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IV. Direito, norma e coatividade

5.1. Políticas sociais

No aspecto da satisfação material, sob a ótica das teorias econômicas liberais é no mercado que o indivíduo adquire seu bem-estar.

É no mercado que os indivíduos poderão alcançar o máximo de satisfação com as mercadorias produzidas (...) clara identificação de bem-estar com consumo.145

Contudo, conforme abordado quando da discussão sobre a sociedade de risco, a concentração das riquezas, do poder decisório e da produção elimina, progressivamente, a liberdade do consumidor.

A concentração econômica capitalista e seus distúrbios alocativos se estabelecem como fenômeno decisivo da necessidade de intervenção estatal na economia como forma de garantia de liberdade e proteção dos mecanismos de reprodução das forças sociais.

João Bosco da Fonseca considera que a concentração empresarial presente no ciclo evolutivo do capitalismo provocou importantes fenômenos: a necessidade de intervenção para sanar a liberdade de iniciativa – intervenção através da atuação direta como agente e/ou pela via de controle e regulamentação e “a imposição da necessidade de elaboração de leis destinadas à proteção dos empregados, com a finalidade de garantir-lhes a observância dos direitos fundamentais garantidos ao homem”.146

Fonseca estabelece que a tendência de garantia de direitos relativos ao trabalho está expressa na letra a, do artigo 23 da Parte I, do Tratado de Versalhes, pelas Constituição do México e Weimar. Emerge a necessidade de institucionalização de uma economia em que ao Estado caberá a função de direcionamento jurídico e segurança dos agentes segundo o aparato de decisões políticas.

145 Vicente de Paula FALEIROS, Política social do estado capitalista, p.12 e 18. 146 João Bosco FONSECA, Direito econômico, p. 222.

Em decorrência das razões justificadoras da intervenção, assume o Estado: a regulação econômica e reserva de direitos de determinadas atividade; a atuação fiscal e financeira como indispensável à arrecadação dos fundos para o financiamento de ação e a criação de empresas públicas para atuação concorrente aos privados.

Vicente Faleiros147 destaca que para justificar a intervenção, o Estado é apresentado como árbitro neutro, acima das classes e dos grupos sociais. Age pela sociedade civil para tornar possível a proteção material dos indivíduos. Contudo, estabelece que, por ser relação social, o Estado não é um árbitro neutro, nem um juiz do bem-estar dos cidadãos. Representa a correlação de força dos grupos de poderes da sociedade – é hegemonia e dominação. E continua no mesmo desenvolvimento afirmando que o Estado age diferentemente, de acordo com cada conjuntura específica, mas no quadro do desenvolvimento de forças produtivas e de relação entre o grupo popular e do poder. Cuida sempre para manter a forma mercantil da economia em seu conjunto, a acumulação do capital e sua legitimidade política junto à população.

Desse modo, as medidas de política social só podem ser entendidas no contexto da estrutura capitalista e no movimento histórico das transformações sociais dessas mesmas estruturas.

A natureza da intervenção do Estado, em termos empíricos, consiste na implantação de assistência, de previdência social, de prestação de serviços, de proteção jurídica, de construção de equipamentos sociais e de subsídios. Faleiros reconhece que o Estado realiza os “interesses gerais do capital”.

O Estado intervencionista do Bem-Estar se torna a garantia de manutenção das condições de reprodução do capital e da produção, isto é, da acumulação capitalista.

Ao discutir teóricos como Poulantzas, Pelletier e Vaillancourt, Faleiros entende que, em nível geral, as políticas sociais concretizam uma política de mão-de-obra, e por esta mesma razão, se situam no âmago da contradição entre capital e trabalho, sem afetar a estrutura de produção e mercado.

Não obstante as discussões de ordem ideológica sobre a origem e arranjo das políticas sociais, as descontinuidades nos ciclos econômicos e a corrosão dos núcleos sociais

de amparo ao indivíduo tornam cada vez mais complexas as necessidades básicas, as escolhas e respostas ao risco dos agentes sociais.148

Sob a motivação econômica, K. G. Scherman149 defende que “a proteção social pública para os que não dispõem de meios de subsistência é crucial para o bem-estar das pessoas e das famílias e para o funcionamento da economia e da sociedade como um todo”.

As políticas públicas de proteção social surgem, portanto, como substitutas da solidariedade natural no amparo dos membros ou indivíduos sociais em risco - o amparo original do mutualismo e solidariedade, alterado pela dinâmica das relações sociais modernas, já não garantia a segurança e existência do grupo.

As redes de proteção social estabelecidas pelas políticas públicas evoluem para contornar as precariedades decorrentes das iniciativas individuais e a necessidade de intervenção e socorro de agentes econômicos torna-se mandatória no processo de ajuste da desigualdade.

A atribuição da intervenção para a proteção e salvaguarda dos agentes sociais como função estatal, passa a ser fundada nos preceitos de ordem material (políticas contra-cíclicas), morais e, sobretudo, pela dotação de juridicidade da obrigação estatal - como norma cogente e imperativa, asseguradora dos direitos subjetivos de proteção quando da ocorrência das contingências legalmente estabelecidas.

No desenvolvimento do ciclo, surge, conforme determinado no artigo 1°, da Convenção n.° 117 da Organização Internacional do Trabalho, de 28 de junho de 1962, a política social como o complexo de programas para o bem-estar e a promoção das aspirações de progresso social da população.

148 Nota: resposta ética à hipótese de desigualdade social permanente. Para a Igreja, as encíclicas Caritas in

Veritate e Populorum Progressio sinalizam a economia e o desenvolvimento integral como etapa de construção

de cultura de solidariedade.

149 Cf. Introdução da obra de Lawrence THOMPSON, Mais velha e mais sábia: a economia dos sistemas