leitura da missa? Você combater o inimigo que te confronta é uma coisa, combater o inimigo que te dá tapinha nas costas, ainda não sabemos como enfrentar. Acho que a primeira coisa, é não aceitar o tapinha. E denunciar quem aceita isso. Ai o primeiro inimigo que você vai ter que enfrentar não é o lobo, é o pastor.” (Frei Alamiro, em entrevista 2011)

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Ao mesmo tempo, essa interferência presente em tantos relatos 12não está clara para todos, nem para os que militam neste território, nem para os que nele sobrevivem. Até mesmo na pesquisa, a importância deste ator na produção deste tecido não foi entendida como essencial nos primeiros anos de imersão nesta área de estudo. Somente quando passo a fazer parte dos processos de mobilização, que me insiro efetivamente nas redes locais, quando faço uma série de ações conjuntas com a população e ganho sua confiança, é que este nível da realidade que ainda não estava exposta vem à tona. Neste momento, o poder das religiões em geral na periferia passa a ser também estudado.

Prandi (1996) coloca que o morador da periferia reflete também em seu modo de ser uma série de abandonos, principalmente do mundo não sacral, e encontra em diversas formas de religião um amparo como resposta para seus problemas últimos, como também uma forma de ser na paisagem, uma identidade ou mesmo uma lei13. Esse domínio das religiões se faz na periferia também porque a igreja ainda é um espaço de participação da vida coletiva, mesmo sofrendo uma redução nos últimos anos. Poucos ritos como procissões se mantêm, bem como não há espaço para questões políticas e sociais. Ainda assim, contribui com o processo de reterritorialização de migrantes que chegam a estes lugares, e que encontram por meio da religião formas de vínculo e identidade.

12 A religião é um importante fator de análise das paisagens brasileiras e latino Américanas já que são povos que têm ligação estreita com a religião em suas bases de formação. a A éri a Lati a o o u todo é u o ti e te opri ido e crente. O Catolicismo pe etrou o te ido de ossos povos e oldou, e oa parte, a ide tidade o ti e tal. (BOFF,

1980:64).

13 Postura que é contraditória em tempos modernos, como coloca Prandi (1996:18) Mas a religião pare e contraditória com a sociedade moderna. O capitalismo, que é a sociedade em que vivemos, não precisa da religião. O mercado domina as relações entre os homens, o mundo cria oportunidades para que eles se realizem, a ciência dá explicações cognitivas e a arte supre suas necessidades profundas de expressão. Mas quando essas esferas falham, pode entrar a religião. Quando esse modelo tergiversa, sobra a religião. E esse modelo, quando falha, transmuta as carências de modo que estas só podem ser atendidas como questões postas para a religião desembaraçar; não são mais problemas comuns, mas religiosos, de modo que a própria sociedade em sua constituição laica é capaz então de olhar essas carências como domínio do faz-de- o ta .

Imagem do Padre Ivo (centro da primeira foto) uma das principais lideranças da região nas décadas de 1970 e 1980. Nas outras fotos ações sociais da Igreja Católica do Jardim Damasceno coordenada pelo Padre Ivo, como escola de educação infantil, feira de artesanato, apresentações de música, quermesse e encenação da Paixão de Cristo.

No documento Chão (páginas 195-200)