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CAPÍTULO 4 A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS INTERSETORIAIS SEGUNDO A

4.3 Políticas Sociais mais acionadas pelos profissionais do CAPS AD

Observamos na seção anterior uma situação contraditória em relação ao atendimento em saúde dos usuários de álcool e outras drogas. Ao mesmo tempo em que há uma real necessidade de atender as inúmeras demandas desses usuários no CAPS AD - e há um esforço por parte da equipe em torno dessas demandas – esse serviço não consegue elaborar uma agenda permanente de diálogo com outros dispositivos da rede, não conseguindo fazer planejamentos conjuntos, com objetivos compartilhados. Claramente, observa-se que um grande número de demandas precisa ser atendida em outros espaços, a partir de outras políticas sociais, entre elas políticas de previdência e da assistência social. No entanto, o preconceito, a falta de conhecimento dos gestores e dos próprios profissionais sobre a questão do uso abusivo de álcool e outras drogas, diante de um processo de formação deficitário, aliada a uma falta de planejamento e de organização do aparato estatal da rede de assistência, constitui-se como um dos fatores que impede que esses usuários possam recorrer aos dispositivos que porventura existam no território.

Nesse aspecto, Azevedo et al. (2014) afirmam que, com a implementação do SUS e com o processo de construção da RPB, mudanças consistentes se desdobraram tendo como horizonte o paradigma da integralidade e da intersetorialidade. Nesse sentido, torna-se indispensável, para a assistência no âmbito da SM e para o atendimento aos usuários de álcool e outras drogas, a articulação com vários segmentos sociais, como forma de ampliar os serviços existentes por meio do acolhimento, da assistência, do resgate ao convívio social, familiar e na sociedade.

Nesse contexto,

[...] a intersetorialidade, como meio de atuação profissional, trata da articulação entre sujeitos de setores sociais diversos e, portanto, de saberes, poderes e vontades que visem enfrentar problemas complexos. Como possibilidade para gestão torna-se uma forma de construir políticas públicas que pretendam possibilitar a superação da fragmentação dos conhecimentos e das estruturas sociais para produzir efeitos mais significativos na saúde da população. Desse modo, entende-se que a ação intersetorial necessita ser construída sob situações concretas no que diz respeito ao estilo de vida das

pessoas, pois são elas que criam o espaço possível de interação e ação (AZEVEDO et al., 2014, p. 614-615).

No contexto da assistência aos usuários de álcool e outras drogas, torna-se imprescindível essa articulação intersetorial. São ações que possibilitam o fortalecimento da inclusão social dessas pessoas, viabilizando o bem estar e a minimização dos agravos à saúde, bem como a inserção na garantia de seus direitos via de acesso aos serviços públicos.

Ilustrando a importância dessa articulação, encontramos, na transcrição do depoimento abaixo, elementos que destacam a pertinência da contribuição de outros serviços para a manutenção do bem estar da saúde, numa perspectiva ampliada dos usuários que frequentam o CAPS AD Primavera.

“[...] e quando você perguntou sobre as demandas, chegam várias demandas ao serviço, inclusive a gente tem um grande número de usuários em situação de rua que precisam de outros dispositivos, que não sejam da saúde e que esbarra. A gente esbarra nisso. Apresenta uma demanda muito grande social, o município não tem um abrigo para essas pessoas [...] (P. 04)”.

Tenório (2001), afirma que o contexto da RPB se traduz como uma tentativa de fornecer outra resposta social às questões referentes à SM, evitando, assim, o asilamento. Os valores desse movimento são destinados a agir contra a segregação social, no sentido de poder dar conta da diferença, do que aparece como incomodamente dissonante.

Nesse aspecto e, reconhecendo que todo o projeto ético-político da RPB se pauta na inserção dessas pessoas às políticas sociais, podemos tecer algumas impressões sobre a realidade desse município. Na própria experiência acumulada nos anos de atuação nos serviços substitutivos e também nas informações captadas pelos registros no diário de campo feitos ao longo dessa pesquisa, pudemos perceber que se torna impossível o CAPS AD Primavera conseguir a resolubilidade em todas as questões postas por esses usuários.

Podemos perceber que a questão do uso prejudicial de SPA não é influenciada apenas por uma motivação pessoal, psicológica, que se situe fora do contexto social que a pessoa se insere. Na verdade, a esses elementos subjetivos se somam um contexto de desigualdade social, de precariedade das condições de

sobrevivência, da impossibilidade de frequentar uma escola regularmente e de ter acesso a programas de geração de renda. Nesse sentido, uma única política pública capaz de dar conta de toda essa demanda que chega, é um projeto utópico, fazendo-se necessário um planejamento permanente de articulação intersetorial:

“[...] também, quando apresenta uma demanda de documentação, vai tirar o cartão do SUS, mesmo sendo um usuário em situação de rua, exige uma documentação, exige um comprovante de residência, por exemplo (P. 04)”.

Não só no grupo focal, mas, nas observações sistemáticas, juntamente com as anotações no diário de campo, visualizamos a dificuldade dessa equipe em articular estratégias com outros serviços. Foi relatada a parceria com a Secretaria de Ação Social, porém essa parceria praticamente não existe mais, pelo menos assim foi relatado no momento da pesquisa.

“[...] A nossa articulação com a Ação Social era bem bacana, e não existe mais, não tem mais os benefícios que eles tinham, auxilio transporte, auxílio aluguel, vale gás [...] (P. 04)”.

Não foi citado parcerias com a Secretaria de Educação, Habitação, Cultura ou até mesmo com a Secretaria de Esportes. No caso da realidade precária do deslocamento desses usuários para puderem continuar em acompanhamento no CAPS AD, a equipe conseguiu junto à Secretaria de Transportes um precário arranjo para que alguns pudessem continuar frequentando o CAPS AD.

“[...] Por exemplo, no caso do auxílio transporte, fizeram uma carteirinha para o ônibus escolar. O que não faz sentido os usuários virem em um ônibus escolar, num transporte escolar (P. 04)”.

“Que não bate nem com o horário de funcionamento aqui do serviço. Eles vêm de 07h, chegam aqui de 07:10h, e ficam esperando até às 08:00h porque o serviço começa às 08:00h (P. 09)”.

Observa-se que mesmo conseguindo essa importante parceria com a Secretaria de Transportes, a possibilidade de um maior planejamento que atenda a especificidade do serviço e a singularidade de cada usuário não foi colocada em discussão, fazendo com que essa estratégia não se adequasse à rotina do serviço.

Ora, a precariedade nessa articulação demonstra que a questão de álcool e outras drogas, no momento pesquisado, não tem um lugar importante nos planos de planejamento das secretarias que compõem o município de Cabedelo.

Nesse sentido, instala-se uma contrariedade nessa dimensão da assistência. Se ao abrigar um serviço substitutivo de SM, os gestores não conseguirem organizar a rede de atendimento para além desse próprio serviço, possivelmente corre-se um grande risco de não alcançar os preceitos da RPB, já discutidos nessa pesquisa anteriormente.

Goulart et al. (2013) lembra que a atenção integral a usuários de álcool e outras drogas, instituída pela política nacional em 2003, recorre à necessidade de estruturação e fortalecimento de uma rede de assistência, com foco centrado na assistência comunitária, que se associa a uma rede de serviços de saúde e serviços sociais, juntamente com as demais políticas intersetoriais.

A ênfase situa-se na

[...] reabilitação e reinserção social dos seus usuários, sempre considerando que a oferta de cuidados a pessoas que apresentem problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas deve ser baseada em dispositivos extra-hospitalares de atenção psicossocial especializada, como é o caso do centro de atenção psicossocial álcool / drogas (CAPS AD), devidamente articulados à rede assistencial em saúde mental e ao restante da rede intersetorial (GOULART et al., 2013, p. 188-189).

Assim, com a RPB pretendeu-se, além de melhorar a qualidade no atendimento, criar mecanismos e espaços para um tratamento pautado na inclusão e inserção comunitária. Isso resultou na criação de novos mecanismos e espaços de tratamento que provocaram a necessidade de uma ação intersetorial com as demais políticas sociais e de um trabalho pautado no fortalecimento da atuação em rede de forma a possibilitar uma intervenção integral ao usuário.

Fica claro então, que a intersetorialidade permite o estabelecimento de espaços compartilhados de decisões entre instituições e diferentes setores do governo, permitindo considerar o cidadão em sua totalidade, nas suas necessidades individuais e coletivas, colaborando para ações resolutivas no cuidado ampliado ao ser humano. Há, pois a necessária construção de parcerias com outros setores - educação, trabalho e emprego, habitação, cultura, segurança, alimentar e outros - para que essa ampliação do cuidado aconteça.

Em outras palavras, esse bem - saúde - como componente e exercício da cidadania, constitui-se em um referencial e um valor básico a ser assimilado pelo poder público e a sociedade de uma maneira geral.

Por isso, ressaltamos a importância do conhecimento e da articulação dos espaços que estão na realidade dessas pessoas que fazem uso prejudicial de drogas. A adoção da ideia da intersetorialidade é vista como mecanismo fundamental de garantia de direitos e de atendimento às necessidades da população, contribuindo para o fortalecimento das redes de atendimento no campo da SM.

4.4 Demandas e ações profissionais face à construção da intersetorialidade