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Poema: palavra que expressa emoção

Ao responderem sobre o que era poesia (pergunta 1), surgiu entre as crianças o conceito “aquilo que expressa emoção”:

São formas de se expressar sentimentos através de palavras. (J., 12 anos)

Poemas são expressados sentimentos, já em textos só são palavras, não expressam às vezes quase nada. (J., 12 anos)

Para mim, um poema é uma coisa romântica. (L., 10 anos) Vejo que às vezes os textos são de suspense e as poesias são românticas. (T., 11 anos)

Para mim, poesia é um tipo de texto que quando escrevemos

expressamos os nossos sentimentos, como raiva, dor, alegria, tristeza etc. (K., 12 anos)

Para mim poema é se declarar para uma pessoa. (F., 10 anos) São coisas bonitas e que às vezes rimam, a maioria é romântica e também tem o de tristeza. (I., 11 anos)

Algo bonito. Na poesia nunca tem um xingamento, nem reclamação de nada, e sim sentimentos. (G., 12 anos)

Para mim, poesia são formas que expressam alguma coisa sobre a pessoa para quem o escritor está escrevendo e a poesia para mim ela é rimada. (R., 11 anos)

É um jeito de falar da vida, como é, como você espera que ela seja etc. (V., 12 anos)

Nas conceituações apresentadas, observei claramente duas linhas de pensamento: uma que considera poesia como instância de expressão de emoção do eu para consigo mesmo e outra que a vê como o transmitir dessa emoção de um eu para um tu. Sobre as conceituações de poesia a que os alunos atribuem a função de proporcionar interioridade e relação consigo mesmo, para posterior externamento dessa interioridade, essas aproximam-se do que Hegel diz em relação à poesia representar o espírito e ser simultaneamente sintética e analítica: “sintética, na medida em que é capaz de reunir num único feixe os elementos da interioridade subjectiva; analítica, na medida em que é susceptível de desenvolver, justapondo-se umas às outras, as particularidades e singularidades do mundo exterior”. (Hegel, s.d., p.13) Assim, a poesia é capaz de representar um objeto tanto em toda a sua íntima profundidade, como em toda a extensão da sua explicitação temporal.

Hegel aponta, também, o fato de que a poesia tem em comum com a música os materiais exteriores sobre as quais ambas atuam, a saber, os sons (p. 15). A diferença, para ele, está no fato de que, na poesia, “o espírito afasta o seu conteúdo do elemento puramente sonoro e manifesta-se por meio de palavras que, sem deixarem de ser sonoras, se reduzem a uma série simples de sinais exteriores destinados a transmitir o pensamento”. (Hegel, s.d., p. 17) Na concepção do autor, ainda, o que torna poético qualquer conteúdo é a fantasia artística e não a representação em si. Há alguns traços desse caráter idealista hegeliano, que deu origem à concepção romântica de literatura, no conceito de poesia dado por L, de 11 anos, em um encontro que tive com crianças de quinta

série, no ano de 200420: “É o pensamento da pessoa numa forma melódica, ou seja, com melodia”.

Assim, para os pré-adolescentes que consideram ser poesia a expressão de um eu para consigo mesmo, a forma é apenas um complemento para o expressar de sua própria emoção. A poesia transforma-se em instrumento de evasão, tal como categoriza Mauger (1999). Para o autor, há três categorias de práticas de leitura: a de divertimento (evasão), a didática (para aprendizagem) e a de salvação (para se aperfeiçoar), irredutíveis à leitura estética (ler por ler). Ler poesia, para as crianças que responderam ao questionário, serve como forma de relação consigo mesmo e também como evasão, pois, solitária e silenciosa, a leitura de evasão proporciona um desligamento necessário à desconexão mental do mundo do leitor e à imersão no mundo do texto, segundo Mauger .

Mauger (1999) assinala também que a leitura de evasão mobiliza essencialmente as experiências emocionais que representam sentimentos universais (amor, ciúme, traição etc), esquemas de percepção dualista fundada sobre a oposição de caracteres universais (o bom/ o mau, o forte/o fraco, o corajoso/o covarde etc), esquemas narrativos emprestados do “romance familiar”, roteiros do tipo das intrigas amorosas. Essa característica apontada pelo autor justifica o fato de que muitas das crianças que disseram gostar de poesia (perguntas 2,3 e 4 do Apêndice C), tenham justificado suas respostas, alegando a associação desse tipo de leitura ao “sentir-se bem”, ao “poder manifestar suas emoções”:

Porque em momentos tristes ou felizes um poema parece que consola o coração. (C. 11 anos)

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No segundo semestre de 2004, estive com um grupo de dezoito crianças do Projeto Amora (turma de Amora I, 5ª série de Ensino Fundamental) para iniciar a preparação das oficinas do projeto de tese de Doutorado, intitulado “OFICINAS DE POESIA: em busca da leitura de poemas em sala de aula”, do Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS.

Sim, pois me dão mais alegria quando é sobre algo bonito. Eu leio no ônibus, na internet, em livros... (G., 12 anos)

Às vezes, depende como estou, se estou triste, eu leio, se estou feliz, eu não leio. Eu costumo ler em casa, deitada na cama. (R., 12 anos)

Quando estou em casa, sem ter algo para fazer, paro, pego um livro e começo a ler, é sempre uma boa distração para mim. (J., 12 anos)

As experiências emocionais que representam sentimentos universais aparecem também na relação que algumas das crianças estabelecem com o outro. Dessa forma, o gostar de poesia surge em função da possibilidade de transbordar suas emoções para o outro: “Para mim poema é se declarar para uma pessoa”, diz F., com 10 anos. A poesia torna-se para esse segundo grupo de pré- adolescentes, que a vêem como forma de expressão de um eu para um tu, uma forma de comunicação. Eles aproximam-se, assim, da concepção do teórico Iuri Lotman, no que ele diz com respeito à arte, e conseqüentemente à poesia, como instância de comunicação.

Para Lotman, os signos na arte não têm um caráter convencional. São icônicos e, por isso, apresentam uma interdependência entre a expressão e o conteúdo (Lotman, 1978, 56). Para esse autor, a estrutura fonológica, as repetições rítmicas, o isomorfismo e a musicalidade na poesia assumem um caráter semântico. Para Lotman, a forma é sobremaneira importante para o significado do poema. Apesar de não se aprofundarem na importância dos elementos textuais num texto em versos, os pré-adolescentes participantes da pesquisa também destacaram a existência de elementos poéticos formais diferentes e significativos entre poesia e prosa:

É um pequeno texto que geralmente rima ou serve para dizer os sentimentos das pessoas. (K., 11 anos)

Palavras bonitas e que sintam. (C., 11 anos)

É aquilo que rima e que faz nós sonharmos. (T., 11 anos)

Para mim, poesia são formas que expressam alguma coisa sobre a pessoa para quem o escritor está escrevendo e a poesia para mim ela é rimada. (R., 11 anos)

Mesmo que tenham considerado o poema como forma de expressar emoção, os pré-adolescentes que o consideraram um modo de transmitir essa emoção de um eu para um tu, conferem ao ato de elocução/escrita poética o estatuto de ato comunicacional. A rima é marca diferencial desse modo comunicacional para muitos dos pré-adolescentes estudados. Mesmo antes de reconhecerem a divisão do poema em versos e estrofes, tais alunos destacam a presença de rima como condição essencial para a existência do poema e/ou utilizam esse recurso em sua própria produção (ver capítulo 4).

Ao ser um ato comunicacional que transmite uma emoção de uma forma particular, o poema torna-se, assim, para o grupo estudado, uma dádiva partilhada entre um emissor e um receptor, de diferentes tempos, em diferentes lugares, como destaca Aguiar (2004), em seu livro O verbal e o não verbal:

Isso acontece porque a intenção comunicativa de todo artista não é determinada por um sentido único; diz respeito a uma significação geral, possível de ser compreendida de modos variados pelos homens de todos os tempos e lugares. O que está em jogo não é um depoimento particular sobre o fato privado que só a ele interessa, mas a provocação de um profundo sentimento humano, capaz de ser reconhecido e vivido por todos. (AGUIAR, 2004, p. 16-18)