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Poderes instrutórios do juiz: aspetos fundamentais e sua relação com a nossa

Como refere MICHELE TARUFFO, a evolução das legislações processuais europeias revelam o reforço da atribuição de poderes probatórios ao julgado.356 O nosso

352 O exemplo é de MARQUES, João Paulo Remédio – A Aquisição…, cit., p. 155 e segs..

353 Relembre-se o caso tratado no Acórdão Dombo Beheer B.V. vs. Holanda do TEDH.

354 Cfr. ALEXANDRE, Isabel – Provas Ilícitas…, cit., p. 74, onde a autora equaciona a influência da prova única na questão das

proibições de prova. Para um estudo acerca da prova difícil ou impossível e sua relação com as dificuldades resultantes da distribuição do ónus da prova, vide FERNANDEZ, Elizabeth – Prova difícil ou impossível, in GUEDES, Armando Marques, org. – Estudos em

Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p.p. 811-834, Vol. I.

355 MARQUES, João Paulo Remédio – A Aquisição…, cit., p. 155-157.

356 TARUFFO, Michele – Poteri probatori delle parti e del giudice in Europa, in Le Prove nel processo civile: Atti del XXV Convegno

Nazionale, Milano: Giuffrè, 2007, p. 53. Referindo que, apesar das diferenças existentes no que toca à participação do juiz, tem havido

uma confluência, neste aspeto, entre os sistemas de civil law e de common law, vide RODRIGUES, Gabriela Cunha – A Reforma do

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ordenamento processual civil não é exceção, sendo visível, sobretudo a partir da Reforma de 1995/96, a atribuição ao juiz de um papel ativo na aquisição probatória, com o que se visa sobretudo superar os défices da atividade processual das partes.357

Não nos debruçaremos sobre a relação entre o princípio dispositivo e a atribuição de poderes instrutórios ao juiz, nem à distinção – sob o ponto de vista das suas implicações nesta matéria – entre uma conceção publicista e privatista do processo civil, pois um estudo exaustivo deste tema seria impraticável no seio do presente trabalho. É nossa preocupação, neste momento, compreender a possibilidade de o depoimento de parte ser determinado oficiosamente à luz da questão dos poderes oficiosos do juiz em matéria de prova e, consequentemente, a sua implicação na (im)parcialidade do juiz.358

Antes de mais, cumpre referir que a vigência, no processo civil português, dos princípios do dipositivo e do inquisitório (cfr. artigos 264º e 265º) tem vindo a ser explicada através da pertença do primeiro ao âmbito do impulso processual (em conexão com o princípio do pedido) e da alegação dos factos, mas já não no que toca à prova dos factos alegados, funcionando, neste campo, o princípio do inquisitório.359 Significa isto que, ficando a iniciativa processual e a conformação do objeto do processo reservados à parte, disporia o juiz de poderes para a averiguação dos factos.360

Após a Reforma de 1995/96, a questão clarificou-se com o acolhimento e explicitação da distinção entre o princípio dispositivo em sentido estrito e o princípio da controvérsia. Assim, entendido o primeiro como o poder das partes para determinar o objeto do processo e o segundo como o poder de trazer ao processo o material fáctico e probatório relativo aos factos afirmados, tem sido defendido que apenas o primeiro seria essencial num ordenamento de tipo liberal.361

Fundamental é, em todo o caso, que tais poderes de iniciativa probatória não interfiram com a imparcialidade do tribunal. E é neste específico ponto que tem

Civil 2012: contributos, Lisboa, ISBN: 978-972-9363-II-5, Cadernos da Revista do Ministério Público 11 (2012), p. 88. Neste sentido,

a autora defende que “(…) tem vindo a ganhar força, entre nós, uma visão da função de julgar que perspectiva a sentença como expressão da convicção adquirida junto daqueles a quem a decisão possa afectar.”

357 Assim, MOREIRA, Rui – Os princípios estruturantes do processo civil português e o projecto de uma nova Reforma do Processo

Civil, in “Caderno especial – Novo Processo Civil” [Em linha], Vol. I, 2.ª ed., Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2013, 11 Out.

2013 [Consult. 20 Out. 2013], disponível em

http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_I_Novo%20_Processo_Civil.pdf, p. 23.

358 Referindo que a independência e a imparcialidade do tribunal não dependem propriamente das regras atinentes à tramitação do

processo, mas antes das garantias inerentes ao estatuto dos magistrados, ao regime de impedimentos e suspeições e de aspetos deontológicos próprios do exercício da função de julgar, REGO, Carlos Lopes do – Comentários ao Código…, cit., p. 265.

359 Cfr. ANDRADE, Manuel de – Noções…, cit., p. 197 e segs., e VARELA, João de Matos Antunes/BEZERRA, J. M. /NORA,

Sampaio e – Manual…, cit., p. 412 e segs. e 448 e segs.. Quanto às hesitações do legislador quanto ao princípio do inquisitório, vide PINTO, Rui – O Processo Civil português: diagnóstico e cura, “Julgar”, Lisboa, ISSN: 1646-6853, n.º 17 (2012), p.p. 135-149.

360 Referindo os poderes do juiz que refletem uma ideia publicista do processo e que vão desde a possibilidade de consideração dos

factos notórios até aos poderes de cognição de factos não alegados e aos poderes de ofício em matéria probatória, vide MENDONÇA,

Luis Correia de – Vírus Autoritário e Processo Civil, “Julgar”, Lisboa, ISSN: 1646-6853. N.º 1 (2007), p.p. 67-98.

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pertinência considerar a possibilidade de produção do depoimento de parte por determinação do juiz e sua implicação com a desejável equidistância relativamente às partes. Diga-se, antes do mais, que a possibilidade de um juiz ativo na aquisição probatória é compatível com um processo civil democrático, assegurado que esteja o respeito pelos direitos e garantias das partes: o dispositivo, enquanto tradução processual da autonomia privada; o contraditório, enquanto direito fundamental de defesa; e a sindicabilidade, enquanto proteção inalienável contra o arbítrio.362

Assim, concebido o dever de imparcialidade como aquele que “(…) impedirá que o juiz utilize os seus poderes com o fim de beneficiar ou prejudicar qualquer uma das partes no processo (…)”, resulta problemática, do ponto de vista do compromisso daquela imparcialidade, a possibilidade de o juiz determinar a realização de um procedimento probatório cujo fim é exatamente a obtenção de confissão do depoente (o que se mantém considerando a hipótese de se obter um reconhecimento de factos desfavoráveis), com o acréscimo de, logrando-se a confissão, esta ser valorada como prova plena. Diferentemente, quando determina oficiosamente a requisição de documentos, a realização de perícia, inspeção de coisas ou pessoas, quando determina a acareação ou a audição de testemunha não arrolada pelas partes (cfr. artigos 265º, n.º 3, 535º, 612º, n.º 1, 642º,645º, 653º, n.º 1), o tribunal não antevê qual será (ou poderá ser) o resultado de uma tal iniciativa probatória, ou seja, se este será favorável a uma ou outra parte, ou sequer que seja efetivamente relevante para a decisão da causa conforme resultava do juízo subjacente àquela determinação. Ora, não parece verificar-se este elemento de imprevisibilidade no caso do depoimento de parte ordenado oficiosamente, pelo que, tendo em conta a sua funcionalização em relação à prova por confissão, cumpre perguntar se não estamos perante uma “(…) pré-assunção de que a diligência probatória determinada visaria a obtenção de prova com um determinado conteúdo, no caso, desfavorável ao depoente (…)”363