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2. POLÍTICAS DE GOVERNO PARA O TURISMO E O MEIO AMBIENTE

2.3 Políticas de Meio Ambiente e Sistema Nacional de Unidades de Conservação SNUC

A Lei n. 6938, de 1981, estabelece a Política Nacional de Meio Ambiente, que faz parte do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). O SISNAMA tem, por objetivo, a preservação, a melhoria e a recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando a assegurar, ao país, condições de desenvolvimento socioeconômico e de proteção à dignidade da vida humana. Essa lei tem o objetivo de garantir a ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como patrimônio público e assegurando sua proteção e seu uso coletivo.

Dessa forma, torna-se obrigação do poder público a racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar. Também constitui papel do poder público: o planejamento e a fiscalização do uso dos recursos ambientais; a proteção do ecossistema; o acompanhamento do estado da qualidade ambiental; a recuperação de áreas degradadas; a proteção de áreas ameaçadas de degradação; e a educação ambiental para todos os níveis de ensino, inclusive da comunidade, objetivando capacitá-la para a participação ativa na defesa do meio ambiente.

Em seu artigo 4º, essa lei determina a compatibilização do desenvolvimento socioeconômico com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, e propõe, ainda, o estabelecimento de critérios e de padrões de qualidade ambiental, além de normas relativas ao uso e ao manejo de recursos ambientais.

Em seu artigo 9º, a Lei n. 6938, de 1981, também determina, como instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente, a criação de espaços territoriais protegidos pelo poder público federal, estadual e municipal, tais como áreas de

proteção ambiental de relevante interesse ecológico e de reservas extrativistas (grifo meu).

As reservas extrativistas são áreas protegidas criadas a partir do movimento dos seringueiros amazônicos, liderados por Chico Mendes, da cidade de Xapuri, município do Acre. Mendes ganhou notoriedade internacional em função da sua luta pela preservação da floresta e dos povos que dela tiram seu sustento, tendo sido vítima de assassinato desencadeado por sua luta.

A Lei federal 7804/89 alterou parte da Política Nacional de Meio Ambiente, impondo, ao poder público, o dever de criar Reservas Extrativistas, as quais, antes, estavam sob a responsabilidade do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA), e, atualmente, são administradas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio).

A importância desse instrumento legal pode ser notada pela garantia de que determinadas áreas sejam preservadas em função da relevância de seus recursos, não somente naturais, mas também culturais e tradicionais.

No município de Arraial do Cabo, a criação da Reserva Extrativista Marinha Resex Mar de Arraial do Cabo, em 30 de janeiro de 1997, que possui cerca de 57 mil hectares de lâmina de água, orienta-se para a manutenção da pesca artesanal, que não depende exclusivamente do espaço marítimo, mas do seu entorno.

Nesse município, encontra-se uma formação geológica denominada Pontal do Atalaia, a qual possui exuberante vegetação endêmica, composta por orquídeas, cactáceas e bromélias. O endemismo ocorre em função do microclima, e é determinado pelo fenômeno marinho da Ressurgência e de suas características geológicas. No Pontal do Atalaia, encontram-se as casas dos ―vigias‖ — pescadores que observam a chegada do cardume para orientar as remadas dos seus companheiros nas canoas —, e diversos caminhos que levam a pesqueiros tradicionalmente usados pelos pescadores, nos dias de hoje, e pelos índios em séculos passados. A importância estratégica desse local para a pesca é inquestionável; além disso, são também

importantes os aspectos histórico, cultural e natural, que propiciam a oportunidade de desenvolvimento de projetos que estimulem o turismo de base comunitária ou cultural.

O Decreto n. 6.040, de 2008, cria a Política Nacional de Desenvolvimento dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT); cria, também, a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), cuja finalidade é coordenar a implementação da PNPCT.

Nesse decreto, em seu artigo 3º, encontra-se a compreensão dos conceitos relativos às comunidades tradicionais, aos territórios tradicionais e ao desenvolvimento sustentável. De acordo com o decreto, compreende-se por povos e comunidades tradicionais grupos culturalmente diferenciados que se reconhecem como tais e que possuam formas próprias de organização social, ocupando e usando territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. Compreende-se por territórios tradicionais os espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e das comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária. Por fim, desenvolvimento sustentável consiste no uso equilibrado dos recursos naturais; esse uso equilibrado é voltado para a melhoria da qualidade de vida da presente geração, garantindo as mesmas possibilidades de desenvolvimento para as gerações futuras.

O PNPCT tem, como principal objetivo, a promoção do desenvolvimento sustentável dos Povos e das Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, no fortalecimento e na garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização a sua identidade, a suas formas de organização e a suas instituições.

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) foi instituído após o decreto que criou a Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo, por meio da Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000, que regulamenta o art. 225,

parágrafo 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal; no entanto, é o SNUC que estabelece critérios e normas para gestão da Resex.

O SNUC inclui as Reservas Extrativistas como categoria de uso sustentável, prevendo seu uso público, mas garantindo a conservação dos recursos naturais que são a base de sustentação das populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura:

VII – proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural; [...] XIII – proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e provendo-as social e economicamente. (Lei n. 9.985/2000).

O art. 5º, inciso III, do SNUC tem, como diretriz, assegurar a participação efetiva das populações locais na criação, na implantação e na gestão das unidades de conservação. Em seu inciso IX, considera ―as condições e necessidades das populações locais no desenvolvimento e adaptação de métodos e técnicas de uso sustentável dos recursos naturais‖ (Lei n. 9.985/2000).

O inciso X garante, às populações tradicionais, cuja subsistência dependa da utilização de recursos naturais existentes no interior das unidades de conservação, meios de subsistência alternativos ou a justa indenização pelos recursos perdidos.

O art. 6º prevê a forma como SNUC será gerido:

I - Órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama, com as atribuições de acompanhar a implementação do Sistema; II - Órgão central: o Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de coordenar o Sistema; e III - Órgãos executores: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, os órgãos estaduais e municipais, com a função de implementar o SNUC, subsidiar as propostas de criação e administrar as unidades de conservação federais, estaduais e municipais, nas respectivas esferas de atuação. Parágrafo único. Podem integrar o SNUC, excepcionalmente e a

critério do Conama, unidades de conservação estaduais e municipais que, concebidas para atender a peculiaridades regionais ou locais, possuam objetivos de manejo que não possam ser satisfatoriamente atendidos por nenhuma categoria prevista nesta Lei e cujas características permitam, em relação a estas, uma clara distinção. (Lei n. 9.985/2000).

O Capítulo II define as categorias de Unidades de Conservação integrantes do SNUC, dividindo-as em dois grupos: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável. É na segunda categoria que está inserida a Reserva Extrativista, cujo objetivo básico é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais:

Art. 18. A Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. § 1º. A Reserva Extrativista é de domínio público, com uso concedido às populações extrativistas tradicionais conforme o disposto no art. 23 desta Lei e em regulamentação específica, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei. (Lei n. 9.985/2000).

A Lei n. 9.985/2000, em seu art. 18, trata, ainda, da gestão dessa categoria de UC, sugerindo a criação de um Conselho Deliberativo, presidido pelo órgão responsável por sua administração (ICMBio), e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e de representantes das populações tradicionais residentes na área. Prevê a visitação pública, desde que ela seja compatível com os interesses locais e que esteja de acordo com o disposto no Plano de Manejo que deverá ser aprovado pelo seu Conselho Deliberativo.

§2º. A Reserva Extrativista será gerida por um Conselho Deliberativo, presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área, conforme se dispuser em regulamento e no ato de criação da unidade. (Lei n. 9.985/2000).

Ainda nesse mesmo artigo, a visitação pública é garantida, desde que compatível com os interesses locais: ―§ 3º. A visitação pública é permitida, desde que compatível com os interesses locais e de acordo com o disposto no Plano de Manejo da área‖ (Lei n. 9.985/2000).

Como toda Unidade de Conservação, as Resexs devem ser criadas por ato do poder público; devem, ainda, ser precedidas de estudos técnicos. O Capítulo IV trata da criação, da implantação e da gestão das unidades de conservação. Em seu art. 23, reza que a posse e o uso das áreas ocupadas pelas populações tradicionais nas Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável serão regulados por contrato:

§ 2º O uso dos recursos naturais pelas populações de que trata este artigo obedecerá às seguintes normas: I - proibição do uso de espécies localmente ameaçadas de extinção ou de práticas que danifiquem os seus habitats; II - proibição de práticas ou atividades que impeçam a regeneração natural dos ecossistemas; III - demais normas estabelecidas na legislação, no Plano de Manejo da unidade de conservação e no contrato de concessão de direito real de uso [...]. (Lei n. 9.985/2000).

O art. 27 determina a necessidade de a UC dispor de um Plano de Manejo:

Art. 27. As unidades de conservação devem dispor de um Plano de Manejo. § 1º O Plano de Manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas. § 2º Na elaboração, atualização e implementação do Plano de Manejo das Reservas Extrativistas, das Reservas de Desenvolvimento Sustentável, das Áreas de Proteção Ambiental e, quando couber, das Florestas Nacionais e das Áreas de Relevante Interesse Ecológico, será assegurada a ampla participação da população residente. (Lei n. 9.985/2000).

Com relação ao art. 28, fica clara a proibição quanto às alterações, às atividades ou às modalidades de utilização, dentro da UC, em desacordo com seus objetivos:

Art. 28. São proibidas, nas unidades de conservação, quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os seus objetivos, o seu Plano de Manejo e seus regulamentos. Parágrafo único. Até que seja elaborado o Plano de Manejo, todas as atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de proteção integral devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger, assegurando-se às populações tradicionais porventura residentes na área as condições e os meios necessários para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e culturais. (Lei n. 9.985/2000).

Quanto à gestão, o art. 30 determina que: ―As unidades de conservação podem ser geridas por organizações da sociedade civil de interesse público com objetivos afins aos da unidade, mediante instrumento a ser firmado com o órgão responsável por sua gestão‖ (Lei n. 9.985/2000).

O art. 32, por sua vez, dá ênfase ao apoio da comunidade científica, necessário para o estímulo ao conhecimento mais aprofundado dos recursos disponíveis na UC:

Art. 32. Os órgãos executores articular-se-ão com a comunidade científica com o propósito de incentivar o desenvolvimento de pesquisas sobre a fauna, a flora e a ecologia das unidades de conservação e sobre formas de uso sustentável dos recursos naturais, valorizando-se o conhecimento das populações tradicionais. (Lei n. 9.985/2000).

A importância da criação do SNUC deriva do fato de que, ao reconhecer categorias de unidades de conservação de uso sustentável, garante-se os direitos das populações tradicionais à gestão de seus territórios, ao mesmo tempo em que se prevê a proteção dos recursos naturais necessários a sua subsistência. Dessa forma, o uso do território da UC, pelos agentes de turismo, não pode, ainda segundo o SNUC, ir ao encontro dos valores culturais da comunidade, muito menos pôr em risco a manutenção de suas atividades econômicas.

3. TURISMO E O USO DO TERRITÓRIO DA RESEX MAR DE ARRAIAL