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CAPÍTULO II – DAS CONCEPÇÕES DE LOUCURA À DOENÇA MENTAL E AS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO EM SAÚDE MENTAL DISPENSADAS ÀS

2.2. A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL E NO PARÁ:

A chegada da família real e a necessidade de maior controle social, criou um espaço para retirar das ruas aqueles que ameaçavam a paz e a ordem social. Em 1852, foi criado o primeiro hospício brasileiro, no qual o isolamento era a principal técnica.55 No início do século XX, mais precisamente em 1903, a psiquiatria brasileira tinha como maior representante o médico Juliano Moreira, que introduziu a técnica das colônias agrícolas para os(as) alienados(as)56. A ideia de que o(a) doente mental deveria ser tratado(a) com auxílio do trabalho foi então disseminada em todo o país.57

Especificamente no estado do Pará, é importante destacar que o atendimento em saúde mental no Hospital de Clínicas pode ser considerado, em certa perspectiva, uma continuidade na medida em que, no período que vai de 1910 até o final da década de 80, a referência em termos de atendimento médico-psiquiátrico era concentrada no Hospital de Alienados Juliano Moreira.

Sobre a assistência psiquiátrica no estado do Pará, nos anos de 1833 a 1984, referência é a obra de Janari da Silva Pedroso (2008), que informa:

O Hospital de Alienados representou apenas a remoção dos doentes do Asilo do Tucunduba para uma localidade onde se concentrava um amontoado de loucos, vigiados por uma equipe de médicos e enfermeiros e controlados por funcionários. O tratamento, se é que se pode assim denominar, era antes um ato de penitência dos loucos perante a sociedade.‖ (...) Ao se considerar a exposição de Vianna (1992) sobre o Asilo do Tucunduba e o Hospital de Alienados, verifica-se que, no segundo, há uma tendência nítida à medicalização, enquanto reforço da estigmatização e da segregação da loucura predominava o Asilo do Tucunduba. (...) Na comparação do empirismo com a legitimação científica, o saber médico no Hospital de Alienados pode ser caracterizado pela forte incapacidade de lidar com os aspectos psicológicos, sociais e culturais dos problemas mentais dos doentes. Conseqüentemente, há um ambiente inadequado para uma abordagem mais abrangente da reintegração e da ressocialização dos pacientes (loucos, leprosos, alcoólatras etc.) e da atenção contínua da psiquiatria. 58

55 SILVEIRA, Lia C. BRAGA, Violante A.B. Acerca do conceito de loucura e seus reflexos na assistência

de saúde mental. Revista Latino-americana de Enfermagem. 2005. julho-agosto, 13 (4): 591-595.

56 Alienado remete-se a um estado patológico no qual o indivíduo se tornou alheio a si mesmo. Informação

disponível em < http://www.psiqweb.med.br> acesso em 18.08.09.

57 GONDIM, Denise S. M. Dissertação de Mestrado em Ciências da Saúde Pública. ―Análise da

implantação de um serviço de emergência psiquiátrica no município de Campos dos Goytacazes-RJ: Inovação ou reprodução do modelo assistencial?.‖ Escola Nacional de Saúde Pública. FIOCRUZ. Rio de Janeiro, 2001.

58 PEDROSO, Janari da Silva. Loucura e assistência psiquiátrica no Pará (1833-1984). Belém: NAEA,

Segundo versão oficial, no ano de 1982, o hospital Juliano Moreira foi incendiado, numa atitude de resistência, pelos internos da ala masculina. O prédio foi desativado e, por exemplo, alguns funcionários que hoje se encontram no Hospital das Clínicas, lá trabalharam. De modo abrangente, pode-se dizer que a instituição psiquiátrica denominada Hospital de Alienados Juliano Moreira representava toda uma concepção de atendimento manicomial, que isolava as pessoas em celas, dopando-os com medicamentos diuturnamente, ou seja, um verdadeiro depósito de seres humanos espoliados(as) e destituídos(as) de direitos básicos fundamentais, especialmente a dignidade da pessoa humana.

Nas décadas de 1930 a 1950, o modelo hospitalocêntrico foi a base de toda a política de saúde mental brasileira, construindo-se ou reformando-se grandes hospícios estatais59. Nos anos 1960, após o Golpe, a política manicomial sofreu nova expansão e reformulação, introduzindo-se a assistência ambulatorial (ambulatorização) a partir da influência do movimento denominado Psiquiatria Comunitária e o financiamento pela Previdência Social de clínicas privadas para atendimento da demanda de doentes psiquiátricos.60

A partir dos anos 70, ante as condições de atendimento aos pacientes psiquiátricos e a hegemonia dos hospitais privados, corroborado com as reivindicações para redemocratização do país, a saúde mental foi incluída na pauta de debates dos movimentos sociais. No caso da assistência psiquiátrica, as discussões a respeito das práticas manicomiais acompanhavam o projeto sanitarista que, em fins dos anos de 1970, já delineavam uma forma de participação popular na área de saúde.

Em 1987 foi implantado o primeiro CAPS61 (Centro de Atenção Psicossocial, em São Paulo), em 1989, o primeiro NAPS62 (Núcleo de Atenção Psicossocial, em Santos-

59 Hospícios estatais tinham como principal característica ser uma instituição hospitalar pública, distante

dos centros urbanos, que abrigavam pessoas diagnosticadas com transtorno mental em caráter definitivo. Existiam hospitais ou alas separadas para homens e mulheres que ficavam segregados do convívio social e controlados sob medicação constante.

60 GONDIM (2001).

61 O Caps (Centro de Atenção Psicossocial Luiz Cerqueira) em São Paulo, no ano de 1987, inaugurou esta

nova modalidade de dispositivo, um modelo de serviço onde os pacientes eram atendidos em programas de atividades diversos, funcionando oito horas diárias durante os cinco dias da semana, com o objetivo de acolher aqueles que, com graves dificuldades de relacionamento, pudessem permanecer fora do hospital.

62 O Naps (Núcleo de Atenção Psicossocial) propõe funcionar 24 horas por dia e que tem por objetivo

substituir o manicômio, garantindo atendimento 24 horas, possui o que denominam de espaço de convivência, de atenção à crise, de reabilitação psicossocial. Significa uma mudança na forma de tratar a pessoa com doença mental.

litoral paulista). Estes serviços foram modelos para iniciativas e programas de saúde mental em outros estados e municípios do Brasil.63

No Brasil, a Assistência Psiquiátrica Pública na década de 90 tem sido marcada por uma política de redução dos leitos hospitalares localizados nos hospitais psiquiátricos tradicionais e pela implantação concomitante de recursos terapêuticos substitutivos ao aparelho manicomial. A base dessa reforma seria a eliminação paulatina do hospital psiquiátrico com o redirecionamento dos recursos públicos aos hospitais gerais e às redes comunitárias de integração sócio-familiar. É uma alteração, sobretudo, do modo de conceber a política de saúde mental e a disponibilidade dos bens públicos.64

Isto significa dizer que as políticas públicas na saúde mental tendem a reduzir recursos para leitos hospitalares em hospitais psiquiátricos, pulverizando os leitos em hospitais públicos gerais ou hospitais de menor porte (até 160 leitos), bem como fomentando assistência à saúde mental por outras estruturas não hospitalares, como são exemplos, os centros de apoio psicossocial.

Nesse sentido, a Portaria nº 251/GM (Gabinete do Ministro) de 31 de janeiro de 2002 do Ministério da Saúde do Governo Federal, estabelece diretrizes e normas para a assistência hospitalar em psiquiatria, reclassifica os hospitais psiquiátricos, define e estrutura a porta de entrada para as internações psiquiátricas na rede do SUS (Sistema Único de Saúde)65.

Em decorrência das medidas implementadas se verificam nos gráficos e quadros a seguir, a vertiginosa redução dos leitos psiquiátricos, e, ao mesmo período, a ampliação da rede de atenção psicossocial no Brasil.

63 SILVEIRA, Lia C. BRAGA, Violante A.B. Acerca do conceito de loucura e seus reflexos na assistência

de saúde mental. Revista Latino-americana de Enfermagem. 2005. julho-agosto, 13 (4): 591-595.

64 ALARCON, Sérgio. Dissertação de Mestrado em Ciências da Saúde Pública. ―Nos limites da

desmesura: aforismos sobre reforma psiquiátrica e movimento antimanicomial no Brasil.‖ Escola Nacional de Saúde Pública. FIOCRUZ. Rio de Janeiro, 2002. fl. 45.

65RIBEIRO, José M. A Agência Nacional de Saúde Suplementar e as Políticas de Saúde Mental