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1. REVISÃO DE LITERATURA

1.10. Políticas públicas da cultura

Para melhor compreender a forma como as companhias se relacionam com o Estado, é importante contextualizar as políticas públicas da cultura nas últimas décadas. Estando as artes performativas no geral, e a dança no particular, tão dependentes de apoios estatais este tema é da máxima importância, até pela forma desestruturada como tem sido abordado pelos diferentes governos

Segundo Lima dos Santos, “No plano legislativo, à administração central cabe a formulação de propostas de definição de enquadramento legal e de regulação das atividades culturais.” (2004:18). Em termos de estruturas dedicadas às artes performativas, à responsabilidade integral do Estado, contam-se, segundo a mesma autora, o Teatro Nacional de S. Carlos, a Orquestra Nacional do Porto, os teatros nacionais D. Maria II e S. João, bem como a Companhia Nacional de Bailado. A estas responsabilidades acresce ainda a de “[…] apoio financeiro, segundo determinadas regras, à produção profissional de iniciativa privada que abrange as parcelas do teatro, da dança e da música […]” (2004:18). Segundo Lima dos Santos (2004) existe ainda uma articulação com as autarquias, por parte da administração central, para a criação de programas destinados à diminuição de assimetrias regionais.

Efetivamente, os vários níveis do Estado e da administração publica são considerados possíveis mercados também por Colbert (1994) enquanto os produtos podem ser vendidos ou financiados por orçamentos que provêm dos governos nacionais, centrais, ou locais, dependendo, segundo o autor, da esfera de atividade, por exemplo infraestruturas, projetos específicos, ou operacionalização da companhia.

“Oscilações de pensamentos, de práticas e de meios são características de uma história de política cultural complexa e atribulada, ilustrada, por exemplo, pela emergência e pelo desaparecimento do Ministério da Cultura.” (André e Vale, 2014:32) De facto, Lima dos Santos refere-se a este facto disruptivo, afirmando que desde 1974 a tutela da cultura varia “Conforme as orientações políticas de cada Governo” Segundo a autora, “[…] a cultura esteve, ou dispersa por vários ministérios ou reunida numa só Secretaria de Estado, ou dependente de um determinado ministério ou do Primeiro Ministro ou ainda constituindo um ministério próprio.” (Lima dos Santos, 1998a:76)

36 Segundo Lima dos Santos (1998a), a discussão acerca de políticas culturais teve início em 1974, imediatamente após a revolução de 25 de abril. No entanto, esta não era uma prioridade à época, sendo o programa do I Governo Constitucional (1976-1978) o primeiro a debruçar-se sobre a área da cultura, “em relação a certos pontos, em grande pormenor.” (Lima dos Santos, 1998a:66) Uma das medidas tomadas, foi a autonomização da Secretaria de Estado da Cultura.

“A Secretaria de Estado da Cultura (SEC) tem como grandes objetivos prosseguir as ações com vista à solução de problemas herdados das estruturas antidemocráticas anteriores ao 25 de abril […] e propor legislação com vista a regularizar o funcionamento das instituições de natureza cultural e a atividade dos trabalhadores intelectuais […]” (1998a:67)

Já o Programa do III Governo (1978), segundo a mesma autora (1998a), foca- se na democratização, na descentralização, no estímulo da participação cultural, bem como na criação e difusão da cultura. Além disso, passa a ser abordada segundo uma nova perspetiva: “A cultura deixa de ser una para ser tripartida em cultura de elite, cultura de massas e cultura popular, sendo função da política cultural unir o fosso que as separa, o que vai sendo expresso de formas diferenciadas nos dois Governos seguintes.” (1998a:68)

Ainda segundo Lima dos Santos, é nos anos 80 que a questão da cultura ganha importância, tornando-se num “tema recorrente do discurso político” (1998a:69) A autora atribui este facto, entre outros motivos, à abertura de Portugal à Europa, fator a que também atribui o facto de a identidade nacional ser um dos grandes focos das políticas da época.

A Lei do Mecenato (Decreto-Lei nº 258/82), incluída no Programa do X Governo (1985-1987) é bastante relevante para o tema do presente trabalho, já que diz respeito a uma possível fonte de financiamento para companhias de dança, sendo até uma prática bastante recorrente nos países anglo-saxónicos. Em Portugal, contudo, gera, segundo Lima dos Santos, alguma contestação à data da sua criação “[…] considerando-se que o incentivo do mecenato privado pode vir a constituir uma forma de o Estado se demitir das suas responsabilidades.” (Lima dos Santos, 1998a:71)

“Trata-se, pois, de uma assunção generalizada a de que a condução das linhas gerais da política cultural ‘a responsabilidade primária e fundamental cabe ao Estado’ ao qual é atribuído o papel motor de tomar as iniciativas que poderão depois ser supletivamente apoiadas pelas empresas, na medida dos próprios interesses e objetivos.” (Lima dos Santos, 1998b:142)

37 Contudo segundo a mesma autora, em 1995 – ano de criação do Ministério da Cultura -, o programa do XIII Governo Constitucional garante que, ideologicamente, a cultura representa uma responsabilidade do Estado, que deve ser cumprida:

“[…] há domínios da cultura em que só o Estado está em condições de assegurar as grandes infraestruturas indispensáveis à ação cultural’ e que ‘o Governo assumirá inequivocamente as suas responsabilidades nesses domínios, garantindo a plena estabilidade dessas infraestruturas em termos institucionais, financeiros, programáticos e operacionais.’” (in Lima dos Santos: 1998a:74)

No que toca à dança e às políticas desenvolvidas nesta década, Gil Mendo (1997) critica o Estado português pela falta de investimento. Não se refere apenas à questão financeira, mas também às estratégias adotadas que se revelaram quase sempre insuficientes, por não contemplarem medidas a longo prazo, condicionando a longevidade dos projetos. Porém, Mendo (1997) louva a vitalidade da dança independente portuguesa, e as estratégias que os seus intervenientes encontraram para ter acesso aos recursos de que necessitavam, mesmo sem este apoio. Para Lima dos Santos um bom indicador de quanto uma determinada forma de arte constitui ou não uma prioridade, pode ser a produção de legislação sobre a mesma. Na legislação incluem-se a alocação de apoios à criação, a aprovação de normas ou regulamentos relativos às atividades. Segundo a autora a dança, encontra-se entre as áreas mais negligenciadas ao longo do referido período: “Quanto ao teatro, à dança às artes plásticas e às atividades socioculturais, a incipiente enunciação de objetivos está em perfeita consonância com o reduzido volume de legislação produzida.” (1998a:87)

Em meados da década de noventa, segundo Mendo (1997), o Ministério da Cultura incrementou o apoio financeiro às artes do espetáculo:

“O novo regulamento procura contemplar a pluralidade de estruturas que são ativas no terreno profissional, sejam companhias de dança, estruturas de produção, programação ou difusão, centros de pesquisa e experimentação, ou outros. Valoriza-se a atividade desenvolvida, a sua credibilidade artística, o seu caráter profissional e o seu impacto cultural.” (1997:130, 131).

Para o autor, estas medidas constituem boa gestão no sentido da descentralização e desenvolvimento e afirma que sem investimento público, aliado a parcerias privadas e com governos locais, não se poderá estabelecer um mercado artístico que funcione de forma independente.

Em 1999 é criado pela Administração Central o Programa Difusão das Artes do Espetáculo (PDAE), que tinha como objetivo democratizar o acesso às artes

38 performativas através da criação da criação de uma rede de salas de espetáculos, uma rede de estruturas de acolhimento e a criação de circuitos de difusão. Este órgão, foi extinto em 2002 por falta de sustentabilidade.

“O modelo neo-liberal adotado na segunda metade do século XX potencializou a transferência de responsabilidades do Estado em diferentes setores de governação, tendo cedido espaço à ação de atores não-estatais como organizações do Terceiro Setor, tais como ONGs, fundações e associações, assim como a empresas privadas” (Cruz, 2015:16)

Cruz debruça-se sobre o período da crise financeira de 2008, afirmando que este expôs as fragilidades desse mesmo modelo, deixando a descoberto a necessidade de intervenção por parte do Estado. Para a autora, nas artes performativas os apoios externos revelam-se indispensáveis:

“Deste modo, em vistas de não se aproximar ao ponto de deixar de prestar um serviço de qualidade, fatalmente o desenvolvimento das artes performativas vê-se a necessitar dos apoios estatais, ou ainda de mecenas privados. Porém, no atual contexto de crise financeira a atingir tanto os setores estagnados quanto os progressivos, observa-se a imposição dos interesses do mercado sobre os fazeres artísticos.” (Cruz, 2015:16).

Em 2011, extingue-se o Ministério da Cultura, voltando a esta a ser tutelada por uma Secretaria de Estado. A medida gerou bastante polémica, tendo o Ministério sido reinstituído em 2015. Cruz (2015) relembra ainda a extinção do Observatório das Atividades Culturais em 2013 e a consequente falta de investigação feita atualmente sobre estas questões, o que prejudica não só a realização de estudos, como a própria reflexão sobre a matéria.

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