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PARTE III - “A normalidade é uma estrada pavimentada: é confortável

3.2 Políticas Públicas voltadas a população LGBT: O Processo Transexualizador

população LGBT, constituem-se como uma conquista muito recente, em 2004 surge o primeiro programa pensando as demandas da população gay, “O Brasil sem Homofobia: Programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania homossexual” atua na perspectiva das “Diversidades5”, um de seus princípios fundamentais é

a reafirmação de que a defesa, a garantia e a promoção dos direitos humanos incluem o combate a todas as formas de discriminação e de violência e que, portanto, o combate à homofobia e a promoção dos direitos humanos de homossexuais é um compromisso do Estado e de toda a sociedade brasileira (CNCD, 2004, p.12).

Será através da contribuição do programa “Brasil sem homofobia”, que nascerá posteriormente, em 2009 o “Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais”, que por sua vez, busca reafirmar o Programa Brasil sem Homofobia, e se propõe a pensar políticas públicas para a população LGBT a fim de garantir sua cidadania e dignidade.

Neste contexto, é criado em 2010 pelo Ministério da Saúde a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, implementada no SUS através da Portaria nº 2.836 de 1 de dezembro de 2011, conforme consta em seu Art. 1º:

Esta Portaria institui a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT) no âmbito do SUS, com o objetivo geral de promover a saúde integral da população LGBT, eliminando a discriminação e o preconceito institucional e contribuindo para a redução das desigualdades e para consolidação do SUS como sistema universal, integral e equitativo.

37 O SUS como sistema universal que se propõe a ser, passa através da inclusão da Política Nacional de Saúde LGBT a atender a essa população e as suas demandas, a fim de assim incluir em suas políticas o atendimento a necessidades específicas de alguns grupos sociais, porém, lembremos que trabalhar com políticas para LGBT ainda deixa de fora alguns grupos não incluídos na sigla.

A portaria 2.836 de 1 de dezembro de 2011, responsável por inserir a Política Nacional de Saúde LGBT, tem como um de seus objetivos específicos em seu Art. 2º, Inciso 4 a garantia do acesso ao Processo Transexualizador pelo SUS.

O Processo Transexualizador, por sua vez, foi implementado através de duas portarias, a Portaria nº 457/SAS/MS de 19 de agosto de 2008 que regulamenta o processo Transexualizador, e a de nº 1.707/GM/MS de 18 de agosto de 2008 segundo esta “Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo Transexualizador, a ser implantado nas unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão”, e que posteriormente foi revogada pela portaria que vigora atualmente, de nº 2.803 de 19 de novembro de 2013.

As Portarias aqui referidas guiam as diretrizes para a execução do Processo Transexualizador, e os hospitais habilitados para as cirurgias de resignação de sexo, o Processo Transexualizador inclui a hormonioterapia realizadas pelos ambulatórios e o acompanhamento previsto nas portarias que antecede as cirurgias de resignação, no Brasil apenas 4 hospitais estão habilitados para as cirurgias, e os ambulatórios que se encontram nas capitais e ou cidades onde não possuem hospitais habilitados atuam somente com o acompanhamento hormonal dos usuários.

A função do processo Transexualizador é a de acompanhar e realizar os procedimentos dos usuários pelo SUS, garantindo seus direitos a saúde pública e universal. Nos propomos nesta pesquisa a analisar como este processo funciona, e está regulamentado, pensando-o através da Teoria Queer, a fim de contribuir para um debate que vise melhorias no campo das políticas públicas LGBT, pensando em políticas públicas Queer.

A partir da análise da Portaria 2.803 de 19 de novembro de 2013, a mais recente que define as diretrizes do processo Transexualizador, traçamos alguns apontamentos pensados à luz da Teoria Queer, acerca dos quais nos desdobraremos nos parágrafos seguintes.

É importante ressaltar que esta Portaria é uma grande conquista para a população LGBTQI+ estabelecendo as diretrizes para a execução do Processo Transexualizador no

SUS, desde 2013 ele está regulamentado através dela, consideramos que a mesma é uma grande conquista, mas, ainda assim, uma conquista insegura, pois como Portaria ela pode ser revogada a qualquer momento e contexto político, esperamos que seja revogada posteriormente apenas para acrescentar contribuições ao Processo Transexualizador no que tange a garantia de direitos.

No Art. 14 da referida Portaria, estão estabelecidas tabelas nas quais constam todos os dez procedimentos médicos que o processo Transexualizador está habilitado a realizar, bem como as suas condições. Os procedimentos são respectivamente:

1- Acompanhamento do usuário (a) no Processo Transexualizador exclusivo nas etapas do pré e pós-operatório

2- Tratamento hormonal no Processo Transexualizador. 3- Redesignação sexual no sexo masculino

4- Tireoplastia

5- Tratamento hormonal preparatório para cirurgia de redesignação sexual no Processo Transexualizador.

6- Mastectomia simples bilateral em usuária sob processo transexualizador

7- Histerectomia c/ anexectomia bilateral e colpectomia em usuárias sob Processo Transexualizador.

8- Cirurgias complementares de redesignação sexual

9- Acompanhamento de usuário (a) no Processo Transexualizador exclusivamente para atendimento clínico.

10- Plástica mamária reconstrutiva bilateral incluindo prótese mamária de silicone bilateral no Processo Transexualizador

Todos os dez serviços apresentados, na categoria Serviço/Classificação esclarece que inclui o acompanhamento pré e pós-operatório. Pois, a finalidade do Processo Transexualizador é a cirurgia de redesignação sexual.

Pensa-se o processo Transexualizador para produzir corpos nos padrões socialmente impostos do que é “ser homem” e “ser mulher”. A crítica aqui estabelecida não se refere a disponibilização das cirurgias, apoiamos que o SUS as realize aqueles que a desejam, a crítica aqui estabelecida parte da cirurgia de redesignação ser o foco do Processo Transexualizador, pautando esse processo em um binarismo de gênero. A partir disso, Preciado (2011) citado por Sampaio e Germano (2014, p.292) chama de

39 “sexopolítica” essa lógica de binarismo de gênero que as Políticas Públicas voltadas a população LGBT estabelecem socialmente, como mais uma forma de estabelecer a relação de poder entre os gêneros, dessa maneira,

o sexo (os órgãos chamados ‘sexuais’, as práticas sexuais e também os códigos de masculinidade e de feminilidade, as identidades sexuais normais e desviantes) entra no cálculo do poder, fazendo dos discursos sobre o sexo e das tecnologias de normalização das identidades sexuais um agente de controle da vida.

A sociedade e o Estado buscam em todos os espaços ditar a heteronormatividade, o binarismo de gênero, pautar os corpos naquilo que alegam ser adequado, não cabe ao Estado dizer o que o indivíduo deve ou não modificar em seu corpo, e é isto que ele faz quando estabelece que deve constar no registro do paciente, segundo consta no anexo I da Portaria 2.803 de 19 de novembro de 2013, no item 1.6, letra (b): Anamnese. Nesta Portaria não se descreve o que é Anamnese, mas na portaria nº 457 de 19 de agosto de 2008 em seu anexo I consta esse mesmo item, que nos descreve a Anamnese por extenso como “Avaliação que consiste em: anamnese, aferição dos critérios mínimos de definição de transexualismo, conforme estabelecido na Resolução CFM nº 1.652/2002, hipótese diagnóstica e apropriada conduta propedêutica e terapêutica; avaliação psicológica e psiquiátrica;”

Dessa forma, o Processo Transexualizador conta com o acompanhamento médico no qual uma de suas funções é “aferição dos critérios mínimos de definição de transexualismo”, um profissional acompanhará o paciente para averiguar se é transexual para que possa utilizar tais serviços, pautando seu critério de transexualidade nos indivíduos que rejeitam seu sexo biológico. Entretanto, de um indivíduo cisgênero a um transexual, existe uma variedade de identidades de gênero que podem transitar entre esse meio, mais uma vez reafirmamos, é preciso desconstruir esse binarismo de gêneros. Há indivíduos que não se reconhecem em seu sexo biológico, mas tampouco podem ser considerados transexuais, pois também não se reconhecem no sexo oposto, desejam modificar seu corpo da maneira que lhes é sentida, é subjetivo.

Esses indivíduos mencionados acima, não são transexuais para o acesso do Processo Transexualizador da forma como está posto na Portaria que o regulamenta, mas a estes indivíduos é fundamental o direito do acesso ao acompanhamento médico a hormonioterapia ou outro procedimento que anseiam, o uso indiscriminado dos

hormônios por conta própria pode acarretar em problemas de saúde gravíssimos. É nesse sentido que nos faz claro que a universalidade do SUS, e as políticas de saúde voltada para população LGBT que não pensam em uma perspectiva que rompa o binarismo de gênero, e que acrescente os Intersexuais, os Queer e demais, falha em seu princípio de universalidade, pois exclui indivíduos, que precisarão de estratégias, e ou compreensão dos profissionais para subverter o que está em lei regulamentado em uma portaria e conseguirem acesso.

A sociedade não compreende (ou não admite) que existam corpos que não serão contemplados através do binarismo de gênero, ou do binarismo Homo-hétero, e que esses corpos precisam estar incluídos ao se pensar Políticas Públicas, e qualquer coisa que envolva a sociedade, pois esses indivíduos são parte dela. Assim, Preciado (2008) citado por Sampaio e Germano (2014, p.296) brilhantemente afirma que “os “critérios psicológicos” utilizados para nos nomearmos “sou homem”, “sou homossexual”, “sou travesti”, “sou gay”, “sou mulher”, “sou lésbica” são ficções somatopolíticas produzidas por um conjunto de tecnologias de dominação dos corpos. ”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É essencial nos colocarmos atentos a forma como o Estado juntamente com a sociedade busca adequar os corpos dos indivíduos ao padrão socialmente construído de “normalidade”.

Como vimos, o que é considerado “normal” foi estabelecido através de uma relação de poder, que no campo da sexualidade desde muito tempo atuou de forma cruel, estigmatizando aqueles que desviassem da sexualidade tida como normal e natural, a heterossexualidade.

41 Quanto à sexualidade, aqueles que desviassem da heterossexualidade seriam considerados anormais, pois a sociedade a entende como condição natural do indivíduo, sendo a homossexualidade a condição estranha.

Entretanto, ambas são construções sociais, desejos são subjetivos, não pode-se enquadrá-los em caixas, muito menos em apenas duas caixas (homo/hétero), o mesmo afirmamos acerca do binarismo homem/mulher, aquilo que é considerado condição normal ou anormal ao indivíduo, foi construído por ele, e até hoje, busca-se encaixar e adequar os corpos de todos a uma verdade construída tão somente pela relação de poder daqueles que ditam o que é normal, e o anormal, que deve ser adequado a essa normalidade, ou apenas exterminado, rejeitado.

Nos propomos nesta pesquisa, a pensar no campo político, mais especificamente nas Políticas Públicas, voltadas à população LGBT, como considerando as diferenças de cada indivíduo, podemos construir uma sociedade na qual o direito e acesso as Políticas Públicas se dê de fato de forma universal, incluindo todos os indivíduos que compõem a sociedade, e para isso, precisamos romper com o binarismo Homo/hetero, homem/mulher, pois existe uma variedade que os extrapola.

Desconstruir os padrões sociais não é uma tarefa utópica, atuando em diversos campos da sociedade, tais como cultural e político, podemos pensar em novas estratégias, e repensar a forma como essas lidam com a heteronormatividade e binarismo de gênero imposto socialmente.

A Teoria Queer, é uma teoria recente, que surge na década de 1980, traz consigo um debate de suma importância para o contexto social da época, e para o atual também, pois traz a visibilidade todos os corpos que durante séculos foram (e são) tratados como anormais, patologizados.

Por fim, está pesquisa ao se propor olhar para o Processo Transexualizador a partir da Teoria Queer, nos proporcionou visualizar um rico campo de conhecimento e contribuições da Teoria Queer para a forma como podemos pensar a sociedade como um todo, descontruindo nela seus padrões de normalidade, binarismos de gênero, cultura patriarcal, heteronormativa e etc. Pensar Políticas Públicas em uma perspectiva Queer possibilita não apenas tolerar as diferenças, mas construir uma sociedade que aceite as diferenças, e que possa responder as demandas específicas dos mais variados grupos sociais existentes.

Assim, para além de se pensar uma sociedade que tolere e aceite os indivíduos que dela transgridam o padrão da normalidade, a Teoria Queer nos propõe a desconstruir essa

sociedade, não para que tolere o diferente, mas para que o compreenda, e mais que isso questione a “normalidade”, pois ela não existe, afirmando a diferença e diversidade de gênero e sexual.

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BRASIL, Portaria nº 2.803, DE 19 DE NOVEMBRO DE 2013. Redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS).

43 BRASIL, Portaria nº 2.836, DE 1º DE DEZEMBRO DE 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT). BRASIL, Portaria nº 457, DE 19 DE AGOSTO DE 2008.

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