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Políticas públicas educacionais e jurisprudência

FUNDAMENTAL AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

ARTIGO 1. SATISFAZER AS NECESSIDADES BÁSICAS DE APRENDIZAGEM

5. Políticas públicas educacionais e jurisprudência

Para que direitos sociais sejam garantidos e efetivados, são necessários programas de ação, planejamento e investimento, consolidados por meio de políticas públicas, no presente caso, políticas públicas educacionais. O conceito de política como programa de ação apenas recentemente passou a ser tratado pela teoria jurídica. Assim, em que pese a política se distinguir das normas e dos atos, ela precisa reconhecê-los como seus componentes, que se unificam pela sua finalidade.

Mas afinal, o que são políticas públicas? Segundo definição de BUCCI, elas se constituem como

um programa ou quadro de ação governamental, porque consiste num conjunto de medidas articuladas (coordenadas), cujo escopo é dar impulso, isto é, movimentar a máquina do

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governo, no sentido de realizar algum objetivo de ordem pública ou, na ótica dos juristas, concretizar um direito103 Por sua vez, CANELA as classifica como

o conjunto de atividades do Estado tendentes a seus fins, de acordo com metas a serem atingidas. Trata-se de um conjunto de normas (Poder Legislativo), atos (Poder Executivo) e decisões (Poder Judiciário) que visam à realização dos fins primordiais do Estado – e complementa – como toda atividade política (políticas públicas) exercida pelo Legislativo e pelo Executivo deve compatibilizar-se com a Constituição, cabe ao Poder Judiciário analisar, em qualquer situação e desde que provocado, o que se convencionou chamar ‘atos de governo’ ou ‘questões políticas’, sob o prisma do atendimento aos fins do Estado (art. 3º da CF).104

O juízo de constitucionalidade de políticas públicas acaba por exigir uma normatização referente à forma processual da demanda, da legitimidade das partes e da competência judiciária. Atualmente, o posicionamento dos tribunais brasileiros avançou no que concerne à efetivação de direitos sociais, tanto que podemos citar o reconhecimento pelo STF do dever do Estado de fornecer gratuitamente medicação aos portadores do vírus HIV. Dentre as decisões paradigmáticas do Supremo, temos que citar a ADPF 45-9, na qual em decisão monocrática o Ministro Celso de Mello assim se posicionou:

É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário – e nas desta Suprema Corte, em especial – a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político- jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto – consoante já proclamou esta Suprema Corte – que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política “não

103 BUCCI, Maria Paula Dallari. “O conceito de política pública em direito”. In. BUCCI, Maria Paula

Dallari (org.) Políticas Públicas: Reflexões sobre o conceito Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 14.

104 CANELA, Oswaldo. Jr. In. GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder

Judiciário. O processo: estudos e pareceres. 2ª edição revisada e ampliada. São Paulo: DPJ Editora, 2009. p. 39.

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pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado” (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO). [...] A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi- los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível. (grifei) [...].

Importante mencionar que os direitos, objetivos fundamentais do Estado, cuja implementação exige políticas públicas, possuem um núcleo central que assegura o mínimo existencial necessário à garantia da dignidade humana. Neste núcleo temos o direito à educação fundamental, à saúde, ao saneamento básico, ao acesso à Justiça etc.

Inaceitável, é assim, a legação do poder Público de falta de recursos para a implementação das políticas públicas, devendo, devendo esta ser provada pela própria administração (através da inversão do ônus da prova – art. 6º, VIII do CDC ou da distribuição dinâmica do ônus da prova flexibilizando o art.333 do CPC). Cabendo que

o Judiciário, em face da insuficiência de recursos e de falta de previsão orçamentária, devidamente comprovadas, determinará ao Poder Público que faça constar da próxima proposta orçamentária a verba necessária à implementação da política pública. E, como a lei orçamentária não é vinculante, permitindo a transposição de verbas, o Judiciário ainda deverá determinar, em caso de descumprimento do orçamento, a obrigação de fazer consistente na implementação de determinada política pública.105

Também no Tribunal de São Paulo tal posicionamento é adotado, vejamos:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEGITIMIDADE –

INTERFERÊNCIA NO PODER EXECUTIVO –

INEXISTÊNCIA – TRATANDO-SE DE ATENDIMENTO SOCIAL PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, É DE SE RECONHECER A EXISTÊNCIA DE DIREITO

105 GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. O processo: estudos e pareceres. 2ª edição revisada e ampliada. São Paulo: DPJ Editora, 2009. p. 48.

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DIFUSO A SER TUTELADO POR AÇÃO CIVIL PÚBLICA. A DETERMINAÇÃO PARA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA, JÁ PREVISTA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, NÃO CARACTERIZA INGERÊNCIA NO PODER EXECUTIVO. RECURSOS A QUE SE NEGAM PROVIMENTO.106

No mesmo sentido, o TJ-SP assim decidiu:

APELAÇÃO CIVEL Nº 193.953-5/6-00

Comarca de São Paulo. A apelante: Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Apelado: Ministério Público.

Essa atividade do Poder Judiciário não configura qualquer intervenção no Executivo, muito menos no direcionamento das verbas públicas, mesmo porque encontra-se ela atrelada aos princípios constitucionais dos freios e contra-pesos e de universalização da Justiça, e em plena sincronia ao da harmonia dos Poderes do Estado.107

A jurisprudência faz uma distinção entre os direitos fundamentais e o que chama de mínimo existencial – o núcleo duro destes direitos – para se garantir a dignidade da pessoa humana. Assim, havendo o mínimo existencial, o Judiciário é obrigado não a legislar, mas a dar um passo, a implementá-la.

Com relação à efetivação do direito à educação, como o acesso a creches, escolas de educação infantil e ensino fundamental, a jurisprudência é igualmente progressista, elevando o direito à educação ao patamar de direito fundamental, e entendendo pela sua aplicabilidade imediata. Tanto que RANIERI ao realizar exame da jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal referente ao direito à educação, verificou expressivo aumento do número de demandas levadas ao conhecimento da Corte:

Temática relativamente marginal na jurisprudência do STF antes da Constituição Federal de 1988, no período compreendido entre 1990 e início de 2009, foram protocolados cerca de 2.250 processos, dos quais 2.215 deram entrada a partir do ano 2000.

Desde então, tem sido particularmente notável a alteração de conteúdo das decisões, em benefício da efetividade do direito à educação, em especial no que concerne à educação básica, com repercussão nas estruturas do Estado Democrático de Direito, em especial no que diz respeito ao exercício do poder político e

106 TJSP. AC 61.146-5/0-00. 2ª Câmara de Direito Público. Rel. Lineu Peinado. 22.06.2003

107 Apelação Cível nº 195.953-5/6-00, de 3/02/2003. Relator: Des. Prado Pereira. 7ª Câmara de Direito

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à sua configuração, no plano dos valores, como verdadeiro Estado Democrático Social de Direito.108

Como exemplo, o acórdão prolatado em Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº. 410.715-5/SP, no qual o Ministro Celso de Melo se pronunciou da seguinte forma:

Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório –mostra-se apta a comprometer a eficácia e integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional.[...]

Esse caráter de fundamentalidade, de que se acha impregnado o direito à educação, autoriza a adoção, pelo Judiciário, de provimentos jurisdicionais que viabilizem a concreção dessa prerrogativa constitucional, mediante utilização, até mesmo, quando for o caso de medidas extraordinárias que se destinam [...] a tornar efetivo [...] o atendimento dos direitos prestacionais que congregam os valores inerentes à dignidade da pessoa humana, como é o caso do direito a educação.109

Infelizmente, quando tratamos do direito à educação para os que se encontram privados de liberdade, nem a eficácia plena, nem a aplicabilidade imediata parecem valer, sendo estes excluídos do acesso à educação de qualidade, quando não do próprio fornecimento educacional. Passaremos assim, a tratar dos direitos relativos à criança e ao adolescente, para então compreendermos a proteção especial que a legislação lhes assegura.

108 RANIERI, Nina Beatriz Stocco. “O Estado Democrático de Direito e o Sentido da Exigência de

Preparo da Pessoa para o Exercício da Cidadania, pela Via da Educação”. Tese (Livre-Docência) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009, p. 22-23.

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II – A CRIANÇA E O ADOLESCENTE