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4 EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL: ESPECIFICIDADES, CONCEPÇÕES

4.3 Políticas de Educação: Rural X Campo

Na busca pela compreensão da diferença do conceito de rural e campo, no que diz respeito à educação, se faz necessário levar em consideração o que se tem construído ao longo de muitos estudos acadêmicos, resultados de pesquisas que envolvem o próprio campo. Assim, ao expressar o termo “Educação Rural”, de imediato se percebe a relação existente entre as ideias de mercado, competição, capitalismo, ranqueamento etc. Tem-se aqui, portanto, uma educação que direciona para uma formação pragmática, no sentido de conduzir os estudantes do campo às atividades no mercado de trabalho em uma condição de subalternidade e precarização, ou seja, submetidos a um processo gradual de desumanização do sujeito.

No Brasil, a expressão “Educação Rural” vem sendo utilizada desde a década de 1930, no governo Vargas, como forma de limitação geográfica do espaço urbano e de definição de políticas públicas para esses espaços que, embora distintos, tivessem as práticas educacionais a partir do urbano. O que estava por traz desses projetos que envolviam economia e política era a lógica do capitalismo, a partir do agronegócio defendido pelas grandes empresas exploradoras dos bens naturais brasileiro.

Quando se trata da educação rural no Brasil, temos um histórico de precariedade, atraso, qualidade mínima com poucos recursos pedagógicos e estrutura física inadequada.

O conceito de educação rural esteve associado a uma educação precária, atrasada, com pouca qualidade e poucos recursos [...]. Tinha como pano de fundo um espaço rural visto como inferior, arcaico. Os tímidos programas que ocorreram no Brasil para a educação rural foram pensados e elaborados sem seus sujeitos, sem sua participação, mas prontos para eles (FERNANDES; MOLINA, 2004, p. 61).

Diante desse quadro, os movimentos sociais, ao fazerem crítica a uma realidade de educação posta ao povo brasileiro que trabalha e vive no/do campo, passam a definir outro

conceito de educação para o campo. Importante compreender que não se trata apenas de uma

mera troca de palavras, mas da mudança de concepção de mundo e de sociedade.

A Educação do Campo nasceu como mobilização/pressão de movimentos sociais por uma política educacional para comunidades camponesas: nasceu da combinação das lutas dos Sem Terra pela implantação de escolas públicas nas áreas de Reforma Agrária com as lutas de resistência de inúmeras organizações e comunidades camponesas para não perder suas escolas, suas experiências de educação, suas comunidades, seu território, sua identidade (CALDART, 2012, p.15).

A compreensão do conceito de Educação do Campo vem da ação dos movimentos em suas organizações a partir de iniciativas voltadas para a efetivação de políticas públicas educacionais que envolviam o debate sobre a reforma agrária. Com o I Encontro Nacional de

Educadores da Reforma Agrária (I ENERA), realizado em 1997, promovido pelas entidades MST, UNB, UNESCO, UNICEF, e CNBB, inicia-se um debate a nível nacional sobre educação rural dando importância às características específicas do campo.

Na Conferência Nacional de Educação do Campo, realizada em 1998, dentre os compromissos defendidos destacam-se: no ITEM 1, letra A: “A Educação do Campo tem um compromisso com a Vida, com a Luta, e com o Movimento Social que está buscando construir um espaço onde possamos viver com dignidade”. Na Letra B, diz-se: “A Escola, ao assumir a caminhada do povo do campo, ajuda a interpretar os processos educativos que acontecem fora dela e contribui para a inserção de educadoras/educadores e educandas/educandos na transformação da sociedade. (CONEC, 1998, p.1).

Nesse período, a defesa da Educação do Campo já demonstra a preocupação dos sujeitos que participaram do evento. Ainda, ela afirma uma proposta para a educação do campo que contribua com o processo de transformação da sociedade, portanto, uma educação transformadora.

Com a II Conferência Nacional de Educação do Campo outros grupos são organizados, as universidades e as representações governamentais passam a definir e colocar em prática metas para inserção dos filhos dos trabalhadores do campo nas universidades públicas, pois esta, seria a concretização da mudança de educação rural excludente, opressora fundamentada na lógica do agronegócio para uma educação do/no campo voltada para um projeto pensado e elaborado a partir da trajetória de luta do trabalhador do campo. O movimento pela educação do campo pode “[consolidar] a consciência de que os direitos carregam as especificidades de seus sujeitos concretos, dos coletivos sociais históricos que são titulares desses direitos”. (ARROYO, 2007, p. 164).

Ao pensar sobre a Educação do Campo, importante compreender que a ação educativa não se restringe apenas ao espaço da escola; ela abrange todos os espaços formativos que possam contribuir para a formação humana do povo do campo. Em relação à educação escolar, o que se propõe desenvolver neste espaço é sempre de muita importância, porque se compreende que a escola

[...] pode ser um lugar privilegiado de formação, de conhecimento e cultura, valores e identidades das crianças, jovens e adultos. Não para fechar-lhes horizontes, mas para abri-los ao mundo desde o campo, ou desde o chão em que pisam. Desde suas vivências, sua identidade, valores e culturas, abrir-se ao que há de mais humano e avançado no mundo (ARROYO, CALDART, MOLINA, 2011, p. 14).

O que se pretende, portanto, é um projeto educativo que respeite as especificidades do campo e de seus sujeitos. Uma escola que auxilie na interpretação e

compreensão do campo, das lutas, das reivindicações e que identifique estes sujeitos como seres históricos e sociais que vivem e retiram do campo a sua existência. Trata-se, então de uma luta contra hegemônica que estabeleça uma correlação de forças materializadas por meio de uma concepção de mundo calcada na luta pela emancipação dos sujeitos do campo, objetivo “voltado aos interesses e ao desenvolvimento sociocultural e econômico dos povos que habitam e trabalham no campo, [...] [que atenda] as suas diferenças históricas e culturais” (FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2004, p. 27).

Neste sentido, se poderia colocar como um dos maiores desafios da escola, oportunizar, a partir do conhecimento da realidade a socialização dos conhecimentos elaborados. Esta socialização tem ainda o compromisso com a formação de espaços democráticos onde a comunidade escolar possa deliberar e buscar alternativas diante do quadro imposto pela fragmentação individualista do sistema do capital.

Neste prisma, ao pensar sobre a gestão democrática das escolas do campo, se compreende, necessário trazer um breve debate sobre a gestão democrática da escola pública, especialmente pelo fato de o conceito de escola pública ser mais amplo e o modelo de escola do campo estar inserido nesse quadro maior.