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2 POLÍTICA DE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA (1990-014) E O

2.2 A POLÍTICA DE FUNDOS (FUNDEF E FUNDEB): AVANÇOS E RECUOS NA

A partir das reformas educacionais da década de 1990, outras legislações se destacaram entre aquelas que normatizam e regulam o financiamento da educação, quais sejam: a Emenda Constitucional (EC) n. 14, que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), regulamentado pela Lei n. 9.424 de 24 de dezembro de 1996, e, mais recentemente, a EC n. 53, que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), regulamentado pela Lei n. 11.494, de 20 de junho de 2007. Essa última modificação compõe a política atual de financiamento da educação no Brasil.

A política de Fundos tornou-se, então, o principal instrumento de financiamento do ensino fundamental e, em seguida, da educação básica, a partir da reforma do Estado, pois foram estratégias pensadas para garantir o princípio da racionalidade financeira defendida nesse contexto. Essa política visava a transparência da aplicação dos recursos destinados ao setor educacional, a valorização do magistério e a eficiência nos gastos públicos, bem como a melhoria na qualidade do ensino43.

O Fundef foi uma das expressões das reformas educacionais que materializaram a política de descentralização financeira, reorganizando o financiamento da educação entre 1996 e 2006. Esse Fundo foi criado como uma política focalizadora e de redistribuição dos recursos, que, segundo seus idealizadores, corrigiria a má distribuição dos recursos entre as diversas regiões do país e dentro de cada Estado, na tentativa de minimizar as desigualdades presentes na rede pública de ensino. No entanto, esses objetivos não foram alcançados pois, efetivamente, não houve aplicação de recursos novos à educação, além daqueles que já eram definidos constitucionalmente, logo, ao contrário do que se propunha, essa política ficou

43 As origens da política de Fundos remontam a alguns dos estudos desenvolvidos por Anísio Teixeira em 1962 e 1968, os quais apresentam um modelo de financiamento para o ensino primário vigente à época. Esse modelo de financiamento defendido por Anísio Teixeira apresenta uma metodologia semelhante àquela que é usada no Fundef e no Fundeb, pois se baseava nos percentuais mínimos, definidos pela Constituição Federal de 1946, a serem aplicados em educação e em quotas-artes municipais e estaduais que, quando não fossem suficientes para completar o custo por aluno, seriam complementadas pela União através de uma quota-parte federal (AMARAL, 2012).

conhecida, entre alguns estudiosos do financiamento da educação (DAVIES, 1999), como mecanismo de “redistribuição da miséria existente”.

Outro problema desencadeado com o Fundef foi a indução que ele provocou ao processo de municipalização, pois, a partir dele, o país vivenciou uma disputa entre governos estaduais e municipais por alunos do ensino fundamental, uma vez que cada aluno representava maior número de recursos.

Além disso, o Fundef subvinculou recursos para o ensino fundamental e definiu uma aplicação mínima de 60% destes para a remuneração dos profissionais do magistério em efetivo exercício, apontando para uma perspectiva de valorização docente. Os demais 40% dos recursos do Fundef deveriam ser aplicados na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE)44.

O Fundo específico para o ensino fundamental era composto por recursos oriundos de transferências da União para Estados e Municípios e dos Estados para os Municípios, sendo constituído de 15% do Fundo de Participação dos Estados (FPE); 15% do Fundo de Participação dos Municípios (FPM); 15% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), incluindo os recursos relativos à desoneração de exportações; 15% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), proporcional às exportações; e 15% do ressarcimento pela desoneração de exportações, conforme a Lei Complementar n. 87/1996 (Lei Kandir)45. Além disso, havia a previsão de uma complementação do governo federal, que

44 De acordo com o artigo 70 da LDB – Lei n. 9.394/96 –, considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a: I – remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação; II – aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino; III – uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino; IV – levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas, visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino; V – realização de atividades- meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino; VI – concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas; VII – amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo; VIII – aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar. Já no artigo 71, da mesma lei, não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com: I – pesquisa, quando não vinculada às instituições de ensino ou quando efetivada fora dos sistemas de ensino, que não vise, precipuamente, ao aprimoramento de sua qualidade ou à sua expansão; II – subvenção a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial, desportivo ou cultural; III – formação de quadros especiais para a administração pública, sejam militares, sejam civis, inclusive diplomáticos; IV – programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica, psicológica e outras formas de assistência social; V – obras de infraestrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar; VI – pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e ao desenvolvimento do ensino (BRASIL, 2001a).

45 A Lei Kandir recebeu esse nome em virtude do seu autor, que foi o ex-deputado federal Antônio Kandir. Em conformidade com essa lei, isentavam-se do pagamento do ICMS os produtos e serviços

asseguraria aos governos estaduais e municipais uma parcela de recurso federal, quando o valor mínimo por aluno/ano fosse inferior ao valor definido nacionalmente, no entanto, essa complementação não foi efetivada.

De acordo com alguns estudiosos, como, por exemplo, Davies (2001), as propostas de desenvolver o ensino fundamental e valorizar o magistério, apresentadas no Fundef, são equivocadas, uma vez que esse Fundo teve início com previsão para acabar em 2006 e a valorização do magistério precisa de uma política permanente. A proposta de focalização no ensino fundamental também é um erro, pois poderia enfraquecer outros níveis e modalidades do ensino, já que desconsiderava as matrículas da educação infantil, do ensino médio e da educação de jovens e adultos para a distribuição dos seus recursos. Outro problema destacado pelo autor é o fato de a política de Fundos não vincular recursos novos à educação, apenas redistribuir os recursos já existentes definidos na Constituição Federal46.

Os Conselhos de Fiscalização do Fundef, por sua vez, foram outro problema na implementação dessa legislação, já que sua eficácia era muito limitada, por serem mais estatais do que sociais, ou seja, eles possuíam mais representantes do Estado do que da sociedade. O fato de o valor aluno/ano ter sido fixado abaixo do que estava previsto, considerando-se o recurso disponível e não os custos para se ter um ensino de qualidade (como prevê o CAQi), e de a União não ter repassado a complementação conforme o previsto na lei de regulamentação do Fundo também são críticas centrais em relação a esse Fundo. Sobre o cálculo do valor por aluno, utilizado de maneira equivocada durante o Fundef, Amaral (2012, p. 133) evidencia:

Monlevade e Ferreira (1997) detalham uma análise para o ano de 1998, quando afirmam que o Ministério da Fazenda projetava uma arrecadação global do fundo de R$ 13.312.110.000,00 e estimava o número de estudantes em 31.464.215, o que resultaria um valor mínimo de R$ 423,07 e, entretanto, o governo federal divulgou esse mínimo no valor de R$ 315,00, deixando, portanto, de cumprir o estabelecido na legislação.

Percebe-se com essa atitude que há uma ausência de interesse, por parte do governo federal, em utilizar a legislação a favor de melhorias para a educação. Nessa mesma

destinados à exportação e, por isso, a União ficou responsável por efetivar o ressarcimento aos Estados e ao DF do valor que seria arrecadado com esses produtos e serviços (AMARAL, 2012).

46 A definição da Emenda Constitucional n. 14/1996 era de que Estados, Municípios e DF deveriam aplicar, pelo menos, 60% do percentual constitucional mínimo de 25%, ou seja, 15% dos impostos destinados à educação nacional seriam específicos para o ensino fundamental.

perspectiva, Davies (2001, p. 15) ressalta a seguinte crítica sobre a forma de organização da política de Fundos, especialmente, o Fundef:

Tal priorização legislativa (muito mais do que real) do ensino fundamental deve ser compreendida no contexto das políticas educacionais inspiradas em orientações de organismos representativos do capital internacional hegemônico, em particular o Banco Mundial, que, a partir do diagnóstico de uma crise fiscal (receita menor do que despesa) do Estado e preocupado em garantir o pagamento da dívida pública e seus juros, vem propondo um conjunto de medidas que combinam redução de gastos públicos no setor social e/ou redirecionamento de tais gastos para setores supostamente de maior prioridade social.

Analisando de forma crítica, Carvalho (2010) compreende a política de Fundos como mais uma estratégia pensada a partir do princípio da racionalidade financeira defendido na Reforma do Estado de 1990. Essa forma de organização do financiamento da educação demonstra, na verdade, o desinteresse da classe dominante em garantir uma educação pública de qualidade para todos, pois não há uma política de financiamento que garanta a ampliação dos gastos públicos, mas, sim, uma limitação dos recursos financeiros para manter o status quo.

Tendo em vista as lacunas evidenciadas com o Fundef, especialmente o fato de o repasse de recursos ter sido definido com base apenas nas matrículas do ensino fundamental, em 2006, com o prazo de duração expirado, ocorreu a sua substituição pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)47, expandindo o atendimento a toda a educação básica. A discussão da valorização do profissional do magistério continua central e com maior ênfase48.

47 A passagem do Fundef para o Fundeb não ocorreu de maneira tranquila. A tramitação do projeto de Lei que criou o Fundeb foi permeada por divergências, como, por exemplo, o fato de a primeira proposta governamental ter excluído a creche do financiamento previsto pelo Fundeb. Essa atitude gerou muita resistência por parte dos movimentos organizados em prol da educação infantil.

48 Na legislação do Fundeb, são considerados profissionais do magistério da educação aqueles que atuam como docentes ou profissionais que oferecem suporte pedagógico direto ao exercício da docência: direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão, orientação educacional e coordenação pedagógica. Em 2009, a Lei n. 12.014/09 alterou o artigo 61 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96) e definiu as categorias de trabalhadores que se devem considerar profissionais da educação. Essa legislação ampliou de duas para três as categorias dos profissionais da educação: docentes, especialistas da educação e funcionários de escola. Para o exercício profissional, foram exigidos pré-requisitos mínimos quanto à formação pedagógica. A referida Lei contempla uma longa jornada na luta pelo reconhecimento dos trabalhadores não docentes da educação pública básica, para que sejam valorizados e reconhecidos como importantes atores no processo pedagógico dos alunos e na sua formação como cidadãos.

O Fundeb49 é um Fundo de natureza contábil composto por 20% do Fundo de Participação dos Estados (FPE); 20% do Fundo de Participação dos Municípios (FPM); 20% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); 20% do Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPIexp); 20% do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD); 20% do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA); e 20% do Imposto Territorial Rural (ITR). Além destes, o governo federal fará o aporte, quando necessário, de recursos adicionais, sendo esses valores limitados a R$ 2 bilhões, em 2007, R$ 3 bilhões, em 2008, R$ 5 bilhões, em 2009, e, de 2010 a 2020 (ano previsto para o fim do Fundeb), um total de, no mínimo, 10% do total de recursos colocados no Fundo pelos Estados e Municípios (AMARAL, 2012).

Vale salientar que a implementação do Fundeb ocorreu gradualmente, alcançando a sua plenitude em 2009, quando o Fundo começou a funcionar com todo o universo de alunos da educação básica pública presencial e os percentuais de receitas que o compõem passaram a alcançar o patamar de 20% de contribuição.

A redistribuição dos recursos foi realizada com base no número de alunos da educação básica pública, de acordo com dados do Censo Escolar referente ao ano anterior, ou seja, manteve-se o critério de distribuição dos recursos do Fundo anterior, sendo computados os alunos matriculados nos respectivos âmbitos de atuação prioritária, conforme o artigo 211 da Constituição Federal de 1988. Dessa forma, os Municípios recebem os recursos do Fundeb com base no número de alunos da educação infantil e do ensino fundamental e os Estados, com base no número de alunos do ensino fundamental e médio, compreendendo todas as etapas e modalidades da educação básica.

Para cada aluno é definido um valor anual. De acordo com a Lei n. 11.494/2007, o valor anual por aluno do Fundeb, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, é obtido através da razão entre o total de recursos de cada Fundo e o número de matrículas presenciais efetivas nos âmbitos de atuação prioritária (§§ 2º e 3º do artigo 211 da Constituição Federal), multiplicada pelos fatores de ponderações aplicáveis (BRASIL, 2007a).

49 A substituição do Fundef pelo Fundeb nos permite uma reflexão acerca da mudança da política de focalização (fortemente instituída no governo de Fernando Henrique Cardoso) para uma política de universalização gradativa (destacada no governo de Luiz Inácio Lula da Silva), a qual estava atrelada ao cumprimento de metas de universalização da educação básica estabelecidas no Plano Nacional de Educação (2001-2010). A queda na oferta das matrículas da educação infantil, que gerou questionamentos sobre o Fundef, também nos possibilita refletir sobre essa substituição de Fundos. Entretanto, o Fundeb não representou uma ruptura com a política descentralizadora do governo de FHC, pois manteve o critério de distribuição dos recursos definidos no Fundef, apesar de trazer à tona uma expectativa de reformulação no modelo de financiamento da área.

A legislação do Fundeb determina, ainda, que seus recursos se destinem à manutenção e ao desenvolvimento da educação básica pública (máximo de 40%) e à valorização dos trabalhadores em educação, incluindo sua condigna remuneração (mínimo de 60%). Por essa razão, a política de Fundos, especialmente o Fundeb, torna-se prerrogativa do desenvolvimento do processo de valorização do magistério no Estado brasileiro sob o modelo da descentralização, ao mesmo tempo que a qualidade do ensino se torna prioridade nos planos, programas e projetos elaborados à época.

Logo, percebe-se que a política de Fundos está permeada por avanços e recuos. Consideramos avanço quando ela garantiu uma definição de recursos mínimos a serem investidos na educação básica, possibilitando, assim, uma melhor distribuição dos recursos a serem investidos na educação de cada Estado e Município. Por outro lado, as contradições que permeiam sua implementação configuram-se recuos, pois limitam o rompimento da educação com a lógica neoliberal de racionalização dos recursos e distanciam-se da conquista de uma política de financiamento capaz de resolver os graves problemas desse setor social.

Segundo Ball (2011, p. 37), as contradições podem fazer parte das políticas públicas, pois é possível que haja um “conjunto de políticas não coordenadas e contraditórias em ação”. O mesmo autor argumenta: “As políticas normalmente não dizem o que fazer; elas criam circunstâncias nas quais o espectro de opções disponíveis sobre o que fazer é reduzido ou modificado ou em que metas particulares ou efeitos são estabelecidos” (BALL, 2011, p. 45- 46).

Compreendemos, portanto, a política de Fundos como uma das dimensões das políticas públicas educacionais, percebendo o quanto a própria construção da política é organizada de maneira a fazer com que diversas interpretações possibilitem práticas diferentes. Logo, a formulação e a aprovação de uma política nem sempre são garantia de conquistas, já que o seu processo de implementação depende ainda de uma diversidade de fatores, dentre os quais o interesse do governo em efetivar tais ações.

2.3 A POLÍTICA DE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA NOS GOVERNOS