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CAPÍTULO 2: A POLÍTICA EXTERNA DOS GOVERNOS FHC E LULA

2.3 A Política externa do governo Fernando Henrique Cardoso

2.3.1 Os EUA na política externa de FHC

Analisar as relações brasileiras com Estados Unidos nos permite compreender melhor o significado dos ajustes e adaptações implementados na política externa brasileira na década de 1990 (VIGEVANI; OLIVEIRA e CINTRA, 2003). Nesse período, “[...] a busca de melhores relações bilaterais foi acompanhada da ênfase na autonomia de atuação internacional do país e da afirmação de sua condição de global player e de global trader.” (VIGEVANI, OLIVEIRA e CINTRA, 2003, p. 43).

O presidente Fernando Henrique Cardoso procurou melhorar as relações bilaterais com os EUA já em 1995, ou seja, no primeiro ano de seu mandato. Seu governo “[...]

conseguiu alcançar resultados positivos ao superar contenciosos existentes há muito, alguns deles originados nos governos militares.” (VIGEVANI, OLIVEIRA e CINTRA, 2003, p. 42). A iniciativa do Brasil foi facilitada devido a atuação presidencial, a política de estabilização macroeconômica, a adesão brasileira ao Missile Technology Control Regime, MTCR e a promessa do governo brasileiro de encaminhar a proposta de adesão ao Tratado de não proliferação de armas nucleares, TNP, fato que ocorreu em 1998.

O governo FHC, procurando formas mais apropriadas de inserção para o Brasil, “[...] levou em consideração a preponderância dos Estados Unidos. Daí o explicito reconhecimento da importância de boas relações com esse país, para garantir o espaço de autonomia do Brasil e para viabilizar o seu papel [de liderança] na América do Sul.” (VIGEVANI; OLIVEIRA e CINTRA, 2003, p. 43).

Com a implantação do Plano Real, aliada às medidas de estabilização econômica, a balança comercial brasileira com os Estados Unidos tornou-se deficitária. Somente no período de 1994 a 1996, as importações brasileiras de produtos norte-americanos tiveram um acréscimo de 91%, ultrapassando os US$ 13 bilhões de dólares (RAMOS BECARD, 2009). Em 1999, eles respondiam por 22% de todas as importações brasileiras.

A professora Danielly Silva Ramos (2009) argumenta que, apesar do aumento da presença no mercado brasileiro, a recíproca não foi verdadeira. Entre 1994 e 1996, o Brasil aumentou suas exportações para o mercado norte-americano em “apenas” US$ 340 milhões de dólares. Segundo ela, alguns fatores contribuíram para isso, dentre os quais destacamos: a alta exigência de padrões tecnológicos e de qualidade, a necessidade de produção em grande escala e a relutância dos negociadores, brasileiros e americanos, em fazer concessões em áreas consideradas estratégicas.

Durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, um tema recorrente na pauta de discussão dos governos de Brasil e EUA, foi a formação da Área de Livre Comércio das Américas - ALCA. Durante seu primeiro mandato, FHC procurou protelar as discussões da ALCA, ao mesmo tempo, que tentava fortalecer o MERCOSUL. A estratégia brasileira consistiu em:

i) Fortalecer a posição brasileira por meio da construção de posições semelhantes com outros participantes; ii) postergar o início tanto as negociações quanto os prazos de liberalização comercial; iii) manter os objetivos do plano Bush, do início da década de 1990; iv) conduzir simultaneamente as negociações da Alca e da liberalização do Mercosul – União Europeia, com vistas a aumentar o poder de barganha brasileira. (RAMOS BECARD, 2009, p. 106).

Já no segundo mandado, o governo FHC, com vista a evitar o isolamento do Brasil, buscou participar, de forma mais ativa, das negociações para a formação da ALCA. O objetivo era incluir, no projeto, itens e conceitos de interesse do Brasil e do MERCOSUL. Apesar dos esforços do governo brasileiro, o projeto deixava poucos espaços para negociação de temas que não fossem do interesse dos Estados Unidos.

Alguns analista defendem que, se analisarmos pela lógica da política econômica implementada pelo governo FHC, a ALCA poderia ter sido uma oportunidade para modernizar a economia do país. Contudo, as negociações não avançaram conforme o desejado. Se por um lado o governo brasileiro “[...] condicionou as negociações sobre serviços, investimentos, propriedade intelectual e compras governamentais ao fornecimento de maior acesso ao mercado norte-americano e à eliminação de barreiras não tarifárias e subsídios agrícolas nos Estados Unidos.” (RAMOS BECARD, 2009, p. 106). Por outro, o governo Clinton não tinha mais condições políticas de avançar nas negociações.

O então presidente Bill Clinton enfrentava alguns problemas decorrentes do seu envolvimento amoroso com uma estagiária da Casa Branca. Seu governo também estava pressionado pelo fortalecimento dos conservadores que defendiam a adoção de medidas protecionistas, e pela proximidade das eleições presidenciais.

Durante as negociações da ALCA, o presidente Clinton não recebeu do congresso americano o fast track, que é uma autorização para negociar, diretamente, acordos comerciais. Isso também influenciou o andamento das discussões para a criação do bloco econômico, pois as decisões deveriam ser, constantemente, avalizadas pelo congresso. Nesse período, tivemos ainda as crises econômicas da América Latina, Ásia e Rússia, e o fracasso do encontro, realizado em Seattle, para discutir as novas regras para a OMC, e consequentemente, destravar o comércio mundial.

Neste contexto, a política externa dos EUA voltou suas atenções para as questões de segurança como a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte - OTAN, com a inclusão de membros do leste europeu, as negociações para a solução do problema entre Israel e palestinos, e o combate ao tráfico de drogas, com implementação do Plano Colômbia.

Em relação à América Latina, os EUA passam a discutir acordos bilaterais com diversos países do continente. Isso fez o Brasil perder espaço na agenda política dos EUA, e as relações entre os dois entram em compasso de espera. Como reação, o governo brasileiro procurou melhorar suas relações com outros países emergentes, aumentou suas críticas ao

modelo de globalização assimétrica e deu seguimento ao projeto de Integração Física da América do Sul, IRSA.

Com os atentados terroristas de 11 setembro, as relações bilaterais entre Brasil e EUA tornaram-se mais complicadas. Após este evento, como forma de solidariedade, o governo brasileiro invocou o Tratado Interamericanos de Assistência Recíproca - TIAR, para atuar internacionalmente em apoio aos EUA. Contudo, os ataques não foram realizados por agentes estatais, logo o tratado não se aplica.