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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL REGIANE DA SILVA PERAZZO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

REGIANE DA SILVA PERAZZO

O ESTADO NÃO ME DEFINIRÁ: Um olhar sobre o Processo Transexualizador à luz da Teoria Queer

JOÃO PESSOA/PB 2019

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O ESTADO NÃO ME DEFINIRÁ: Um olhar sobre o Processo Transexualizador à luz da Teoria Queer

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial necessário para a obtenção do título de bacharel em Serviço social

Orientadora: Profª Drª Luziana Ramalho Ribeiro

JOÃO PESSOA/PB 2019

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Catalogação na publicação Seção de Catalogação e Classificação

P426e Perazzo, Regiane da Silva.

O ESTADO NÃO ME DEFINIRÁ: Um olhar sobre o Processo Transexualizador à luz da Teoria Queer / Regiane da Silva Perazzo. - João Pessoa, 2019.

44 f.

Orientação: Profª Drª Luziana Ramalho Ribeiro. Monografia (Graduação) - UFPB/CCHLA.

1 Movimentos Sociais. 2. LGBT. 3. Processo Transexualizador. 4. Teoria Queer. I. Ribeiro, Profª Drª Luziana Ramalho. II. Título.

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REGIANE DA SILVA PERAZZO

O ESTADO NÃO ME DEFINIRÁ: Um olhar sobre o Processo Transexualizador à luz da Teoria Queer

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial necessário para a obtenção do título de bacharel em Serviço social.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________ LUCIANA RAMALHO RIBEIRO

ORIENTADORA

__________________________________ NELSON GOMES DE SANT'ANA E SILVA JÚNIOR

PROFESSOR EXAMINADOR - UFPB

__________________________________ NAYHARA HELLENA P. ANDRADE PROFESSOR EXAMINADOR - UFPB

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a toda a população LGBTQI+, a todos que sofrem e resistem pelo direito de serem como se veem.

Dedico-o também à minha família, por todo esforço com o qual investiram em minha educação. A todos os professores que já tive em meu trajeto até aqui; que este trabalho lhes seja como uma lembrança de minha gratidão por todo conhecimento que tive a oportunidade de aprender.

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E o homem não me define Minha casa não me define Minha carne não me define Eu sou meu próprio lar

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AGRADECIMENTOS

A Deus. A meus pais, Iracy Muniz e Reginaldo Perazzo, por todo empenho e esforço em minha educação, a minha amada irmã Regissely Perazzo, por todo amor e ensinamento, se hoje sou uma mulher empoderada, boa parte disso é porque me inspirei nela ao crescer. Agradeço também a minha querida tia, Eliaci Muniz, por todo suporte que me deu nesse trajeto.

A minha querida orientadora, Profª Drª Luziana Ramalho, por aceitar meu convite com tanta animação para orientar esse projeto, por todos os seus ensinamentos, e por ter sido através da disciplina (Família e Relações de Gênero) que conheci a Teoria Queer e me encantei. Gratidão pela sua paciência e afeto comigo durante todo nosso processo de construção desta dissertação.

Ao LAPSUS (Laboratório de Pesquisa e Extensão em Subjetividade e Segurança Pública) coordenado por, Nelson Sant’Ana, Rebecka Tannuss, Renata Garcia e Nara Fernandes, responsáveis por grande parte de meu amadurecimento acadêmico, sendo espaço de conhecimento e afeto desde o início de minha graduação.

Ao Espaço LGBT (Centro de Referência dos Direitos de LGBT e Enfrentamento a Homofobia na Paraíba), no qual estagiei pelo período de dois semestres. A seus profissionais, extremamente dedicados, que me inspiraram ainda mais em lutar e defender direitos, em resistir em meio a essa sociedade turva.

Aos meus amigos, que entenderam minhas ausências durante meu processo de escrita deste trabalho, e que me apoiaram com seu afeto em meus momentos de ansiedade e dúvidas, sou de muita sorte pelos amigos que escolhi para acompanhar-me em minha vida.

Este trabalho é marcado pelo afeto de cada um que passou em minha vida e me tocou.

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Os Movimentos Sociais que reivindicam direitos de liberdade sexual e de gênero são recentes, se considerarmos que tomaram visibilidade política apenas na segunda metade do século XX. As demandas da saúde que resultaram na implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), somadas às demandas específicas da população LGBT e o debate de questões de gênero, fizeram possível pensar Políticas Públicas específicas para a população LGBT. A metodologia deste trabalho consiste em uma pesquisa documental e bibliográfica, e este estudo objetivou analisar as conquistas dos movimentos sociais nas políticas públicas para a população LGBT; Compreender o Processo Transexualizador do SUS, a partir da Teoria Queer; Problematizar até onde a cultura patriarcal e heteronormativa influenciam nas políticas Públicas voltadas a população LGBT. Os resultados deste trabalho mostram que as políticas públicas voltadas para a população LGBT, e o processo Transexualizador do SUS, mesmo com avanços consideráveis, ainda estão baseados na heteronormatividade, portanto, pensá-los a partir da Teoria Queer nos mostra uma maior possibilidade de contemplar os direitos de liberdade sexual e de gênero.

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ABSTRACT

The Social Movements that claims for gender and sexual freedom rights are recent, if we consider that they got political visibility only in the second part of the 20th century. The health demands, result of the implementation of the Brazilian Unified Health System (As known as SUS), plus the specific demands of the LGBT community, and the debate of gender issues, created possibilities to think about specific Public Policies to the LGBT community. The methodology used in this work consists in a documentary and bibliographical research. This study aimed to analyse the achievements of the Social Movements in Public Policies related to the LGBT community; to understand the process of health care for transsexuals in SUS (based on Queer Theory); to question how the heteronormative and patriarchal culture influence the Public Policies specific to the LGBT community. The results of this paper show that the Public Policies specific to the LGBT community and the Sex Reassignment Process in the SUS, despite its considerable progress, are still based in heteronormativity. Therefore, reflect them through the Queer Theory can show us a higher possibility to contemplate the gender and sexual freedom rights.

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AIDS Acquired Immunodeficiency Syndrome (Tradução: Síndrome da Imunodeficiência Adquirida)

DSM Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais

Etc Et cetera

GLBT Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (Travestis e Transexuais) GLS Gays, Lésbicas e Simpatizantes

GRI Imunodeficiência Gay Adquirida

HIV Human Immunodeficiency Virus (Tradução: Vírus da Imunodeficiência Humana)

Homo Homossexual

LGBT Lesbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (Travestis e Transexuais) LGBTQI+ Lesbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros (Travestis e Transexuais), Queer, Intersexuais e outros.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

PARTE I - “Gostaria que me aceitassem como sou” 1.1 Da sexualidade ... 14

1.2 Da “anormalidade” ... 17

PARTE II - “Eu penso que não há nada mais verdadeiramente artístico do que amar as pessoas” 2.1 A Contracultura ... 22

2.2 Politização dos movimentos sociais da população LGBT... 27

PARTE III - “A normalidade é uma estrada pavimentada: é confortável andar, mas nenhuma flor nasce nela” 3.1 Enfim, a Teoria Queer ... 33

3.2 Políticas Públicas voltadas a população LGBT: O Processo Transexualizador ... 36

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 41

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INTRODUÇÃO

As políticas de saúde direcionadas à população LGBT, especificamente a população T (Travestis e Transexuais), são muito recentes, e configuram uma grande conquista para o Movimento LGBT. Considerar o Processo Transexualizador, analisando a sua proposta e seu funcionamento, significa pensar seus avanços e benefícios para a população, bem como, as necessidades de avanço desse processo, a partir da teoria Queer, que rompa com o binarismo de gênero, pois apesar de tratar-se de uma política de saúde não conservadora e que busca atender as demandas da diversidade de gênero ainda é pautada na heteronormatividade.

Os fatores que despertaram o interesse de pesquisar tal temática, foram, primeiramente, o contato com as questões de gênero e teoria Queer, através da disciplina de Família e Relações de Gênero, ministrada pela professora Dra. Luziana Ramalho, e em um segundo momento as vivências no estágio supervisionado obrigatório I e II, do curso de Bacharelado em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba, realizado no Centro Estadual de Referência dos Direitos de LGBT e Enfrentamento à Homofobia na Paraíba (Espaço LGBT), no qual observou-se nos relatos e conversas dos usuários que a diversidade sexual e de gênero é imensa e subjetiva não podendo ser contemplada apenas na sigla “LGBT”.

E por fim, uma outra motivação desta pesquisa, parte do descontentamento com a pouca produção em Serviço Social sobre questões de gênero, sexualidade, Teoria Queer e afins, e da importância de se pensar políticas públicas voltadas para públicos específicos, e da necessidade de inclusão e equidade ao se pensar essas políticas.

Objetivamos nesta pesquisa problematizar as questões acerca da Teoria Queer e Políticas de Saúde direcionadas a população LGBT, trazendo um debate sobre o reconhecimento das contribuições que a Teoria Queer pode nos proporcionar para uma maneira de ver a sociedade de forma mais ampla, a fim de não somente reconhecer as diferenças, mas utilizá-las para modificar os padrões sociais.

No que tange ao método da pesquisa, constituiu-se como uma pesquisa documental, porque utiliza portarias e bibliográfica pois “é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” (GIL, 2008, p.50) tendo como base literatura acerca de questões de gênero, Movimento LGBT, políticas públicas de saúde e Teoria Queer.

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11 Tendo como norte a Teoria Queer, que segundo Judith Butler consiste em uma Nova Política de Gênero, esta busca transformar a sociedade e seus

padrões pré estabelecidos, visando assim, não enquadrar os sujeitos a caberem no que é imposto socialmente e serem aceitos pela sociedade, mas sim em mudar a sociedade para que reconheça e aprenda com as diferenças de cada um, assim, na perspectiva Queer “a luta é por desconstruir as normas e as convenções culturais que nos constituem como sujeitos ” (MISKOLCI, 2012, p.27).

A partir disto, este trabalho se propõe a traçar e analisar os avanços e conquistas da população LGBT no que tange ao direito à saúde e liberdade de expressão, em como se deu o processo de politização dos movimentos LGBT, e como atualmente encontra-se este cenário, focando em um processo específico no campo da saúde de LGBT’s, o Processo Transexualizador.1

Pensar o Processo Transexualizador a partir da Teoria Queer significa pensar e descontruir padrões socialmente construídos e patriarcais, tais como

a heteronormatividade, que mesmo dentro das políticas voltadas a população LGBT persiste. Significa pensar um conceito de políticas públicas e projetos que de fato possam contemplar a todos.

Os três capítulos que serão aqui apresentados possuem como título citações do pintor Vincent Van Gogh, compreendemos que Van Gogh em sua vida sofreu o estigma de ser tratado como anormal, abjeto, aberração e tal rejeição social imputada a ele não se deu por questões de gênero e sexualidade, Van Gogh, como

homem cisgênero heterossexual não sofria rejeição pela sua identidade de gênero ou orientação sexual, entretanto, não encaixava-se nos padrões socialmente impostos do que seria a normalidade, e em sua trajetória de vida soube a experiência dolorosa do que é não encaixar-se no padrão de normalidade socialmente imposto, do que é sofrer o estigma de ser o estranho, anormal, um abjeto, conceitos estes impostos aos sujeitos da Teoria Queer, que sobretudo não limita-se a questões de gênero, portanto, as três frases do pintor aqui escolhidas dizem acerca da temática que se pretender abordar em cada capítulo partidas da vivência de um artista cuja história é mundialmente conhecida e marcada pela rejeição social sofrida por este durante sua vida por ser considerado o estranho, louco, aquele cujo

2Processo realizado através do SUS, voltado a população transgênero (Travestis e Transexuais) para o acompanhamento médico da hormonioterapia e Cirurgia de redesignação sexual

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desprezo e rejeição sofridas se deram apenas por não obedecer as normas socialmente impostas.

Na primeira parte deste trabalho, intitulada de “Gostaria que me aceitassem como sou” definiremos alguns conceitos de gênero, identidade de gênero e orientação sexual a fim de compreender a complexidade de diversidade que existe socialmente e da necessidade da sociedade não somente aceitar as diferenças, mas desconstruir seus padrões a partir delas.

Para assim, na segunda parte desta pesquisa, “Não há nada mais verdadeiramente artístico do que amar as pessoas” abordaremos a revolução que foi a contracultura e as novas formas de se pensar e trazer como pauta a sociedade e a militância os direitos dos sujeitos LGBT’s, com a politização dos movimentos sociais LGBT’s, focando em como tal politização trouxe contribuições nas políticas públicas de saúde dessa população, que começaram a surgir deste movimento através do surto da AIDS na década de 1980, quando a população gay era responsabilizada pelo surto desta doença. O holofote atirado aos gays durante o surto da AIDS2, deu abertura para que a população LGBT começasse a reivindicar seu espaço dentro das políticas públicas de saúde, e atualmente muito se avançou e continua a se avançar neste âmbito.

Assim, o Processo Transexualizador será abordado ainda nesta segunda parte do trabalho, como resultado e conquista do movimento LGBT no campo da saúde.

Por fim, a terceira parte desta pesquisa intitulada “A normalidade é uma estrada pavimentada: é confortável andar, mas nenhuma flor nasce nela” nos desdobraremos sobre a Teoria Queer, sobre a ruptura necessária dos padrões sociais de normalidade, pensando as políticas de saúde voltadas a população LGBT com enfoque no Processo Transexualizador do SUS e nas contribuições que uma abordagem Queer, pode nos trazer.

A Teoria Queer, norteará, devido a possibilidade de abranger mais indivíduos, considerando suas subjetividades, e pelo seu discurso de quebra dos padrões heteronormativos socialmente construídos. Demonstrando ela ser de grande importância para que se possa pensar de forma mais ampla e aberta os conceitos de

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Conforme Pelúcio e Miskolci (2009) citado por Germano e Sampaio (2014, p.291) O holofote aos homossexuais nesse contexto, deu-se em virtude de que “dois em cada cinco infectados tinham relações sexuais frequentes com outros homens”, assim, o surto da AIDS logo foi associado a homossexualidade e utilizado como forma de segregar e patologizar essa população.

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13 normalidade, sexualidade e liberdade de expressão, bem como a rica contribuição que pode proporcionar ao Processo Transexualizador.

Almejamos através deste estudo contribuir de forma positiva para a discussão do processo Transexualizador, e abrir as mentes a uma perspectiva de Diversidade de Gênero que abranja de fato as relações individuais e subjetividade dos usuários. Servindo também, posteriormente, como contribuição teórica para mais estudos acerca da temática aqui referente.

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PARTE I

“I wish they would only take me as I am.” “Gostaria que me aceitassem como sou” (Vincent Van Gogh)

1.1 Da sexualidade

Trabalhar questões de gênero na atualidade requer atualizar-se constantemente, pois novas nomenclaturas e conceitos vêm sendo incorporados. Entretanto, nenhuma dessas novas nomenclaturas são exatamente novas as vivências e vontades humanas, são apenas rótulos para aquilo que já vinha sendo expressado ou desejado pelos indivíduos.

Para melhor compreensão da temática deste trabalho, faz-se necessário introduzir e conceituar gênero, identidade de gênero, orientação sexual, e as implicações sociais que sofrem os indivíduos cujo gênero em decorrência de uma cultura patriarcal é desfavorecido, e ou cuja identidade de gênero e orientação sexual também são afetadas e desfavorecidas pela cultura patriarcal e a heteronormatividade.

Os padrões de heteronormatividade e cultura patriarcal impostos socialmente, ditam o que a seus olhos deve ser considerado normal e regra, aceitando apenas aqueles que obedecem tais padrões, e reprimindo os que os transgridem.

A cultura patriarcal consiste na dominação do gênero masculino sobre o feminino, denomina-se de cultura pois está enraizado socialmente desde muito tempo, e vem sendo reproduzido até os dias atuais. Michel Bozon, em sua obra intitulada Sociologia da Sexualidade (2004), aborda acerca deste domínio de gênero, e desmistifica a ideia dele como um domínio natural, visto que expõe em sua obra que no início do processo de civilização das sociedades o controle tanto sexual como social não era exercido pelos homens e sim pelas mulheres3, com o passar dos anos e mudanças de civilizações, esse poder passou para a dominação masculina, na qual se mantem até o século atual. Ou seja,

3 Ver “Sociologia da sexualidade / Michel Bozon – Rio de Janeiro: editora FGV, 2004” para melhor compreensão de como se deu a troca dos papeis socialmente impostos de dominação de sexo, que por um curto período de tempo esteve sob domínio das mulheres.

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15 compreende-se que a cultura patriarcal foi socialmente construída e é reproduzida através da opressão de um gênero (feminino).

É, portanto, uma cultura de dominação que favorece apenas o gênero masculino, reforça o machismo e as violações que estes opera diariamente contra os corpos das mulheres e de LGBTQI+ (Lesbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Interssexuais e etc).

É a partir do sexo biológico que a heteronormatividade definirá o gênero de um indivíduo e o papel social que este deve desempenhar. Assim, o sexo, representado pela genitália, (pênis ou vagina) definirá o gênero (Feminino ou Masculino), bem como a orientação sexual deste indivíduo, que deverá se dar ao sexo oposto.

A heteronormatividade, assim como o nome já sugere, é baseada no modelo heterossexual, e impõe esse modelo como o único adequado a ser seguido, a partir de uma dominação patriarcal. Ela perpassa a sociedade para além do modelo heterossexual cisgênero, por sua vez, procura enquadrar a sua lógica de binarismo de gênero o papel do masculino e feminino mesmo nas relações homoafetivas. O que significa dizer que, a heteronormatividade baseada nos papéis socialmente construídos do feminino e masculino, procura enquadrar todos os indivíduos e relações ao modelo das relações heterossexuais (PINO, 2007 apud SOUZA e PEREIRA, 2013. p 86).

A cultura hétero, enraizada socialmente, opera não apenas através da heteronormatividade, mas há também outros conceitos que exemplificaram outros tipos de violência, tais como o heterossexismo e a heterossexualidade compulsória, que diferem da heteronormatividade, mas que, todavia, terão a mesma função disciplinadora de gênero. Segundo Miskolci nos define, podemos conceituar o heterossexismo e a heterossexualidade compulsória como:

Heterossexismo é a pressuposição de que todos são, ou deveriam ser, heterossexuais. Um exemplo de heterossexismo está nos materiais didáticos que mostram apenas casais formados por um homem e uma mulher. A heterossexualidade compulsória é a imposição como modelo dessas relações amorosas ou sexuais entre pessoas do sexo oposto. Ela se expressa, frequentemente, de forma indireta, por exemplo, por meio da disseminação escolar, mas também midiática, apenas de imagens de casais heterossexuais. Isso relega a invisibilidade os casais formados por dois homens ou duas mulheres (MISCOLKI, 2012, p.43).

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Estes três conceitos heteronormatividade, heterossexismo e heterossexualidade compulsória, embora possuam definições distintas, os três partem do pressuposto da heterossexualidade como condição natural e “normal” do indivíduo e que, portanto, deve ser imposta socialmente, seja por meio da invisibilidade de demais formas de sexualidade, ou por meio de violência (psicológica ou física).

Sexo, identidade de gênero e orientação sexual não dependem um do outro. O Sexo biológico define a genitália e não a identidade de gênero ou se esse indivíduo se compreenderá como homem ou mulher, o que por sua vez também não definirá a orientação sexual do mesmo.

De acordo com Jesus (2012) o sexo é a “classificação biológica das pessoas como machos ou fêmeas, baseada em características orgânicas como cromossomos, níveis hormonais, órgãos reprodutivos e genitais.” A partir do sexo a sociedade define o gênero como Feminino ou Masculino (Mulher ou Homem), entretanto, o sexo não é determinante para que um indivíduo se sinta homem ou mulher, o conceito de gênero perpassa os papéis socialmente impostos aos sexos.

Gênero corresponde ao modo como o Homem ou Mulher, irão representar os papéis sociais a serem assumidos e é subjetivo, podendo o indivíduo ter a sua identidade de gênero correspondente ou não com o gênero que lhe foi atribuído em decorrência de seu sexo biológico.

A identidade de gênero corresponde a forma como o indivíduo se compreende socialmente enquanto representante dos papeis de homem ou mulher, independente do sexo biológico deste, podendo corresponder ou não os padrões socialmente impostos que delimitam o que é “ser home” ou “ser mulher”.

Aqueles cuja identidade de gênero é divergente de seu sexo de nascimento, são denominados transgêneros, termo que abrange transexuais e travestis. Os transexuais procuram adequar seus corpos ao padrão socialmente imposto do gênero com o qual se identificam, como explica Jesus (2012):

Transexuais sentem que seu corpo não está adequado à forma como pensam e se sentem, e querem corrigir isso adequando seu corpo ao seu estado psíquico. Isso pode se dar de várias formas, desde tratamentos hormonais até procedimentos cirúrgicos (JESUS, 2012, p.09).

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17 Mas, é importante ressaltar que muitos não sentem necessidade de mudar através de cirurgias seu sexo biológico, e que como gênero independe do sexo, em nada isso alterará que sejam menos ou mais reconhecidos no gênero com o qual identificam-se.

Mesmo que os transexuais sejam homens e mulheres independente de seus sexos biológicos, há uma categoria que é comumente confundida com a transexualidade. As travestis, que são também incluídas na categoria “Transgênero” que representa o “T” da sigla LGBTQI+, não se identificam como mulheres, entretanto assumem papéis sociais femininos, devendo ser tratadas no feminino, pois não se identificam tampouco no gênero masculino, configuram uma espécie de terceira categoria de gênero, a representação de um papel feminino fora da caixa de gênero que o representa, Jesus (2012) acerca disto expõe:

Entende-se, nesta perspectiva, que são travestis as pessoas que vivenciam papéis de gênero feminino, mas não se reconhecem como homens ou como mulheres, mas como membros de um terceiro gênero ou de um não-gênero (JESUS, 2012, p. 09).

Como vimos, sexo não determina identidade de gênero, que por sua vez não determina orientação sexual. A orientação sexual, termo atribuído ao desejo afetivo-sexual de uma pessoa, que, por sua vez, pode ser definida de cinco formas distintas, assexual, bissexual, homossexual, heterossexual e pansexual.

Os assexuais correspondem aos indivíduos que não sentem atração sexual, mas podem por vezes apresentar atração afetiva por um dos gêneros, ou demais. Bissexuais sentem atração afetivo-sexual por pessoas de ambos os gêneros. Homossexuais sentem atração afetivo-sexual por pessoas pertencentes ao mesmo gênero com o qual eles se identificam. Heterossexuais são aqueles que sentem atração afetivo-sexual por indivíduos cuja identidade de gênero (feminina ou masculina) é divergente da dele (cf JESUS, 2012). E pansexuais, por sua vez, são indivíduos que sentem atração afetivo-sexual independente do sexo, identidade de gênero, ou do binarismo ou não de gênero do outro.

Todos esses conceitos foram estabelecidos ao longo dos anos para categorizar e compreender as particularidades e diferenças que possuímos socialmente no que tange identidade de gênero e orientação sexual.

O leitor deste trabalho, muito provavelmente já deve ter se deparado com uma sigla muito usada comumente há uma década, “GLS” (Gays, Lésbicas e Simpatizantes) que atualmente compreende-se como LGBTQI+. A sigla GLS,

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compreendia apenas Gays, Lésbicas e “Simpatizantes”, um conceito curioso que compreendia a parcela da população heterossexual cisgênero ou instituições, que apoiava as causas da comunidade Gay. Nitidamente negligenciava-se o protagonismo dos demais seguimentos da população que não era hétero, gay ou lésbica, eles não estavam incluídos na sigla, entretanto isso não significava que eles não existiam, e reivindicavam seus direitos e respeito juntamente com os gays e lésbicas.

Bissexuais, Transexuais, Travestis e demais resistiam em sociedade juntamente com os GLS e posteriormente o acréscimo de Bissexuais e Transgêneros (Travestis e Transexuais) na sigla, trouxe uma amplitude ao olhar de inclusão e diversidade; LGBT. Retira-se assim o conceito “Simpatizante” que não havia menor sentido em ser incluído, visto que representava indivíduos cujo gênero e orientação sexual obedecia ao padrão social imposto, e que não estariam incluídos em grande parte das pautas e necessidades da população LGBT.

Muito se avançou desde a mudança das siglas GLS para LGBT, entretanto, era ainda necessário pensar se ao falar da causa LGBT incluía-se de fato a diversidade sexual e de gênero presente socialmente. E a resposta ao se pensar tal hipótese, seria não.

Haviam sujeitos que transgrediam a norma heterossexual padrão, e não se enquadravam nos termos da sigla LGBT, por mais inclusiva que ela parecesse ser. Haviam demais indivíduos que não estavam incluídos no padrão social heteronormativo, como os Intersexuais (antigamente chamados hermafroditas, indivíduos cujo sexo biológico nasce indefinido) , e também indivíduos que seguiam sem serem compreendidos, e a margem do que a sociedade considerava aceitável acerca da diversidade sexual e de gênero.

1.2 Da “anormalidade”

Discutir a anormalidade, é discutir a relação de poder que a determina. O normal e o anormal são sujeitos historicamente construídos de acordo com o contexto social hegemônico no qual estão inseridos. A classe social que definiu o que seria a verdade e a normalidade a serem impostas, o definiu não por dominar a verdade, pois a verdade é uma construção social. Assim aqueles que ditaram as práticas e comportamentos que deveriam ser considerados normais ou não, o fizeram, pois, possuíam poder (hegemonia) para tal ação. E é assim que se estabelece a relação entre a verdade, o poder e a anormalidade (FOUCAULT, 2002).

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19 Primeiro inventa-se quem são os anormais, para depois criar a norma. A anormalidade é, portanto, um conceito socialmente construído por aqueles que dela discordam e possuem poder para regular as práticas e ações alheias, sujeitando os demais indivíduos a seguirem aquilo que lhes é imputado como correto e normal com base em uma verdade inventada (socialmente construída por aqueles que detinham o poder) do que seria o certo e errado.

A partir desse conceito criado do que seria o normal ou o anormal se regula comportamentos, práticas e desejos. Se regula e condena elementos subjetivos dos indivíduos.

Os anormais, assim, são considerados os indivíduos que não se encaixam nos padrões socialmente impostos, e bem mais que isso, são aqueles que por transgredirem esses papéis, serão marginalizados, suspeitos e responsáveis de todas as culpas, vergonhas e crimes dos quais a sociedade possa lhes imputar.

Foucault nos apresenta em sua obra, Os anormais (2001), que historicamente a anomalia foi construída a partir de três figuras, o monstro humano, o indivíduo a ser corrigido e a criança masturbadora.

Notemos que, na primeira figura, o monstro humano, a desumanização do sujeito é uma tática primordial para que se possa justificar a partir disso, todas as violações que este sofrerá pela sua condição de não estar de acordo com aquilo que foi socialmente preestabelecido. A desumanização, o repúdio ao crime por este cometido, como se o crime lhe fosse natural, uma parte de sua condição anômala. Neste primeiro momento, ao discorrer sobre a figura do "monstro humano” Foucault focará nessa relação

entre a anomalia e crime, pois a figura do monstro humano era a figura do indivíduo desviante do sistema judicial.

Com base nisso, se procurava achar nas transgressões, (sejam estas transgressões da lei, ou apenas do conceito de normalidade vigente) a monstruosidade que existia naquele indivíduo, que justificasse seu desvio e sua condição menos humana por isso. “Digamos numa palavra que o anormal... é no fundo um monstro cotidiano, um monstro banalizado” (FOUCAULT, 2001, p.71).

A segunda figura mencionada por Foucault era a do indivíduo a ser corrigido. Nessa figura a responsabilização da anomalia não se dava a fatores naturais que justificariam possíveis monstruosidades, como na primeira, nesta a culpabilização do sujeito a ser corrigido recaia sobre a família, a comunidade, os vizinhos, aqueles que compartilham do convívio com este indivíduo. Por não ser uma “monstruosidade”, da

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natureza dele, considerava-se que sua anomalia poderia ser corrigida. Via-se nessa época e perspectiva a anormalidade como algo que poderia e deveria ser reparado, para readequar o sujeito ao padrão social que fora estabelecido como normal e correto.

Mas se esse indivíduo a ser corrigido, apresentava seu desvio, significava, portanto, que a família e a educação que lhe foram dadas “falharam” com ele, no sentido de, portanto, ele ter se tornado um ser desviante, não ajustado, precisando ser corrigido. Mas corrigido por quem? Os que deveriam corrigi-los não foram os responsáveis por ele não ter crescido na normalidade? “O que define o indivíduo a ser corrigido, portanto, é que ele é incorrigível” (FOUCAULT, 2001, p.72).

Já a terceira figura, que aparece por volta do século XVIII, é denominada a Criança Masturbadora. Nesta figura “seu contexto de referência não é mais a natureza e a sociedade como [no caso de] o monstro, não é mais a família e seu entorno como [no caso de] o indivíduo a ser corrigido. É um espaço muito mais estreito. É o quarto, a cama, o corpo...” (FOUCAULT, 2001, p. 74).

A figura da criança masturbadora como uma figura representativa da anormalidade põe a anomalia em uma outra esfera, não apenas do âmbito natural do indivíduo, ou causada pela falta de correção da família, ela está no campo sexual. A sexualidade torna-se assim objeto para se pensar o estranho, o anômalo, atribuindo as causas de sua anormalidade a práticas de masturbação.

Portanto, a partir da compreensão dessas três figuras que definiam a anormalidade desde meados dos séculos XVIII, podemos avaliar que “o anormal do século XIX é um descendente desses três indivíduos, que são o monstro, o incorrigível e o masturbador.” (FOUCAULT, 2001, p. 75).

No século atual (XXI), a figura do indivíduo considerado anormal ainda é estigmatizada e pensada a partir das figuras que definiram a anormalidade no século XVIII. O monstro humano ainda é uma justificativa recorrente do âmbito judiciário, para punir os corpos de sujeitos à margem da sociedade, que pela transgressão da lei (lei imposta pela hegemonia) são desumanizados e sujeitados a condições degradantes e humilhantes dentro do sistema penitenciário, e quando fora dele, ainda vistos como sujeitos desviantes, anormais.

A partir desta perspectiva do desvio, pensar o indivíduo a ser corrigido nos torna claro que, é esta uma outra figura que não foi superada. O monstro humano, o indivíduo a ser corrigido, não dizem apenas a respeito da perspectiva do desvio da lei, mas, em geral, do desvio dos padrões de normalidade socialmente impostos. Estes sujeitos, na

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21 atualidade, continuam sendo desumanizados como monstros, a fim de justificar-se as violências a eles afligidas. Bem como, em alguns casos, serão pensados com sujeitos que podem vir a ser “corrigidos” e obedecerem assim aos padrões impostos, vistos como uma falha, da comunidade e da família.

A última figura é muito significativa para pensarmos este trabalho, as duas primeiras também os são, pois justificam o estigma e as violências operadas a aqueles considerados anormais em nossa sociedade. Entretanto, a figura da criança masturbadora entra no campo da sexualidade, campo no qual este trabalho se desdobra ao se propor a pensar a partir de uma perspectiva Queer.

A anormalidade, como vista aqui, é um elemento socialmente construído a partir de uma relação de poder, daqueles que ditam o que deve ser a “verdade”. Das três figuras que perpassam o conceito de anormal, compreende-se a ideia do sujeito anormal, como um indivíduo fora de si, que precisa ser ajustado, ou que está patologicamente condenado a sua condição anômala, natural a ele, mas condenável. Nas duas primeiras figuras, as causas da anomalia serão atribuídas respectivamente a natureza do indivíduo, a família e comunidade. Na última figura as causas de sua anomalia serão atribuídas ao campo da sexualidade.

Na atualidade os indivíduos ainda taxados como anormais, encontram-se muitas vezes no campo da sexualidade. Sendo a sexualidade ainda fator fundante dos estigmas e definições de padrões normais ou anormais. “A abjeção acaba sendo maior via sexualidade porque ali se unem esses sentimentos mais profundos, em que as pessoas se sentem em confronto com a ordem social” (MISCOLKI, 2012, p.39).

É no campo da sexualidade, portanto, que os estigmas da anormalidade serão mais fortemente representados. Por tratar-se de um campo íntimo e subjetivo, a sexualidade torna-se assim uma via cujo controle se dará por meio do constrangimento e da violência, ao tratar como motivo de xingamento e humilhação comportamentos e desejos que divirjam da sexualidade padrão hétero estabelecida.

Neste sentido, no próximo capítulo nos desdobraremos em como se deu o processo de conquistas de direitos da população LGBT, dialogando com os movimentos da contracultura, e a forma como lidavam com a diferença e o anormal, na busca de libertar-se dos padrões socialmente impostos.

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PARTE II

“I think that there is nothing more trully artistic than to love people”

“Penso que não nada mais verdadeiramente artístico que amar as pessoas”

(Vincent Van Gogh)

2.1 A contracultura

Em uma sociedade classista, patriarcal e heteronormativa, desconstruir padrões nunca foi uma tarefa fácil, reivindicar a própria liberdade e a liberdade de outros desafia as estruturas sociais, desconstruindo ideologias e pensamentos acríticos, como forma mais eficaz de romper com os padrões hegemônicos socialmente impostos. 

As revoluções e os movimentos sociais que surgiram ao longo da história, foram marcados por reivindicações que eram contrárias à classe dominante, predominantemente, reivindicações que buscavam mudar o constructo social baseadas em questões econômicas, na luta de classes. Reivindicavam mudanças que envolviam a sociedade e o sistema capitalista como um todo, visto que, os primeiros movimentos sociais surgiram como resultado das consequências e pauperização trazidas pela produção capitalista. O foco das primeiras revoluções e movimentos sociais eram por condições básicas de sobrevivência. 

Em virtude disso, o movimento da Contracultura fará parte do que se denomina de novos movimentos sociais, classificados assim os movimentos que começaram a surgir a partir da segunda metade do século XX, de acordo com Guimarães (2012), foram nesses novos movimentos sociais que surgiu a contracultura, “o Movimento pelos Direitos Civis, luta pela expansão dos direitos para as minorias, foi o ponto de encontro de todos os seguimentos culturais, reivindicatórios, que acabou culminando na contracultura tal como a conhecemos” (GUIMARÃES, 2012, p.06). 

 A contracultura reivindicava questões que não estavam pautadas a condições de trabalho, ou a desigualdade econômica. Os movimentos que nessa metade do século XX nasciam reivindicavam pautas latentes na sociedade, que mesmo considerando a importância e a urgência dos movimentos sociais dos trabalhadores, não podemos crer que a sociedade se resumia apenas a problemas socioeconômicos. 

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23  

Os três principais “novos” movimentos sociais foram o movimento pelos direitos civis da população negra do Sul dos estados Unidos, o movimento feminista da chamada segunda onda e o então chamado movimento homossexual. Eles são chamados de novos movimentos sociais porque teriam surgido depois do conhecido movimento operário ou trabalhador, e porque trouxeram ao espaço público demandas que iam além da de redistribuição econômica” (MISKOLCI, 2012, p.21)   

Roszak no início de sua obra, A contracultura (1972) explanará como o movimento da contracultura, partiu do plano econômico, e passou a reivindicar no campo da liberdade de expressão e a rejeição a cultura e os padrões socialmente impostos, a fim de estabelecer com isto um confronto contra a ordem capitalista vigente centrada na tecnocracia4. Portanto, para entender a contracultura em seu surgimento, precisamos atentar para os fatos anteriores a ela, compreendendo o contexto socioeconômico e as consequências vigentes da fase capitalista em que se encontrava a sociedade. 

Dos fatos relevantes acerca do momento histórico em que se encontrava o mundo (Especificamente os Estados Unidos, onde se iniciou o movimento de contracultura, que se espalhou posteriormente para demais países) é importante ressaltar no contexto social e econômico que era um momento recente à Segunda Guerra Mundial, que ocorrera em 1949 e 1945, e que no contexto capitalista, a sociedade se deparava com o avanço dos meios de produção e o incremento de tecnologias. A tecnocracia é então neste contexto uma forma de manter a sociedade produtiva ao capitalismo e as normas e padrões socialmente impostos, caracteriza-se como “aquela sociedade na qual os governantes justificam-se invocando especialistas técnicos, que, por sua vez, justificam-se invocando formas científicas de conhecimento. E além da autoridade da ciência não cabe recurso algum” (ROSZAK, 1972, p.21). 

Para Cortés (2008) citado por Guimarães (2012, p.03): 

A contracultura é um conceito essencial para entendermos toda uma geração que viveu na década de 1960, e que era descontente com a sociedade tal como era imposta. Portanto, entendemos que, através da contracultura os jovens tiveram a oportunidade de se expressarem de forma livre. Esta cultura juvenil foi

4Podemos definir a tecnocracia como uma sociedade que se apoia no conhecimento técnico como forma de obter respostas que não devem ser questionadas se vindas do conhecimento técnico e da ciência. (ROSZAK, 1972, p.21)

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importante para que a juventude obtivesse visibilidade em uma sociedade adulta e desta forma, tentar criar um modelo novo de sociedade.

A juventude da segunda metade do século XX, nascidos em um contexto social diferente de seus pais, tendo a oportunidade de usufruir de alguns dos frutos que as manifestações dos trabalhadores, que seus pais possivelmente participaram, trouxeram para a sociedade, com condições menos desumanas de trabalho, e mais oportunidades de estudo, sendo mais comum o ingresso de jovens (em sua maioria de classes socialmente favorecidas) no ensino superior e não imediatamente nas indústrias, embora o ensino superior ainda fosse em sua maioria elitista, estava (e ainda está) desenvolvendo-se e conseguindo chegar em camadas da sociedade que antes não tinha acesso. Esta juventude é quem dá origem ao que denominamos de contracultura, definida por Guimarães como: 

um conceito, uma categoria específica, utilizada para designar uma série de práticas e movimentos culturais juvenis nas décadas de 1950 e principalmente 1960 nos Estados Unidos e que foi paralelamente adotada em outros lugares do mundo. A contracultura é fruto de uma sociedade opressora, sendo praticada, reivindicada por jovens que fugiram da padronização da cultura social do ocidente após a segunda guerra mundial (GUIMARÃES, 2012, p.03). 

Estes jovens, que ao se negarem a permanecer seguindo os padrões opressores impostos ousaram mostrar à sociedade que não seguiriam aquilo que estava imposto e deveria ser obedecido apenas pela lógica da obediência para manter-se aceito socialmente, foram vistos como uma juventude rebelde, em um sentido negativo, que colocava o movimento como um movimento rebelde, como se não houvesse um motivo relevante a desobediência social dessa geração. Mas a rebeldia expressa por esses jovens, em desafiar os padrões impostos, nos traz um caráter positivo a expressão “rebelde”, nesse trabalho, nos propomos a pensar essa rebeldia como um sinônimo a palavra coragem. Pois estes “rebeldes” e “desviantes” eram aqueles que negavam se encaixar nos padrões nos modelos de normalidade de vida e sexualidade impostos socialmente.

O movimento da contracultura não trouxe apenas contribuições para o debate da quebra de padrões, era um movimento cultural, trazendo através da arte e da expressão questionamentos da forma que se obedecia e pensava a sociedade. A sua forma de

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25 expressar-se e ser notado era através da arte, da moda, de recursos visuais e comportamentais. 

Desta forma o jovem se rebelou através daquilo que ele tinha o máximo de controle o possível: do seu próprio corpo, de seus ideais, da sua forma de vestir e se comportar perante o mundo. Um dos movimentos em que esta revolução é mais evidente é o movimento hippie, que surge nos Estados Unidos na década de 1960, junto a outras manifestações artísticas, como festivais, shows em praças públicas, reivindicações culturais contra a guerra, etc. (GUIMARÃES, 2012, p.07). 

 Intencionava-se fazer assim o nascer de uma sociedade, na qual a liberdade e a diferença fossem encaradas de uma forma mais receptiva, bem como, uma sociedade na qual as demandas capitalistas não dominassem a vida dos indivíduos, que a lógica capitalista (alienante e cruel) não fosse a base da sociedade, conforme Roszak (1972, p.61): 

O que torna a rebelião da juventude em nossa época um fenômeno cultural, e não um mero movimento político, é o fato de passar por cima da ideologia, procurando atingir o nível da consciência, buscando transformar o nosso sentido mais profundo do ego, do próximo, do ambiente.

Enquanto na década de 1960 nos Estados Unidos se desenvolvia todo esse movimento da contracultura, o contexto histórico político no Brasil era completamente diferente, e bem menos receptivo a revoluções e movimentos sociais. Instaurava-se no Brasil, em 1964 o golpe da ditadura civil militar, conforme Guimarães (2012), o cenário não permitia aos jovens terem a liberdade de expressar-se e menos ainda, questionar a ordem vigente, os artistas, alguns influenciados pela onda  da contracultura, mesmo utilizando suas formas mais sutis, (como canções que apoiavam a liberdade e repudiava a opressão, de forma discreta em suas letras) tiveram de deixar o país, e pedir exílio, pois qualquer ato de desobediência aos padrões impostos, eram sujeitos a retaliações severas, aprisionamento, tortura e morte.

Acerca deste momento histórico e influência a possível intenção de um movimento de ruptura com os padrões sociais no Brasil, aponta Guimarães (2012, p. 08-09): 

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Nos primeiros anos de ditadura o governo militar procurou acabar com a oposição, eliminando o direto de voto popular além de instaurar o sistema unipartidário. Portanto, entre os anos de 1964 e 1968 a atenção estava voltada para os inimigos políticos, assim, neste período os artistas tiveram tempo de se reunir e criar diversos artifícios contra a ditadura militar. Porém, no final do ano de 1968 foi imposto o Ato Institucional militar nº 5, conhecido como AI-5. Este ato tinha como objetivo principal reestruturar as forças a favor da chamada “revolução militar”. Para tanto seria necessário destituir de expressão e participação aqueles que ganharam adeptos e obtinham resultados positivos nas suas lutas contra o regime durante os quatro primeiros anos: os artistas.

Apesar do cenário repressor, as décadas de 1960 e 1970 no Brasil ainda assim o movimento da contracultura, que inspirava os artistas, chegou a influenciar uma parte da população, que mesmo dentro de um cenário ditatorial, conseguia mesmo que de forma oculta desenvolver o seu pensamento crítico contra o sistema opressor vigente. O campo musical, foi o principal no qual esse movimento influenciado pela contracultura veio a mostrar-se de maneira mais nítida.

A chamada “Jovem Guarda” foi um dos movimentos que surgiram no Brasil nas décadas de 1960 e 1970, cujo propósito era reunir a juventude e contestar a ordem vigente, entretanto, a Jovem guarda não executava esse propósito com êxito, não impondo-se de fato contra o regime ditatorial. O Movimento chamado Tropicália é o qual irá desafiar os padrões sociais, buscando incorporar no contexto brasileiro as influências da contracultura estadunidense, dotado de um maior cunho político na oposição à ditadura civil militar, a Tropicália é um movimento que traz mais autenticidade a luta contra o poder opressor, visto que: 

Por possuir ligação com a cultura popular brasileira, e ao mesmo tempo com os mesmos ideais da contracultura, a tropicália nos chama atenção pois, diferentemente da Jovem Guarda, não tenta se tornar cópia do que era produzido de arte no exterior, mas sim produzi-la baseando-se na cultura popular do Brasil e mesclando, interligando com o que era produzido fora do país (GUIMARÃES, 2012, p.10) 

Como contribuição aos demais novos movimentos sociais e a alguns grupos específicos da sociedade a contracultura proporcionou e os instigou a pensar a partir desta perspectiva que busca romper com os padrões impostos socialmente não apenas como um

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27 ato político, mas também como uma expressão da arte e da consciência da natureza dos indivíduos. 

A Contracultura associada ao movimento homossexual reforça a luta e reivindicações destes, pois como um dos novos movimentos sociais, pautados a questões que vão além do socioeconômico, atentando ao lado mais subjetivo dos indivíduos, a compreensão do amor fora dos padrões heteronormativos impostos, o movimento homossexual adentra a contracultura. Ambos lutam do mesmo lado, contra o mesmo sistema opressor. 

A contribuição da contracultura dá-se não somente ao Movimento Homossexual da época, mas contribui posteriormente no surgimento de novos movimentos, como segundo aponta Miskolci (2012) a Teoria Queer e seu nascimento por volta da década de 1980 está de forma muito provável relacionado a contracultura, já que esta teoria surge “como um impulso crítico em relação à ordem sexual contemporânea, possivelmente associado à contracultura e às demandas daqueles que, na década de 1960, eram chamados de novos movimentos sociais” (MISKOLCI, 2012, p.21) 

A contracultura, nascida nos Estados Unidos, espalhou-se por demais países, a fim de contestar a ordem vigente e a opressão social, questionando normas impostas e a maneira como a sociedade se comportava e lidava com demandas que fossem diferentes, este movimento e suas vertentes em demais países, tais como o movimento de Tropicália no Brasil, veio a contribuir de maneira significante na força de outros movimentos sociais, movimentos por direitos civis, referentes a sexualidade e questões de gênero. 

2.2 Politização dos Movimentos Sociais da população LGBT

Até a década de 1970 a homossexualidade era tratada como uma doença psiquiátrica, pois encontrava-se presente no DSM (Manual Diagnostico e estatístico de transtornos mentais) (cf SAMPAIO e GERMANO, 2014, p.291). A luta então do movimento gay baseava-se em mudar a forma como a sociedade os via e estigmatizavam. Podemos afirmar que, era uma luta pela aceitação da diversidade.

Acerca do termo diversidade, é importante apresentar, a discussão que Miskolci faz em sua obra Teoria Queer: Um aprendizado pelas diferenças (2012), ao analisar como se fundamentava o movimento homossexual e suas diferenças ao movimento Queer, que surge na década de 1980, Miskolci vê relevante divergência da forma como os movimentos lidavam com as perspectivas de diferença e diversidade.

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É imprescindível, para compreendermos a luta do movimento homossexual, entender em que se baseava a perspectiva de diversidade na qual este pautava-se, e porque o Movimento Queer, que surge posteriormente, ao apresentar uma perspectiva das

diferenças, é tão inovador e desafia os padrões sociais impostos centrados na heteronormativadade.

Vejamos que, “o termo “diversidade” é ligado à ideia de tolerância ou de convivência, e o termo “diferença” é mais ligado a ideia do reconhecimento como transformação social” (MISKOLCI, 2007, p.15) Segundo o autor a diversidade consistia em ser aceito socialmente, sem modificar na sociedade os padrões que taxavam indivíduos como normais ou anormais, consistia em sair do campo da anormalidade, para o campo da tolerância, enquanto o conceito de “diferenças” não importava-se em ser aceito socialmente, uma vez que via os padrões sociais como meras invenções que precisavam ser superadas, portanto,

diversidade é “cada um no seu quadrado”, uma perspectiva que compreende o Outro como incomensurável distinto de nós e com o qual podemos conviver, mas sem nos misturarmos a ele. Na perspectiva da diferença, estamos todos implicados/as na criação desse Outro, e quanto mais nos relacionamos com ele, o reconhecemos como parte de nós mesmos, não apenas o toleramos, mas dialogamos com ele sabendo que essa relação nos transformará (MISKOLCI, 2007, p.15-16).

Partindo deste conhecimento, podemos compreender que, o movimento homossexual da década de 1970 e 1980 lutava a partir de uma perspectiva de diversidade, mostrando que existiam padrões além do heterossexual cisgênero, e que estes padrões buscavam que a sociedade os aceitasse. Sampaio e Germano (2014, p.291) relatam isso, quando descrevem que a luta do movimento gay “buscava modificar a percepção de que os homossexuais eram seres exóticos e estranhos que contrastavam com o heterossexual normal e respeitável”.

Este perfil do “heterossexual normal e respeitável”, era o perfil que se traçava a heterossexualidade, sendo que qualquer sexualidade desviante desta estaria automaticamente a margem do que era considerado normal e respeitável socialmente. A sociedade, que então via a homossexualidade até a década de 1970 como uma doença psíquica, não concebia os gays como sujeitos que pudessem ser enquadrados

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29 no padrão de normalidade vigente socialmente imposto, portanto, para aceitá-los,

precisava-se de elementos que os colocassem mais próximos aos padrões hétero.

Esta aceitação, algumas vezes baseava-se em padrões morais, que utilizava o estigma da promiscuidade homossexual para justificar a exclusão de homossexuais da sociedade, tolerando apenas aqueles que menos desviavam do padrão heteronormativo imposto. Pois como vimos, a heteronormatividade é um conceito que perpassa e busca enquadrar a suas normas até os sujeitos homo, “mesmo os gays e as lésbicas respeitáveis em certos momentos históricos serão atacados e novamente transformados em abjetos” (MISKOLCI, 2007, p.24).

O movimento homossexual, portanto, pautado na aceitação de seus sujeitos à sociedade, era um movimento que lutava por seus direitos no campo da tolerância e liberdade de expressão. A forma como esse movimento vem a reivindicar pautas, voltadas a um cunho político, ocorre quando notam a necessidade de que se pensem políticas públicas voltadas a essa população e suas especificidades.

Em um primeiro momento, a luta pela inclusão da população LGBT nas políticas públicas de saúde, não se dá através de uma perspectiva fundamentada na noção de direito, mas sim, em um pânico social, e culpabilização da população LGBT pelo surto da Aids.

Foi na década de 1980, que o Brasil veio a deparar-se com o surto da Aids, de acordo com Pelúcio e Miskolci (2009) citado por Sampaio e Germano (2014, p.291):

no início do surto da AIDS, dois em cada cinco infectados tinham relações sexuais frequentes com outros homens, dessa forma a doença foi inicialmente nomeada como GRI (Imunodeficiência Gay Adquirida). Mesmo após sua renomeação para AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), a fantasia sobre a relação direta entre a homossexualidade e a doença permaneceu.

Foi a partir disto, que a ideia da promiscuidade homossexual teve maior força, e a sociedade através do surto da aids encontrou uma nova maneira de excluir essa população e delegá-los a condições de abjetos novamente. Não mais vistos como doentes psíquicos, os homossexuais passaram a ser vistos como difusores do vírus do HIV, novamente patologizados, (não que por um momento tivessem deixado de ser, mas neste momento a retomada dava-se de maneira mais forte) marginalizados pela sociedade. Assim, “a epidemia de HIV/AIDS teve o efeito de repatologizar a homossexualidade em

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seus novos termos contribuindo para que certas identidades, vistas como perigo para a saúde pública, passassem por um processo de politização controlada” (MISKOLCI, 2009 apud SAMPAIO e GERMANO, 2014, p.291).

Neste sentido, compreendemos que a reação do Estado ao surto da Aids direcionou-se a culpabilização da homossexualidade, atuando no sentido de adequar os indivíduos aos padrões heteronormativos, Prelúcio (2007) citado por Sampaio e Germano (2014, p.292) define que essa inserção da população LGBT nas pautas políticas e sociais foram utilizadas pelo Estado como forma de adequar o indivíduo:

O fenômeno de visibilidade política e social LGBT por via da AIDS é chamado por Pelúcio (2007) de SIDAdanização, termo no qual a troca do “c” pelo “s”, e que denuncia uma cidadania alcançada pela repatologização da sexualidade não heterossexual. Para que esse grupo adquira a SIDAdania, precisa partilhar os pressupostos do programa de prevenção de DST/AIDS, compreendendo a responsabilidade que têm sobre si e os cuidados que devem dedicar à saúde, a partir do modelo biomédico.

Essa SIDAdania baseada na condição de proporcionar cidadania a esse segmento da população através patologizaçao como Pelúcio (2007) nos afirma, nos permite visualizar a forte pressão normalizadora que o Estado e a sociedade introduzem em seus indivíduos. Para conceder a população LGBT direitos no que tangia a garantia da saúde e inserção de sua participação política na sociedade, partia-se de uma perspectiva de que esse sujeito era doente, ou transmissor de uma doença (Aids), doença esta que foi associada a condição da homossexualidade, portanto, esse indivíduo era concebido como cidadão, mas um cidadão que precisava ser “corrigido”, “o indivíduo a ser corrigido” como vimos com Foucault (2001), o indivíduo a ser corrigido, uma espécie anormal, que trazido para esse contexto da homossexualidade por volta dos anos 1980, a anormalidade neste sentido estava ligada ao campo sexual da vida destes indivíduos, ainda assim, eram considerados anormais, e mesmo que inclusos socialmente, estavam inclusos para que pudessem ser “corrigidos”.

As formas do Estado lidar com o surto da Aids, apesar de patologizar a população LGBT, e impor a lógica heteronormativa como conduta (agora de saúde) “normal” e

“correta” a ser seguida, apesar dos estigmas que trouxeram a homossexualidade, proporcionaram que o movimento gay voltasse suas pautas a questões que se baseavam na perspectiva de direitos sociais. Reivindicando no espaço público

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31 respostas do Estado para as necessidades objetivas de vida desta população, referentes aos direitos humanos, diretos a saúde e participação social.

Transgredir o padrão da heteronormatividade não é uma tarefa fácil, visto que, está enraizado socialmente a muito tempo. E vem sendo reproduzido mesmo dentro dos espaços LGBT’s, sendo considerado inclusive na construção de políticas públicas para a população LGBT, como podemos considerar que:

No Brasil, as políticas públicas LGBT são de modo geral bastante recentes, tendo surgido há menos de quinze anos, contudo já é possível acompanhar algumas mudanças em suas propostas de ação nesse período. Os textos de tais políticas permitem perceber a emergência, consolidação e reestruturação de conhecimentos referentes à compreensão e normatização das sexualidades e modos de vida não heterossexual (SAMPAIO e GERMANO, 2014, p. 294).

O Sistema Único de Saúde (SUS) compreende uma conquista no marco da política de saúde no Brasil, e está assegurado na constituição Federal de 1988 como dever do Estado e um direito de todos, portanto, o princípio da universalidade é um de seus pilares fundamentais. Neste mesmo cenário, a década de 1980 é marcada pela politização dos movimentos LGBT, e a preocupação da saúde com esta população, dado o surto de AIDS na referida década, a inserção desta população dentro do setor de saúde pública foi de suma importância para que este público, outrora invisibilizado, pudesse dentro do SUS requerer suas demandas e necessidades. A partir disso, foram desenvolvidas políticas públicas voltadas para a população LGBT e suas demandas.

Sampaio e Germano (2014) observam as políticas públicas que surgem a partir do surto da AIDS, por conseguinte, políticas que foram possíveis através da consolidação do SUS na constituição de 1988, e apontam que estas políticas consideravam que existiam indivíduos cuja sexualidade fugia do padrão heterossexual, mas, embora voltadas para a população LGBT, estavam pautadas na concepção desse binarismo de gênero, ou a heterossexualidade ou a homossexualidade.

As políticas públicas de saúde voltadas à população LGBT conquistadas a partir dos anos 2000, durante o governo de esquerda do Partido dos Trabalhadores são respectivamente:

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1- Conselho Nacional de Combate à Discriminação (2004): “Brasil Sem Homofobia: Programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania homossexual”

2- Ministério da saúde (2007): “Plano nacional de enfrentamento da epidemia de AIDS e das DST entre gays, HSH e travestis”

3- Secretaria Especial Dos Direitos Humanos (2009): “Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais” 4- Ministério da Saúde (2009): “Plano integrado de enfrentamento da feminização da epidemia de AIDS e das DST.”

5- Ministério da Saúde (2010): “Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.”

Partimos da compreensão que, para se pensar políticas públicas voltadas para a população LGBT faz-se imprescindível analisá-las através de uma perspectiva das diferenças, deve-se considerar a Teoria Queer, para assim pensar políticas públicas que visem responder as demandas desta população, sem a intenção de “corrigi-la” e adequá-la a sociedade, mas a fim de conceber uma sociedade diferente, sem padrões para encaixar os indivíduos.

É necessário superara o binário hétero-homo, a ideia poderosa e altamente contestável de que a sociedade se divide apenas em heterossexuais e homossexuais. É importante também ir além das meras tentativas de proteger aqueles que o movimento social chama de pessoas LGBT... um termo que não dá conta do grande espectro de gente que não se enquadra no modelo heterossexual e que não cabe em nenhuma dessas letras (MISKOLCI, 2007, p.17).

A Teoria Queer nos possibilita pensar a sociedade fora da caixa de gêneros, ou seja, conceber uma sociedade, que não segregue nenhum indivíduo. Portanto, no próximo capítulo compreenderemos em que consiste a Teoria Queer a partir de Miskolci (2012), para que possamos retomar ao debate das políticas públicas LGBT, voltando nosso olhar ao Processos Transexualizador como propomos no objetivo desta pesquisa.

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33 PARTE III

“Normality is a paved road: It’s comfortable to walk, but no flowers grow on it.”

“A normalidade é uma estrada pavimentada: é confortável andar, mas nenhuma flor nasce nela”

(Vincent van Gogh)

3.1 Enfim, a Teoria Queer

A obra Teoria Queer: Um aprendizado pelas diferenças, de Miskolci (2012) nos permitiu compreender a Teoria Queer e seus desdobramentos na vida dos indivíduos que a compõe, bem como a sua influência para todo o constructo social e forma de se pensar a sociedade, para compreender seu surgimento, primeiro nos comprometemos a definir conceitos de gênero e sexualidade, a fim de compreender como os padrões socialmente estabelecidos se baseiam em um conceito de heteronormatividade, que segrega e estigmatiza aqueles que desse conceitos desviam, os “anormais”.

O conceito de anormalidade foi trabalhado através de uma perspectiva foucaultiana, as relações de poder estabelecidas socialmente ditam os comportamentos desviantes, ditam os sujeitos normais e anormais, e a Teoria Queer neste contexto, assume-se como O Anormal, O Desviante, O Abjeto, não está interessada em ser vista pela sociedade através do conceito de normalidade que esta dita, está, portanto, interessada em desconstruir a sociedade e seus padrões.

Foi necessário, no início desta obra discutirmos um pouco acerca do movimento da contracultura e suas influências no Brasil, para que agora compreendido o papel que o final do século XX desempenhou nos avanços quanto aos movimentos sociais, que buscavam desprender-se das amarras e estigmas da sociedade, possamos nos desdobrar de forma direta sobre como surge a Teoria Queer, como podemos compreendê-la, e utilizá-la como ponto de partida para pensar uma nova sociedade, aos poucos, inserindo-a no campo político-social, das políticas públicas e do debate.

A contracultura, teve forte influência no nascer da Teoria Queer, na segunda metade do século XX, os novos movimentos sociais traziam a luz da sociedade as suas demandas e questões não mais restritas ao âmbito socioeconômico, como os movimentos

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dos trabalhadores, de acordo com Miskolci (2012, p.22) esses novos movimentos sociais confrontavam os padrões morais, e algumas de suas pautas entrava no campo da sexualidade, tais como “a luta feminista pela contracepção sob controle das próprias mulheres, dos negros contra os saberes e práticas radicalizadores e dos homossexuais contra o aparato médico legal que os classificava como perigo social e psiquiátrico”.

Assim, o terreno era propício as discussões que visavam romper com os padrões morais, e a Teoria Queer junto com esses movimentos nasce para se contrapor aos padrões socialmente impostos, que restringiam a liberdade sexual e subjetiva dos indivíduos.

Não somente por estar situada no contexto histórico das discussões dos novos movimentos sociais, a Teoria Queer, que surge nos Estados Unidos na década de 1980, é resultado do estigma que o surto da AIDS trouxe a população LGBT, a aos demais indivíduos não contemplados pela sigla LGBT, que transgrediam o padrão da heteronormatividade. Considerados anormais por desviarem do padrão heterossexual, e abjetos pela culpa que lhes foi inteiramente imputada quanto a transmissão do vírus do HIV, o termo adotado por esse movimento “Queer” se configura no sentido pejorativo e vulgar da palavra, é para que soe como um xingamento, pois era assim que eles eram tratados, e foi assim que se autodenominaram para se contrapor a sociedade normalizadora que os estigmatizava e excluía. Se eram considerados abjetos ou anormais para a sociedade, assim o preferiam ser ao ter que se sujeitar aos padrões impostos socialmente para que pudessem ser aceitos (MISKOLCI, 2012).

Portanto, a crítica Queer pautava-se na sociedade e em seus padrões, não importava a aceitação ou não da sociedade, os Queer não estão interessados em encaixar-se, mas apenas, em serem como desejam ser, e permitir que demais sujeitos possam expressar sua sexualidade, identidade de gênero e subjetividade da forma que sentem, e não da forma como é imposta socialmente, por medo da rejeição ou do estigma.

Desconstruir é a palavra fundamental para que possamos pensar através da Teoria Queer, desconstruir os modelos de normalidade impostos socialmente, desconstruir o que é a normalidade, o que são os papéis de gênero, o que significa, portanto, ser homem ou ser mulher.

A sociedade, da forma que está estruturada, define o que é ou não normal e aceitável, bem como o que se deve corrigir ou exterminar. Os comportamentos socialmente impostos, tais como, a heterossexualidade, são concebidos como

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35 comportamentos naturais, portanto, normais. “A preocupação queer é, portanto, não de fixar uma identidade, mas de admitir múltiplas formas de identidade. Não apenas lutar a favor dessas múltiplas formas de identidade, mas denunciar os mecanismos por meio dos quais elas foram situadas como anormais” (MOTTA, 2016, p. 77).

Mas nos cabe pensar, se a heterossexualidade é socialmente vista como natural, porque a homossexualidade também não o é? A Teoria Queer irá estudar essa questão, apontando que “se a homossexualidade é uma construção social, a heterossexualidade também é. Então o binário hétero/homo é uma construção histórica que a gente tem que repensar” (MISKOLCI, 2012, p.30).

Heterossexualidade e Homossexualidade partem de desejos sexuais/afetivos dos indivíduos, são desejos subjetivos, não influenciáveis, e dizem acerca apenas daqueles que o sentem. Portanto a construção desse binarismo torna-se supérflua se considerarmos que assim como todos os corpos são diferentes, os desejos também o serão, “as pessoas nunca couberam em um número limitado de orientações do desejo” (MISKOLCI, 2012, p.31).

A Teoria Queer compreende que precisamos superar esse binarismo hétero-homo, bem como superar também o binarismo de gênero. A sexualidade não se pode conter em apenas duas opções, hétero/homo, e enquanto gênero homem/mulher.

Desconstruir gênero significa compreender “o gênero como algo cultural, assim o masculino e o feminino estão em homens e mulheres, nos dois” (MISKOLCI, 2012, p.31). O gênero, socialmente consiste em uma distribuição de papéis, baseadas no sexo biológico, define-se assim a forma como o indivíduo deve se comportar socialmente, o papel atribuído ao masculino e feminino dizem não somente acerca de comportamentos sociais e roupas, ditam principalmente um lugar de poder.

Esse poder, não é difícil de concluir, está centrado no patriarcado, os papéis socialmente atribuídos ao masculino, ao que se entende por “ser homem” são os papéis sociais de poder, respeito.

Ao questionar esse binarismo de gênero, a Teoria Queer, também questionará essa relação de poder imposta socialmente, visto que, se o gênero é uma construção social, as relações de poder por ele estabelecida também o são, e como construções sociais, podemos a partir de um novo olhar para a sociedade desconstruí-las.

Referências

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