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Poesia trágica e ideia

2. A ARQUITETURA, A POESIA TRÁGICA E IDEIA E A MÚSICA

2.2 Poesia trágica e ideia

Qual a posição de Schopoenhauer no que toca à tragédia? Que ideia ou ideias a tragédia nos expressa? Primeiro, que a tragédia como gênero poético representa a luta da vontade consigo mesma, a vontade se despedaçando em milhares de fragmentos afirmando o querer viver representado por milhares de indivíduos ao longo da existência num infinito e ilimitado eterno retorno. A vontade é trágica em seus fundamentos, cega, irracional e sem objetivo ou finalidade. A vida por si mesma é trágica e a finalidade do poeta trágico é comunicar essa ideia de humanidade. O poeta trágico é o olho do mundo, ele representa todos os acontecimentos da vida humana de uma forma objetiva, tanto é que o esteta nos diz que não é possível exigir do poeta um comportamento diferenciado daquilo que ele é

É por isso que ninguém lhe pode prescrever ser nobre e elevado, moral, piedoso, cristão ou isto ou aquilo; ainda menos se lhe pode censurar ser isto e não aquilo. Ele é o espelho da humanidade, e coloca-lhe na frente dos olhos todos os sentimentos dH TXH HOD HVWi FKHLD H DQLPDGD´ (SCHOPENHAUER, 2001,p. 329).

O poeta por ser o espelho da existência, expressa e representa aquilo que está à sua frente; a maldade, a inveja, o infortúnio, o triunfo do mal, o assassinato do inocente, as traições, enfim, o caráter da humanidade em seus milhares de aspectos. O poeta, no caso o trágico, por representar a ideia da humanidade não fala ou descreve além daquilo que existe nos acontecimentos da humanidade. Ele descreve a irracionalidade da vontade em suas múltiplas faces sem emitir nenhum juízo de valor, ele é o seu porta-voz. A vontade se revela através da expressividade do poeta. Nada do que ele escreve está fora da vontade, pois é ele quem desvela para a humanidade as máscara e os

mil disfarces que a vontade usa para realizar o eterno retorno. Se se cria comédia é porque a vontade lhe permite criar. A matéria-prima do poeta trágico é o sofrimento da humanidade e consequentemente o sofrimento da vontade, raiz implacável das dores do mundo. O poeta trágico é aquele que conhece a natureza humana com profundidade. Ele representa a ideia do homem, não daquele homem particular localizado no espaço e tempo com suas dores particulares, por outro lado, ele carrega dentro de si todas as dores e ideias da humanidade. O poeta trágico é a revelação da vontade de viver. ³2 YHUGDGHLUR VHQWLGR GD WUDJpGLD p HVVD REVHUYDomR SURIXQGD TXH DV IDOWDV expiadas pelo herói não são as deles, mas as faltas hereditárias, isto é, o próprio crime de existir´ (SCHOPENHAUER, 2001, p. 139) Cabe ao poeta descrever esse crime que é a existência com todas as suas faltas. O poeta não faz nada além daquilo que a vontade lhe permite fazer. Somos marionetes nas mãos da vontade? Que poder o poeta tem sobre a vontade? O que o poeta pode fazer para amenizar os sofrimentos da humanidade? Ele apenas coloca diante dos olhos da humanidade o seu caráter, a sua natureza.

É um fato deveras notável e realmente digno de atenção, que o objeto de toda alta poesia seja a representação do lado medonho da natureza humana, a dor sem nome, os tormentos dos homens, o triunfo da maldade, o domínio irônico do acaso, a queda irremediável do justo e do inocente: é este um sinal notável da constituição do mundo e da existência (SCHOPENHAUER, 2001p. 138).

O poeta é o escritor da vontade, ela serve-se dele como objeto trágico, já que sem ela jamais teríamos a tragédia grega. Sem a vontade, Dioniso jamais mataria Pentel. A vontade é a própria constituição do mundo, a natureza humana, a condição humana, a maldade humana, a dor, o prazer, o desprazer, a inveja, a injustiça, a história com seus triunfos e suas quedas, os milhares de acontecimentos, o erro de existir, o acaso e a essência do mundo. A vontade é o presente, o passado e o futuro da existência, não só a humana, mas de todos os seres. O jogo de que há em todos os seres devorando-se uns aos outros é ela quem está por trás. Foi a vontade que veio ³SHUWXUEDU R UHSRXVRGRQDGD´. A vontade age desde a ideia até o princípio de razão. Todos esses sentimentos são os mesmos em todas as épocas, nada muda a sua essência ou o seu caráter, porque a vontade é una. Os poetas de todas as épocas sempre fizeram e farão as mesmas coisas, descreverão os mesmos episódios, os mesmos acontecimentos, a inveja, por exemplo, é una em todas as épocas, ela não muda a sua constituição, tanto é que desde o mundo primitivo até hoje ninguém conseguiu abolir a inveja, nem pela educação e muito menos pela ciência. A constituição humana é imutável, as relações históricas podem até mudar a sua aparência, mas a sua essência é a mesma.

O poeta é, portanto, o resumo do homem em geral: tudo o que alguma vez fez bater o coração dum homem, tudo o que a natureza humana, numa circunstância qualquer fez brotar para fora de si, tudo o que alguma vez habitou e amadureceu num peito humano tal é a matéria que ele trabalha, como trabalha todo o resto da natureza. (SCHOPENHAUER, 2001,p. 329).

O poeta como artista da vontade se coloca acima do princípio de individuação, pois, ele representa não um conceito, mas a ideia da humanidade como sujeito dum conhecimento puro acima dos interesses da vontade. Todas as ideias que representa demonstram o seu poder de não representar a coisa particular, mas o universal e eterno. O poeta não representa a sua subjetividade, mas a objetividade dos acontecimentos, como espelho do mundo expressa não a sua dor, mas as dores do mundo. Ele descreve as cenas da vida, os espíritos loucos, maus, acanhados, tolos, enfim, os espíritos que surgem na história e que cabe ao poeta descrevê-los.

O poeta épico ou dramático não deve ignorar que ele é o destino e que deve ser implacável como este ± ele é ao mesmo tempo o espelho da humanidade e tem de apresentar na cena caracteres maus e por vezes infames, tolos, espíritos acanhados, de fez em quando uma personalidade razoável ou prudente, ou bom, ou honesto, e muito raramente, com a mais singular exceção, um caráter generoso. (SCHOPENHAUER, 2001,p. 140).

Mas o destino da poesia trágica para Schopenhauer é à resignação e a renúncia do querer viver. Quando a Teia de Maya é rasgada e despedaçada, o egoismo perde o seu poder sobre o homem e entra em seu lugar à resignação como calmante da vontade. Os motivos do querer viver; os seus sentimentos e emoções, transformam-se num querer morrer e na mortificação dos instintos. O artista poeta como extensão da vontade e os seus personagens são levados a mais profunda mortificação de si mesmo, o egoismo perde a sua razão de ser, inclusive, ele cita vários personagens que após uma dor profunda passaram a reconhecer a insuficiência de vida voltada para o princípio de individuação. O Véu de Maya que era a expressão de seu modo de vida é desmascarado e a vida individual cede o seu lugar para a renúncia do querer viver. A arte propicia a libertação total? O artista consegue construir o calmante eterno? Ou a libertação é passageira? É possível viver sem a causalidade? Por mais que fujamos para a ideia não conseguiremos nos manter e viver sem a causalidade, já que é dela como vontade onde nascem as cenas da vida. Se a causalidade é a atuação

da matéria em todos os aspectos da vida fenomenal, como o artista conseguirá se manter por muito tempo acima dela? É possível viver eternamente fora da causalidade? Viver sem causalidade é pular para fora de espaço e do tempo? Existe vida acima do espaço e do tempo? Que relação podemos fazer entre a causalidade e a ideia? Causalidade e ideia se opõem na justa medida em que o êxtase propiciado pela arte, liberta o artista e o espectador de suas dores provisoriamente, pois a causalidade novamente o chama para a vida. Não existe vida sem causalidade. O fato de ser a vontade o fundamento da vida, não significa que ela não necessite de aprendizado e conhecimento. A arte já é uma tentativa da vontade de suprimir as suas próprias dores, é um aprendizado voltado para a negação do querer viver. É uma ação pedagógica dela consigo mesma, querer anular-se a partir do êxtase estético? A vontade passa por um processo pedagógico, quando a cada dor que sofre, ela reflete, e essa reflexão causa um impacto em sua forma de agir contrariando os seus desejos?

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