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POLÍTICA AGRÁRIA DO BANCO MUNDIAL

Como visto no ponto anterior, a reforma agrária de mercado é parte de uma política agrária mais ampla do Banco Mundial/FMI na difusão e na implementação do neoliberalismo em escala internacional; sendo a reforma agrária de mercado (MRAM) aplicada em países com grande concentração fundiária.

Antes de abordar a reforma propriamente dita e a forma com que foi aplicada no Brasil, este trabalho irá se ater mais profundamente nos focos de ações do Banco Mundial no campo mundial, analisados por João M. M. Pereira (2009). Essa nova política agrária surgiu em meados dos anos 1990 revisando parcialmente diretrizes elaboradas no documento de 1975, Land Reform Policy Paper:

a) Compra e Venda

Embora inquestionável a necessidade de “avançar na liberalização dos mercados de compra e venda”, motivado por resultados negativos, o Banco Mundial relegaria tal política a um plano secundário. “Surge daí, uma abordagem mais matizada, que reconhece a necessidade de entender de maneira interconectada o funcionamento de diferentes mercados e dos diversos fatores neles intervenientes” (DEININGER; BINSWANGER, 1998, apud PEREIRA, 2009, p. 57). Ou seja, a ideia é que a liberalização deveria ser mediada pelo

contexto e que fosse elaborada uma sequência de políticas estratégicas que por fim alcançassem o objetivo final. A liberalização da compra e venda continuava sendo fundamental, mas para que fosse conquistada, foi necessário um recuo tático do Banco Mundial e a implementação de toda uma gama de ações que, em conjunto, conquistasse o almejado.

b) Titulação

Durante muitos anos, o Banco Mundial financiou, em várias partes do mundo, programas de titulação individual, no Brasil chamados de regularização fundiária. Na África, foram tituladas terras antes comunais que depois foram vendidas de modo a aquecer o mercado de terras. Perseguem-se formas “cada vez mais privadas de propriedade da terra, vistas como sinônimo de evolução social e desenvolvimento econômico” (DEININGER; BINSWANGER, 1999, apud PEREIRA, 2009, p. 59).

De acordo com os economistas do Banco Mundial, para melhorar a

performance dos programas de titulação, seria preciso garantir certas

precondições, dentre as quais: a) a existência de mercados de crédito formal que aceitem a terra titulada como garantia de obtenção de financiamentos; b) a eliminação de restrições de ordem social, política e cultural que impeçam a emergência de mercados de compra e venda de terras; c) a existência de uma base legal e uma infraestrutura institucional capaz de garantir a execução do programa, proteger grupos politicamente frágeis e garantir a propriedade legítima da terra, pois, do contrário, as relações de poder deturpariam todo o processo; d) que a oferta e titulação seja superior à demanda, de modo que reduza os custos de transação posteriores (DEININGER; BINSWANGER, 1998, apud PEREIRA, 2009, p. 59).

c) Arrendamento

Segundo a reavaliação do documento de 1975, em meados de 1990, o arredamento havia sido subestimado como meio de acesso à terra, dando ênfase, como se viu, nos mercados de compra e venda. Nos documentos do Banco Mundial, passa-se a enumerar vantagens do arrendamento em relação à compra e venda, como as seguintes:

a) custos de transação menores; b) menor vulnerabilidade em relação a “falhas” dos mercados de crédito; c) maior flexibilidade para encontrar arranjos condizentes com as especificidades locais; d) oportunidade para acumular recursos e experiência necessários à condição de proprietário (PEREIRA, 2009, p. 60).

Na América Latina, especialmente, deveriam ser estimuladas também as relações de parceria, pois existia “um grau elevado de informalidade e insegurança quanto aos direitos de propriedade e uso da terra” (PEREIRA, 2009, p. 60).

Com base nessas razões, salvo situações excepcionais, o Banco [...] defende a remoção total das restrições ao funcionamento dos mercados de arrendamento de terras como medida de alta prioridade a ser implementada pelos governos nacionais, trabalhando ativamente para a sua difusão e institucionalização (Deininger, 2001, p.80) Por esta lógica, as regulações jurídicas que defendem (minimamente) os pequenos arrendatários deveriam, de modo geral, ser revistas em favor de contratos mais “flexíveis”. Esta é a linha de ação mais importante da política agrária do Banco Mundial, depois que outras entraram em colapso ou simplesmente não avançaram conforme as suas expectativas (PEREIRA, 2009, p. 60).

d) Modernização de cadastros, sistemas de registro de terras e informações de mercado

Segundo João M. M. Pereira (2006), esta é a linha de ação em que se concentra a maior parte de empréstimos do Banco Mundial para a área agrária. Programas dessa natureza foram aplicados no Leste Europeu, na África e na Ásia Central e, a partir da metade dos anos 1990, ganharam escala na América Latina e no Caribe.

Basicamente, consiste na necessidade de se construir uma estrutura de “administração de terras” que seja capaz de: a) garantir segurança dos direitos de propriedade e uso da terra; b) superar o alto grau de informalidade dos mercados de terra, sobretudo na América Latina; c) unificar informações legais e geográficas sobre a distribuição da propriedade fundiária; d) prover informações necessárias para dinamização do mercado imobiliário rural (preços, qualidade da terra, configuração dos mercados locais, etc.); e) baixar custos de transação, por meio da simplificação dos procedimentos de registro e cadastro e do barateamento do acesso a informações pela informatização. Tal aparato administrativo serviria para dar suporte à mercantilização total da terra rural, até mesmo terras coletivas e públicas, cuja privatização é defendida pelo Banco Mundial como medida necessária para o desenvolvimento de mercados fundiários “eficientes” (PEREIRA, 2009, p. 61-2).

e) Prevenção e controle de conflitos agrários

O Banco Mundial “defende a criação de organismos descentralizados para a prevenção e/ou resolução de conflitos agrários [...]. Trata-se pois de prevenir e neutralizar conflitos para garantir a segurança do capital, e não para assegurar os direitos do campesinato” (PEREIRA, 2009, p. 63).

f) Tributação da propriedade rural

O Banco Mundial mostra “pouco entusiasmo em relação à viabilidade política de propostas de tributação progressiva da terra rural [...] A diretriz política de fundo é a descentralização administrativa e fiscal e a municipalização dos instrumentos de política agrária” (PEREIRA, 2009, p. 64). Isso porque é sabido que, quanto mais centralizado é o aparato estatal, maior é o poder; em contrapartida, maiores são as possibilidades de os movimentos sociais realizarem o enfrentamento.

g) Privatização de fazendas coletivas e reestruturação agrícola do Leste Europeu e da ex-URSS

Segundo João M. M. Pereira (2006), grande parte da motivação do Banco Mundial na elaboração e no financiamento de programas coerentes de política de terras nos anos 1990 foi seu papel na retransformação da base de propriedade na antiga URSS. Ele cita dois documentos do Banco Mundial, um de 1997 e outro de 2002. Parte dos registros segue abaixo:

Desde 1990 o Grupo do Banco Mundial tem apoiado o governo russo na implementação de políticas de reforma agrária [sic]. O princípio da propriedade privada da terra é agora protegido pela Constituição e fazendas familiares privadas tornaram-se aceitas no interior [...] Dois objetivos principais da política de terras foram incorporados à porção de reforma estrutural da linha de crédito do FMI para a Rússia. Estes eram a clarificação e proteção dos direitos à terra para os dez milhões de membros dos grandes coletivos e a introdução de mecanismos de hipoteca de terras. Os objetivos dessa política foram atingidos durantes os três primeiros meses de 1996 (PEREIRA, 2009, p. 64-5).

Em comparação com as reformas agrárias tradicionais e mesmo que na maioria dos países a agenda para a reestruturação da exploração agrícola esteja longe de acabar, as mudanças ocasionadas pela privatização de terras em países do Leste Europeu e da CEI têm sido consideráveis comparadas a qualquer padrão. Em menos de uma década, os países do Leste Europeu e da CEI, respectivamente, transferiram 33 milhões ou mais de 100 milhões de hectares de propriedade e administração coletivas à propriedade privada. Estas cifras superam as transferências aos ejidos durante a reforma agrária do México [...], assim como a reforma agrária do Brasil [...] e a exitosa reforma agrária japonesa (DENINGER; FEDER, 2002, apud PEREIRA, 2009, p. 65).

Em síntese, a política agrária do Banco Mundial consiste em quatro grandes linhas de ação: “a) estímulo a relações de arrendamento como prioridade máxima; b) estímulo a relações de compra e venda de terras; c) privatização e individualização de direitos de propriedade em fazendas coletivas ou estatais; d) privatização de terras públicas ou comunais” (PEREIRA, 2009, p. 81). Para implementá-las, o Banco Mundial tem atuado no sentido de mudar as legislações agrárias, aumentando a liberação de empréstimos de modo a montar um aparato estatal para garantir a livre transação de terra e atração de capital para o campo.

Maria Luisa Mendonça e Marcelo Resende (2004) enquadraram essas linhas de ação como percorrendo as seguintes etapas:

a) cadastro e georreferenciamento dos imóveis rurais; b) privatização de terras públicas e comunitárias; c) titulação das posses;

d) mercantilização da reforma agrária; e) mercado de terras;

f) integração dos camponeses ao agronegócio. Conforme afirma Peter Rosset (2004, p. 17-18):

Os projetos têm diferentes nomes em diferentes países: titulação, registro, mapeamento, etc., embora algumas vezes eles sejam simplesmente chamados de “administração de terras” para agrupar todos os componentes. Começam frequentemente com um levantamento de terras, cadastro, etc. – basicamente o que o Banco chamaria “colocando em ordem a situação da posse da terra”.

E assim, após esse “degrau”, percorre-se uma escada de reformas até atingir o bom funcionamento do mercado de terras, conforme pode ser visto na figura 1.

Figura 1 – Escada de reformas das políticas agrárias do Banco Mundial

Fonte: Rosset (2004, p. 18).