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Antes da política e da economia, é esta contribuição destilada de Marx por Bloch que interessa Lévinas A política e a economia corroboram o sentido de uma

Amor, morte, rosto e infinito

3. Antes da política e da economia, é esta contribuição destilada de Marx por Bloch que interessa Lévinas A política e a economia corroboram o sentido de uma

ontologia hegemônica que não assume o pressuposto ético destacado pelo pensamento de Bloch. Seu interesse está nos textos do jovem Marx (Sagrada Família, Manuscritos

econômico-filosóficos, Teses sobre Feuerbach, Ideologia Alemã), pensador envolvido com idéias e não com o cientificísmo econômico que predomina no Capital. Bloch já se situa num momento pós-revolucionário, revalorizando a esperança numa intesificação de seu sentido ético como compromisso com a humanidade, com a civilização humana, para-além da luta de classes, realizando uma síntese entre o marxismo e o messianismo judaico-cristão. Lévinas nos diz a esse respeito que:

“Para Bloch, esta esperança inscreve-se na cultura ou, mais exatamente, em todo um lado da cultura que escapa à danação do mundo inacabado e alienado. Esta filosofia, que se apresenta como uma interpretação do materialismo dialético, dá uma extrema atenção a todas as formas da obra humana, procede a uma hermenêutica refinada da cultura universal que vibra por simpatia. Na cultura, o mundo cumprido é entrevisto, apesar da luta de classes ou como origem da coragem nesta luta.” 42

Assim, Bloch pensa um “princípio de esperança” que seria uma ontologia do “ainda-não-ser”, em que a inteligibilidade do ser coincidiria com o seu “acabamento de inacabado”, e que não se fundamenta sobre as categorias de realidade e necessidade das ontologias tradicionais. O primado não estaria nem do lado do “ser”, nem do “nada”, mas do “ainda-não”, o qual dá origem à uma nova ontologia reorientada em relação à intencionalidade temporal, isto é, não mais uma projeção do ser em direção a seu fim, como em Heidegger, nem uma imagem móvel da eternidade, como em Platão, mas como porvir, “atualização do inacabado”.

Poderíamos ver nisso uma radicalização da fenomenologia que entenderia o ser radicalmente e constantemente em processo, orientado pela utopia. Bloch afirma:

“(...) o ‘Ser’ não está perdido e sim nunca esteve presente, (...) a ontologia do ‘ainda-não-ser’ é a do ente vinculado processualmente em seu formar-se e com permanente referência ao ‘Ser’ como mediatizado Ser-em-ascensão.” 43

O sentido ético que nos interessa nessa reorientação ontológica está no fato de que há uma abertura para o indeterminado, em que não há um horizonte de possibilidades previamente indicado, mas que, entretanto, não nos leva à abandonar a tarefa relativa ao “que devemos fazer”. Não havendo um ideal a ser alcançado, não ficamos por isso dispensados do esforço de construir nosso “lar” (Heimat), nossa “casa”. Ainda que seja um mundo sempre porvir, a esperança de um mundo melhor movimenta a realização do ser. Em sua leitura de Bloch, Lévinas nos diz:

“O trabalho do homem é,(...) condição transcendental da verdade. Produzir é ao mesmo tempo fazer e apresentar o ser na sua verdade. Este produzir é praxis. Não há puramente teórico que não seja já trabalho. Já a aparição da sensação supõe um trabalho. É então enquanto trabalhador que o homem é subjetividade. O homem não é então mais uma região do ser, mas um momento da sua efetuação enquanto ser. A verdade do ser é portanto atualização da potência ou história. (...) É tempo de realização, determinação completa que é atualização de toda a potência, de toda a obscuridade do fatual onde se situa a subjetividade do homem alienado na sua efetuação técnica. É atualização do inacabado. Que haja o Mestre e o Escravo, é este inacabamento.”44

Para Lévinas, o tempo é assim levado à sério, pois o porvir não é nunca virtualmente real, sem pré-existência. Ele é relação com a utopia, caminho esperançoso, e não senda para um fim determinado pela obscuridade do presente. Antes de tornar o mundo seu “lar”, o homem opõe-se ao mundo, encontrando-se nessa obscuridade. Por isso, seu destino não pode ser ditado simplesmente pelo ser, mas pelo co-pertencimento de um sentido humano para o ser, um sentido esperançoso por um mundo à ser feito, em que o homem e o seu trabalho ganham uma dignidade própria e não sejam apenas “mercadoria”, em que o ser não é ainda e o presente obscuro se ilumina pela utopia.

Para Bloch, devemos considerar como impulsos para a evolução da humanidade, os sonhos, as fantasias, as idéias religiosas e as utopias. Ao tomar consciência do que "ainda-não-existe", devemos tornar possível pelo trabalho, a existência de um mundo livre da repressão e da exploração do homem pelo homem, uma "utopia concreta" que

43 Bloch, Tübinger Einleitung in die Philosophie, p. 216. 44 Idem, p. 112 e 113.

expressa a esperança numa futura superação de todas as contradições. Nos diz Bloch em

O princípio esperança:

“Somente ao se abandonar o conceito imóvel e fechado do ser surge a real dimensão da esperança. O mundo está, antes, repleto de disposição para algo, latência de algo, e o algo assim intencionado significa plenificação do que é intencionado. Significa um mundo mais adequado a nós, sem dores indignas, angústia, auto-alienação, nada. Esta tendência, porém, está em curso para aquele que justamente tem o novum diante de si. É somente no novum que o para-onde do real mostra a determinação mais fundamental do seu objeto, e esta convoca o ser humano, em quem o novum tem os seus braços. O saber marxista significa que os difíceis processos de ascensão se desenvolvem tanto no conceito quanto na práxis. Na problemática do novum reside a abundância de campos do saber ainda inabitados. Nela, a sabedoria do mundo torna-se novamente jovem e originária. Se o ser se compreende a partir do seu de-onde, então ele se compreende, a partir daí, apenas como um para-onde igualmente tendencial, ainda inconcluso. O ser que condiciona a consciência, assim como a consciência que trabalha o ser, compreendem-se em última instância somente a partir de onde e para onde tendem. A essência não é o que foi, ao contrário: a essência mesma do mundo situa-se na linha de frente.”45

4. Portanto, não se trata de realizar uma utopia ideal, mas uma outra utopia, ativa e