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1 REFORMA DO ESTADO E DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: AS POLÍTICAS DE PARCERIA ‘PÚBLICO-PRIVADO’

1.2 UNIVERSIDADE PÚBLICA/ESTATAL: POLÍTICAS DE REFORMA PARA O MERCADO

1.2.2 Políticas de reforma do governo de Luiz Inácio Lula da Silva: parceria ‘público privado’ na universidade pública

Para entendermos o processo de reforma do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 / 2007-2010), é imprescindível indicar as relações das políticas de reforma com o planejamento de governo, o que demonstra não só as pretensões iniciais de continuidade nas reformas do governo anterior, mas, principalmente, o aprimoramento da gestão de mercado, dinamizando a relação de parceria entre o público e o privado nas universidades públicas.

Logo no primeiro ano de governo, o presidente Lula da Silva assinou o Decreto de 20 de outubro de 2003 que instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) “encarregado de analisar a situação atual e apresentar plano de ação visando à reestruturação, o desenvolvimento e a democratização das Instituições Federais de Ensino Superior” (BRASIL, 2003a, grifo nosso). Como resultado de trabalho foi elaborado o relatório intitulado Bases

para o enfrentamento da crise emergencial das universidades brasileiras e roteiro para a reforma da universidade brasileira, o qual justifica e sinaliza as reformas da educação superior desse governo.

Este documento objetiva sugerir ideias para enfrentar a crise da educação superior nas universidades federais e orientar os parâmetros da reforma como um instrumento decisivo para a “[...] construção do Brasil ao longo do século XXI” (BRASIL, 2003b, p. 1). O GTI foi composto pelo núcleo do governo, representantes dos seguintes órgãos, descritos no artigo 2º do Decreto:

I. Ministério da Educação, que o coordenará; II. Casa Civil da Presidência da República; III. Secretaria-Geral da Presidência da República; IV. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; V. Ministério da Ciência e Tecnologia;

VI. Ministério da Fazenda. (BRASIL, 2003a, p. 1).

Destes órgãos, participaram os seguintes membros: I. Cristovam Buarque e Carlos Antunes do Ministério da Educação; II. Kátia dos Santos Pereira e Edison Collares da Casa Civil; III. Luiz Tadeu Rigo e Luiz Soares Dulci da Secretaria Geral da Presidência da República; IV. Marcelo Feitosa de Castro e Luiz Eduardo Alves do Ministério do Planejamento; V. Hélio Barros e Wanderley Guilherme dos Santos do Ministério da Ciência e Tecnologia; VI. Gustavo Sampaio e Jairo Celso Correia Marçal do Ministério da Fazenda.

O relatório é composto de quatro partes: a) apresenta a base das ações “emergenciais para o enfrentamento imediato da crítica situação das universidades federais”; b) ressalta a “necessidade da efetiva implantação de autonomia à universidade federal”; c) aponta as “linhas de ação imediata, que possam complementar recursos e ao mesmo tempo propiciar um redesenho do quadro atual” e d) indica as “etapas necessárias para a formulação e implantação da reforma universitária brasileira” (BRASIL, 2003b, p. 1).

Inicia com uma análise sobre a situação de crise fiscal e financeira que “mina” a educação nas universidades públicas brasileiras, depois procura demonstrar que esta situação também é uma realidade nas instituições privadas, pela grande expansão decorrida desde o governo Collor, que enfrentara riscos de inadimplência e desconfianças com processos de autorização e reconhecimento dos cursos, o que implica na necessidade de investimento público nas instituições privadas. Afirma também, que esta realidade exige mudanças estruturais, as quais serão possíveis, somente, quando houver um programa de apoio às

universidades federais e uma reforma mais profunda na universidade (OTRANTO, 2006, p. 19; BRASIL, GTI, 2003b, p. 1).

Com relação às ações propostas colocadas no documento, para este estudo, é importante ressaltar dois aspectos como categoria de análise: a autonomia universitária e a profunda reforma na universidade.

Sobre a autonomia, tão discutida na propaganda eleitoral do Governo Lula, a qual denunciava as “amarras legais” como entrave nas universidades, impossibilitando-as de captar e administrar seus recursos, o relatório demonstra que:

A gravidade da crise emergencial das universidades está na falta de recursos

financeiros do setor público, não se pode negar que, por outro lado, a crise decorre

também das amarras legais que impedem cada universidade de captar e administrar recursos, definir prioridades e estruturas de gastos e planejamento. Por isso, a imediata garantia de autonomia às universidades é um passo necessário para enfrentar a emergência. (BRASIL, 2003b, p. 9, grifo nosso).

Neste trecho percebe-se que o governo afirma a falta de condições financeiras para sustentar as universidades públicas, e as considera como um fardo que precisa de ajuda da sociedade, principalmente das instâncias privadas, dando-lhes condições de autonomia necessária para captar recursos no mercado. Ao Estado, por sua vez, caberia complementar estes recursos, sem a obrigação de mantê-la financeiramente, e de avaliá-la nos aspectos de sua gestão.

No relatório constam cinco aspectos necessários para uma autonomia universitária, os quais são analisados com base no estudo do documento e nas análises de Otranto (2006, p. 18- 29) e Leher (2004):

(1) Autonomia didático-científica que como instituição complexa e amparada pelo pluralismo de ideias, deve ter a liberdade do ensino e expressão de pensamento, para tanto, a autonomia didática lhe dará o direito na organização do ensino, pesquisa e extensão; de criar e extinguir cursos; de elaborar e estabelecer currículos; de estabelecer critérios de acesso de alunos em todos os níveis e, ainda; de conferir certificados e diplomas.

A autonomia científica rege sobre a organização da universidade referente ao desenvolvimento das disciplinas e de desenvolver pesquisa conforme sua conveniência, não mais ligada, obrigatoriamente, à imediata relevância política ou econômica (BRASIL, 2003b, p. 9).

(2) Autonomia administrativa que asseguraria a “capacidade decisória para, de um lado, administrar os seus serviços”, na ação e resolução de assuntos internos de sua competência, e, de outro, “disciplinar suas relações com os corpos docente, discente e administrativo que a integram”. Assume, também, a capacidade de elaborar e adotar suas próprias atividades fins, para tanto, o documento descreve as prerrogativas necessárias para esta autonomia:

a. estabelecer a política geral da universidade para a consecução de seus objetivos; b. elaborar, aprovar e reformar seus estatutos;

c. elaborar, aprovar e reformar os regimentos de suas unidades e demais órgãos; d. constituir colegiados superiores, com a presença obrigatória de membros da comunidade externa;

e. escolher seus dirigentes segundo as normas previstas nos seus estatutos e na sua legislação interna;

f. contratar, nomear, demitir, exonerar e transferir, servidores docentes e não docentes, obedecidas as normas legais pertinentes estabelecidas em seus regimentos e respeitados os direitos dos trabalhadores;

g. decidir seu plano de carreira;

h. fixar acordos, contratos, convênios e convenções;

i. elaborar aprovar e alterar regulamento próprio para licitação observando as normas gerais e os princípios básicos estabelecidos em lei. (BRASIL, 2003, p. 10). Analisa-se, com isso, que esta autonomia reafirma o enfoque de mercado para a universidade, principalmente quando estabelece a capacidade da universidade decidir suas atividades fins, diante do cumprimento destas prerrogativas, pois leva à universidade a uma organização social que desvirtua suas atividades estabelecidas pela própria LDB (artigo 43º) e Constituição Federal (artigo 207º) (OTRANTO, 2006).

(3) Autonomia de gestão financeira e patrimonial, a qual outorgaria à universidade o direito de gestão e aplicabilidade de seus próprios bens e recursos, “em função de objetivos didáticos, científicos e culturais já programados”, sem dispensar, obviamente, o controle interno e externo (BRASIL, 2003b, p. 10).

Esta gestão colocaria a universidade em duas frentes: a primeira, na expectativa dos recursos federais previsto no orçamento, acrescidos, segundo o relatório, dos recursos do “Programa Emergencial”, e dos “recursos provenientes do Pacto de Educação pelo Desenvolvimento Inclusivo”, e a segunda é a captação livre recursos, “[...] tanto no setor público quanto no setor privado, podendo administrar esses recursos de acordo com suas normas próprias e estatutos.” (BRASIL, 2003b, p. 10).

Mais uma vez entende-se que a universidade é incentivada a buscar fontes de recursos na iniciativa privada, como alternativa legal de sair da crise instalada e com a justificativa de conquista de sua autonomia.

(4) Autonomia participativa e transparente, a qual fala sobre a necessidade da participação da comunidade universitária nas decisões sobre a fonte e uso dos recursos que mantêm a instituição, ou seja, “[...] deve conhecer a priori e participar da decisão que aceite e legitime a fonte e defina o destino de seus recursos.” (BRASIL, 2003b, p. 10).

Para Leher (2004, p. 1), o documento está outorgando uma autonomia já instituída na Constituição Federal, como se fosse uma nova perspectiva para a universidade pública, que em contrapartida deverá "incorporar” representantes da sociedade nos órgãos colegiados. Leher, citando Pierre Bourdieu quando critica “o Relatório Attali, afirma: quando falam em representações da ‘sociedade’ estão querendo dizer na verdade do ‘mercado’!”

(5) Regulamentação das relações entre as universidades e as fundações de apoio, que neste documento é apresentada como uma realidade dentro das IFES, declarando que “não é

possível prescindir das fundações”, pois a ela confere um “[...] grande papel a cumprir no

funcionamento autônomo das universidades federais, ao mesmo tempo em que se definem regras claras para o funcionamento delas, pela lisura e transparência.” (BRASIL, 2003b, p. 11, grifo nosso)

Este quinto, e último aspecto, é de suma relevância para a discussão desta pesquisa, pois demonstra que o governo não prescinde das fundações de apoio, e concebe esta relação dentro do processo de autonomia para as IFES. Configurando-as como parceira privada para a captação de recursos dentro da universidade pública, constituindo-se, assim, parte das políticas de mercado presentes nas ações de governo, “[...] por isso, a institucionalização definitiva das fundações privadas faz parte do eixo das propostas.” (LEHER, 2004, p. 1). O governo assume a defesa das fundações no processo de autonomia das universidades públicas, cumprindo o papel das organizações sociais, que as universidades não adotaram.

Sobre isso, Leher (2004) argumenta:

Com essa proposição, o governo Lula estaria viabilizando as organizações sociais de Bresser Pereira e Cardoso. As fundações de apoio privadas, robustecidas e melhor

amparadas legalmente, como pretende o governo com o projeto de "Parceria Público-Privada", permitem estabelecer os "contratos de gestão" agora eufemisticamente denominados de "Pacto da Educação para o Desenvolvimento Inclusivo". Na mesma linha das reformas educacionais implementadas na América

Latina nos anos 90, a avaliação segue como eixo axial da política educacional. (p. 2, grifo nosso).

Os cinco aspectos sobre a autonomia universitária exprimem a viabilização, no governo Lula da Silva, das concepções de mercado para a universidade pública, na qual se promove, como destaca o autor citado, a atuação das fundações de apoio e declara a impossibilidade de sua extinção dentro das IFES, resguardando, apenas, a necessidade de se estabelecer regras mais claras na lisura dos processos.

Outro ponto a destacar, na análise do relatório do GTI, é que diante desta autonomia desejada, é imprescindível, pelo menos pelo governo, que ocorra uma profunda reforma

universitária.

Esta reforma pretendida é defendida no documento como “primeiros passos para o

redesenho do quadro atual”, na qual as universidades representam “uma pequena parte do sistema universitário brasileiro, privatizado ao longo dos últimos anos”, havendo a necessidade de reformar a universidade para os desafios do século XXI.

No documento é mencionada a importância do diálogo com a comunidade acadêmica e a sociedade, mas definem que devido à crise emergencial que se passa, o governo deve agir para enfrentar os seguintes desafios:

[...] a drástica mudança dos horizontes profissionais, com a emergência de novos campos de atividade e o sucateamento de antigas profissões: as necessidades de pessoal de nível superior que enfrenta o País, e a velocidade e a multiplicidade de mecanismos que envolvem a produção e a disseminação do saber, impondo às sociedades contemporâneas o imperativo de uma adaptação tecnológica sem par. (BRASIL, 2003b, p. 12).

Para estes desafios o GTI propõe três pontos iniciais de reforma:

I. Um Pacto de educação para o desenvolvimento inclusivo, que assegura um