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Política-como-fabricação: Política e Violência

2. Cidade e Espaço na luta política

2.7 Política-como-fabricação: Política e Violência

Violência é o lado mau da política para Arendt, a sua definição da política é construída através de negações. Arendt consistentemente liga a violência com o que ela deseja excluir da política. Esta exclusão é evidente sem tudo A Condição Humana. "somente a pura violência é

muda", ela escreve, "o ser político, viver na polis, significa que tudo foi decidido através de palavras e persuasão e não através de força e violência". (p.35)

Em seu mais famoso ensaio sobre o assunto, 'Sobre a Violência'(2001b), ela descreve que a violência é a resposta quase que inevitável das minorias políticas incapazes de criar um espaço para ação na polis moderno burocratizada e coloca, assim, que a burocratização da vida pública é o grande a atrativo para a violência.

Tanto em Arendt como em Habermas há um esforço para mostrar que é absolutamente central à noção da esfera pública a oposição entre razão e força. Aqui temos que abrir um parêntese para explicar: Arendt provavelmente substituiria a "razão" por "discurso". A idéia era de ressaltar à oposição entre a "razão e força" um antagonismo entre o "discurso e a ação". Entretanto, em ambas perspectivas (as duas versões mais importantes da esfera pública) esta última oposição é claramente falsa, o discurso sendo um próprio tipo "da ação comunicativa".

Não podemos deixar de lado que Hannah Arendt nos traz exemplos, “pérolas da história”, contando os raros momentos de liberdade política - os conselhos dos trabalhadores depois da Revolução Francesa, a fundação da república Americana, o movimento de direitos civis e as demonstrações anti Guerra do Vietnã - são fragmentos que Arendt considera que quebraram a cronologia e continuidade da história.

O interesse de Arendt em evocar a memória da formação espontânea dessas pequenas- esferas é ilustrativo. Apesar da “derrota”, esses corpos populares espontaneamente formados

representaram um espaço público para discussão e ação. Segundo Arendt(1993), para agir politicamente é preciso haver liberdade (liberdade é o raison d'être do político. p 192). O que está implícito é a condição de liberdade da espontaneidade das pessoas que "agem em concerto" exercida em um espaço público.

Assim, a definição, "sui generis” de Hannah Arendt de ação política está estreitamente relacionada à potencialidade inerente ao nascimento de novos começos, a capacidade humana de recriação continua. A iniciativa da ação entre os homens está relacionada com o exercício da liberdade. A liberdade de iniciar algo novo permite ao homem realizar o improvável, que é garantido por sua singularidade, e corresponde à condição humana.

Podemos agora falar um pouco sobre a conceituação de ação política para Hannah Arendt. É a partir do agir e do discurso que se dá a revelação do Eu, autor e ator da ação. O agente se comunica pela ação sobre si mesmo, e se mostra e se revela aos outros.

Para entendermos a singularidade de sua existência, colocamos as palavras de Arendt em

A Condição Humana: “a pluralidade humana, condição básica da ação e do discurso, tem o duplo aspecto de igualdade e diferença” (Arendt, p. 188). Os homens são iguais na medida em

que podem e têm a possibilidade de se comunicar e se fazer entender entre si. No entanto, são diferentes no fato de terem a capacidade de comunicarem sobre si próprios, de tornarem-se singulares, indicando mais do que uma alteridade. Através do discurso e da ação, o homem pode distinguir-se dos outros, pois são atividades que dependem da iniciativa própria de cada indivíduo. A ação é como uma marca do agente, a atividade que mais plenamente caracteriza o homem; sem ela deixa-se de ser humano, pois este é o meio próprio de se viver entre os homens. O processo da ação não produz, tal qual a fabricação, objetos tangíveis. Entretanto, apesar dessa intangibilidade, essas relações entre os homens são reais e Hannah Arendt as nomeia: “teias de

O indivíduo, ao agir entre os outros, revela-se. Essa revelação é que distingue uma ação política de uma ação qualquer em busca de um fim. Sem a revelação do agente no ato, a política

confunde-se com fabricação, ou seja, somente um meio de se produzir um objeto, de se atingir

um fim. A fabricação revela o produto ao fim de um processo.

Aqui chegamos a um ponto que Hannah Arendt (1993) já nos apontava, e que os dias de hoje também nos permitem refletir: a transformação da ação em fabricação, bem como a transformação da política.

O conflito entre o espaço do trabalho, de meios e fins, com política, segundo o Arendt, sempre esteve presente na maioria dos aspectos da filosofia Ocidental tradicional. Platão e Aristóteles descrentes sobre ação política democrática depois a morte de Sócrates já falavam, nos conta Arendt, de suas preocupações - “a ociosidade e a inutilidade da ação e do discurso, em

particular da política em geral” e suas tentativas de “evitar a política”. E continua “tanto os homens de ação quanto os pensadores sempre foram tentados a procurar um substituto para a ação, na esperança de libertar a esfera dos negócios humanos da acidentalidade e da irresponsabilidade moral inerente a pluralidade dos agentes” (p.232)

Os argumentos usados para a inversão da ação para a modalidade de fabricação se voltavam contra a democracia e se tornavam contra também elementos da política. Para Arendt, a busca pela eliminação da pluralidade humana tem o mesmo sentido de anulação da esfera pública.

Arendt discute que a tradição filosófica já procurava definir os atores políticos como, "'

artesão”, “homo faber”, cujo resultado de sua ação é um produto tangível e seu processo tem

claramente um fim reconhecido. E buscava interpretar a ação como fabricação. Assim, na era moderna, não houve inversão da tradição, ocorreu apenas a declaração aberta que o trabalho/ fabricação é uma atividade superior as “ociosas” ações que constituem a esfera pública.

Arendt coloca que a teoria política afirma como foi bem sucedida essa transformação da ação na modalidade fabricação. Com efeito, Arendt sugere, "isto tornaquase impossível discutir esses assuntos[políticos] sem usar as categorias de meios e fins e se raciocine em termos de instrumentalidade”. (p.241) Será que podemos pensar que o mundo de hoje assinala esse desejo

platônico de substituir a ação pela fabricação, com o objetivo de conferir à esfera dos negócios humanos a solidez inerente à fabricação e ao trabalho, na medida que ação se torna a mera execução de ordens?

A separação entre o saber e o fazer, que leva a ação à sua perda de sentido (ruptura entre pensamento e ação), e constitui a experiência quotidiana da fábrica, serviu para que Platão pudesse aplicar à política uma transformação necessária. Tecnicamente, para Arendt, essa aplicação significa a anulação do elemento pessoal na esfera pública.

Porém, Arendt também aponta as implicações de violência dessa mudança: A moral e os resultados políticos do confronto moderno entre fabricação (sempre parcialmente violenta) com a política, segundo Arendt, têm um efeito desastroso: a ação é igualada a violência:

“É verdade que violência, sem a qual nenhuma fabricação poderia existir, sempre desempenhou um papel importante no pensamento e nos planos políticos baseados na interpretação de ação como fabricação; mas até a era moderna, este elemento de violência era estritamente instrumental (...) Somente na era moderna a convicção de que homem só conhece aquilo que ele faz (…) trouxe á baila as implicações muito mais antigas de violência em que se baseiam todas as interpretações da esfera dos negócios humanos como um a esfera da fabricação. Percebe-se isto nitidamente na série de revoluções, típicas da era moderna, todas quais - com a exceção da Revolução Americana - revelam a mesma combinação do antigo entusiasmo romano à fundação de um novo corpo político e a glorificação da violência como o único meio de fazer esse corpo”.(p. 240)

Assim, retomamos nossa hipótese de que apenas a formação de um espaço de debate e discussão não garante a participação efetiva de todos os grupos presentes, principalmente dos Movimentos Sociais do Centro.

Para Habermas (1983) a luta política também (e principalmente) é uma luta discursiva que depende da capacidade de argurmentação de segmentos da sociedade que entram em diálogo. Trata-se de conflitos que envolvem grupos, movimentos, instituições e o Estado (as municipalidades presentes, no caso) e dependem do poder de negociação e articulação entre as partes. E ressalta, ainda, que nesse processo a mídia (ou melhor, a sua mobilização) tem seu papel fundamental, assim como o direito.

Logo, passar de um problema relativo a uma esfera específica da sociedade a um problema da sociedade toda exige que os líderes dos movimentos sociais ajam com criatividade e imaginação. Dentro desse processo, os movimentos sociais tiveram que se voltar para as instituições comunicativas, como a mídia, que mobilizam mais a persuasão, bem como, para as instituições reguladoras, como a lei, destinadas, pelo menos em parte, a zelar pelo cumprimento das obrigações sociais e individuais de caráter universalista. No entanto, sabemos que a garantia de direitos não significa sua efetivação.

Kowarick (2002) nos fornece elementos para pensarmos esse ponto dizendo que se no percurso das décadas passadas a democracia política com todo seu aparato foi consolidada no país, no entanto, o mesmo não pode ser dito sobre os direitos civis “ no que se refere à igualdade

perante a lei e à própria integridade física das pessoas, bem como seus direitos sociais, como acesso a moradia digna, serviços médico hospitalares, assistência social e níveis de remuneração adequados, para não falar no desemprego, nas múltiplas modalidades arcaicas e modernas de trabalho precário, autônomo e assalariado ou na enorme fatia das aposentadorias que produz velhices marcadas pela pobreza” (pg10). E ainda resume que “há muita vulnerabilidade em relação a direitos básicos” (pg10) e sustenta que não só os sistemas de

proteção se tornaram restritos e precários, como também houve um desmantelamento de serviços e novas regulamentações que resultaram na perda de direitos adquiridos.

Assim, esse autor reafirma que os déficits nos aspectos, sociais e econômicos da cidadania se mantiveram amplos, e ressalta o campo de investigação centrado na questão da fragilização da cidadania, entendida, esta como a perda ou ausência de direitos e como precarização de serviços coletivos, que garantiam um mínimo de proteção pública para grupos carentes de recursos enfrentarem a vida nas metrópoles. Kowarick (2002) cita Telles (1999): “...a questão social é o

ângulo pelo qual as sociedades podem ser descritas, lidas, problematizadas em sua história, seus dilemas e suas perspectivas de futuro(...) essas diferenciações e segmentações[ sociais, econômicas e civis] podem ser tomadas(...) como a contraface de uma destituição de direitos(...). Trata –se de uma destituição(...) que , ao mesmo tempo que gera fragmentação e exclusão, ocorre em um cenário de encolhimento de legitimidade dos direitos sociais”(pg11)

E nos coloca a pergunta, “qual é nossa questão social?” E responde: “Há várias”, mas, na relação entre Estado e sociedade, uma das questões sociais que ainda nos chama a atenção é a dificuldade de expansão dos direitos de cidadania. Eles podem estar garantidos na lei, no entanto, esta não assegura a sua verdadeira efetivação.

Nessa discussão, Kowarick (2002) também traz elementos importantes para pensarmos a exclusão social. O autor relaciona o conceito à despossessão de direitos civis, mas diz que o processo de exclusão social ocorre lentamente e continuamente em nosso dia –a –dia, tendo seu primeiro momento na segregação sócio-espacial, na qual o lema é evitar o diferente, pois a mistura social é vivenciada como confusão. Já em um segundo momento assinala a desqualificação ou destituição do outro, tido como diverso e potencialmente ameaçador. Assim, Kowarick segue pelo caminho de Hannah Arent (1997), que relaciona exclusão ao processo de

estigmatização e discriminação e em última instância, de negação de direitos. Dessa forma, a exclusão social toma seu contorno mais cruel. Não se trata apenas de isolar ou banir, mas de negar ao outro o direito de ter direitos.