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Condizentes com o modelo macroeconômico de ajuste fiscal, as políticas sociais pautavam-se, continuando até hoje, na focalização e não na universalização. Não por acaso, as políticas sociais focalizadas têm estreita relação com as reformas de cunho liberal e visam tão somente minorar os efeitos das políticas propostas pelo Banco Mundial. O modelo de política social focalizado trabalha com um conceito defasado de pobreza14 e “[...] reduz o número real de pobres, suas necessidades e o montante de recursos públicos a serem disponibilizados – adequando-os ao permanente ajuste fiscal [...]” (FILGUEIRAS; DRUCK, 2006, p. 4).

É por esse motivo que as políticas sociais ficam passivas a cortes que reduzem cada vez mais os investimentos. Lesbaupin e Mineiro (2002, p. 40) apresentam os seguintes dados:

Entre 1995 e 2001, o investimento em saúde cai de 4,8% para 3,9%, a educação desce de 3% para 2%, a parte relativa à habitação permanece durante todo o mandato abaixo de 0,2%, e o setor de assistência e previdência oscila de 17,15% para 14,1% até chegar em 2001 com 18,7% - sendo que a maior parte desse orçamento é a parte da previdência (a parte da assistência social caiu fortemente).

Sofrendo dos males do corte orçamentário, a alternativa proposta à saúde foi a criação da Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF), a fim de obter recursos para aplicação exclusiva. Após idas e vindas, a criação da referida contribuição foi aprovada, mas os recursos a serem obtidos não ficaram restritos à aplicação em saúde; pelo contrário, destinaram-se ao pagamento de dívidas do governo.

Da mesma forma que se pregava a melhor eficiência dos serviços quando em tutela do setor privado, a ideia passada pelo Banco Mundial priorizava novamente a focalização. Dever-se-ia cobrar os serviços dos que podem pagar e estimular a oferta privada de alguns serviços (COSTA, 1996; CARVALHO, 2002, apud LESBAUPIN; MINEIRO, 2002).

Passando ao caso da educação, o projeto proposto pelo Banco Mundial, como todos, era privatizar. A educação deveria ser pública somente no Ensino Fundamental; no Médio, mista; e, no Superior, totalmente privada. Para enfatizar, “[...] o argumento usado é que, se a universidade fosse paga, haveria mais espaço para os estudantes pobres, que receberiam bolsas” (LESBAUPIN; MINEIRO, 2002, p. 46).

A qualquer custo, precisava-se encontrar “provas” de que a universidade pública era dispendiosa. Para isso, muitas medidas foram utilizadas, a fim de promover a aceitação por parte das pessoas que compunham a academia. Como explicam Lesbaupin e Mineiro (2002), as principais foram: congelamento de salários, redução de verbas, corte paulatino das bolsas de estudo (mestrado e doutorado) e ameaça à aposentadoria de professores e servidores. Agindo em outra frente, as estruturas das instituições foram deixadas à própria sorte. Em alguns casos, faltava água, luz e serviço de segurança. Por fim, uma das propostas mais chocantes idealizava desvincular o ensino da pesquisa. Por causa dessa perspectiva, criar-se- iam centros de excelência em pesquisa.

Uma contestação feita por Lesbaupin e Mineiro (2002) refere-se à desculpa da “falta” de recursos para as universidades, pois se tem notícia de que o BNDES financiou atividades de universidades privadas. Diante disso, torna-se falha a alegação de falta de recursos, uma vez que o setor privado foi beneficiado mais uma vez, em detrimento do público.

Um dos eixos mais importantes das políticas sociais, a reforma agrária, foi tratado como um simples processo de assentamento das famílias camponesas em lotes de terra. Para o desenvolvimento das atividades por parte dos trabalhadores camponeses, é necessário oferecer uma série de serviços essenciais/básicos, como água, saúde, educação e crédito, além de infraestrutura adequada. Na realidade, os

serviços e a infraestrutura foram oferecidos de maneira inadequada. De todo modo, uma ressalva feita por Lesbaupin e Mineiro (2002, p. 52) indica uma pequena vitória:

Apesar destas não pequenas dificuldades, muitos assentamentos conseguiram se organizar, estruturar cooperativas, diversificar as atividades e ter como resultado uma alta produtividade. Nestes casos, o assentamento é inclusive um dinamizador da economia da região.

A questão da violência no campo é outra observação a se fazer. Notou-se uma série de conflitos violentos no campo, resultando em massacres de trabalhadores, quase sem nenhuma punição aos responsáveis. Muito disso deve ser creditado ao fato de o governo rotular os movimentos sociais camponeses como criminosos. A comissão da Pastoral da Terra (CPT) é a responsável por divulgar uma série de números que dão a exata noção do tamanho do problema. Por exemplo, somente no ano de 2002, foram registrados 36 assassinatos e 245 ameaças de morte (CPT, 2002).

O direito à propriedade da terra para fins sociais é uma questão importante e não deve ser tratada pela lógica de mercado, assim como foi feito no governo FHC (LESBAUPIN; MINEIRO 2002). Faz-se necessária uma reforma agrária que, de fato, privilegie os camponeses e rompa como a estrutura do agronegócio.

A indústria do agronegócio resume-se a um empreendimento que visa somente o lucro, não importando a forma como a produção seja alcançada. O uso predatório da terra, de agrotóxicos, de maneira indiscriminada, e a especialização em apenas um tipo de cultura são suas principais características (PESSOA; RIGOTTO, 2012). Além disso, o latifúndio, marca registrada do agronegócio, limita o acesso à terra àqueles que realmente necessitam. Por conta dos grandes latifúndios, a função social da terra não é respeitada, ou seja, seu uso pelo indivíduo como moradia e para a produção de alimentos que garantam sua própria subsistência e a de seus familiares (MARÉS, 2010).

Os discursos e as propostas de campanha tentaram passar a ideia que um novo país seria construído. Segundo o próprio Cardoso (2008 p 4, grifo do autor):

A estabilização da economia permite agora repensar o projeto de desenvolvimento do país. O equilíbrio macroeconômico não é um fim em si mesmo, mas é um passo indispensável para recolocar a sociedade na rota do progresso econômico e social. É preciso aproveitar o avanço na estabilização para encaminhar soluções permanentes para os problemas estruturais do país. A proposta do Governo Fernando Henrique submete à

discussão um projeto de transformação da sociedade brasileira. Estão definidas diretrizes claras e viáveis que respondem às necessidades fundamentais do povo brasileiro. Por trás da desorganização do Estado e das dificuldades da economia que a inflação expressava, está o esgotamento do nosso modelo de desenvolvimento baseado na industrialização protegida. É preciso definir e implementar um novo modelo de desenvolvimento que combata a miséria, melhore a distribuição de renda, assegure a inserção inteligente da economia brasileira no mundo e reorganize o Estado.

No entanto, de acordo com Lesbaupin e Mineiro (2002, p.7):

Durante os últimos oito anos, este país não teve governo positivo, se considerarmos que um governo deve se caracterizar por ter uma uma (sic) política de saúde, de educação, de habitação, de transporte, uma política industrial e tantas outras necessárias ao desenvolvimento da nação. Ele teve apenas uma política, a política econômica de ajuste. E essa se caracterizou por oferecer o Brasil como um espaço de valorização ao capital financeiro nacional e internacional, multiplicando os lucros dos bancos e dos aplicadores financeiros, com taxas de juros elevadas e sobreendividamento (sic). Foram feitos acertos com os organismos financeiros internacionais para garantir os ganhos dos investidores, comprometendo enorme quantidade de recursos preciosos do orçamento do país transferidos como ganhos financeiros aos credores das dívidas interna e externa

O primeiro trecho citado faz parte do livro Mãos à obra, Brasil: proposta de governo, e, como o próprio título sugere, é apresentada a proposta do então candidato Fernando Henrique Cardoso. O segundo trecho citado foi utilizado para contrapor o primeiro.

No discurso apresentado antes das eleições, como já mencionado, dava-se a entender que o país passaria por uma série de transformações tanto sociais como econômicas, e que, a partir delas, alcançaria o progresso. O discurso não representou a realidade, pois se observou um governo determinado a cumprir sem questionamentos as imposições dos organismos financeiros internacionais e das elites conservadoras do país.

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