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MAPA 4 Região Centro-Oeste

1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS: A TEORIA DA VARIAÇÃO E MUDANÇA

1.4 Polarização sociolinguística

As questões discutidas anteriormente nos facultam assumir que o contato entre as línguas dos colonizadores, dos nativos, dos negros africanos e dos mestiços foi determinante para o enriquecimento da língua portuguesa no que se trata da diversidade linguística nela existente. A explicação se encontra no fato de o “português geral”, variedade do português surgida da mistura das línguas usadas no Brasil colonial, ter sido disseminado pelo país, visto que havia uma intensa movimentação dos índios, dos escravos e dos mestiços de um lugar ao outro para o trabalho braçal nas lavouras de café, de cana-de-açúcar e outros. Sobre essa movimentação, Lucchesi (2001, p. 105) afirma que “o massivo deslocamento de populações pode explicar em boa medida a homogeneidade diatópica das variedades populares do português do Brasil”.

Nessa perspectiva, segundo Lucchesi (2003; 2004; 2006; 2015), a realidade linguística brasileira se constitui um todo plural e polarizado, afirmação que se sustenta na identificação de dois polos (subsistemas) que separam a variedade popular da variedade culta da língua no país com sistemas de avaliação e processos de mudança distintos, pois a variedade culta, desde o século XVI, é característica dos segmentos letrados e favorecidos economicamente, enquanto a variedade popular é característica da maioria da população, desprovida de poder econômico

e de escolarização. De conformidade com Lucchesi e Baxter (2006, p.189), “[...] o que ocorreu, e ainda ocorre no Brasil, é um violento processo de segregação social, com evidentes reflexos linguísticos”, o que pode ser notado na estigmatização que sofrem os indivíduos da zona rural e pobres, usuários da variedade popular da língua, muito embora os estigmas tenham sido minimizados com o quadro de polarização da língua.

A proposta de Lucchesi (2006) de polarização sociolinguística incide na configuração do PB como um diassistema ou subsistemas, cujas distinções estão nos seus usos e na avaliação subjetiva das variantes, bem como nas tendências de mudança. A identificação desses subsistemas distintos, concebidos como unidades autônomas de análise, parte da observação e análise das evidências empíricas, bem como de eventos e desdobramentos da sócio-história do Brasil.

Voltados, pois, à sócio-história da polarização da língua, temos que a formação sociocultural, política e linguística brasileira se fez distante dos centros urbanos e sem influência desses, de modo a se caracterizar como de base rural, mesmo porque a maioria da população no período colonial esteve centrada, até o início do século XIX, no espaço rural, onde se concentravam as atividades econômicas da época. Assim sendo, Lucchesi (2001, 2002), ao se voltar à polarização linguística, fundamentado no contexto sócio-histórico do Brasil colônia, leva em conta a oposição entre zonas rural e urbana, às quais estão relacionadas as variedades popular e culta da língua, produtos da distinção étnica, demográfica, sociocultural e econômica daqueles espaços. Para corroborar essa ideia de Lucchesi, recorremos aqui a Faraco (2008, p. 43), com a seguinte afirmação “a norma, qualquer que seja, não pode ser compreendida apenas como um conjunto de formas linguísticas, ela é também (e principalmente) um agregado de valores socioculturais articulados com aquelas formas”.

Com essa afirmação do autor, melhor compreendemos o processo de formação linguística do Brasil, que ocorreu marcado pela fuga dos padrões gramaticais por aqueles que não só viviam no espaço rural, mas que também não tinham acesso à escolaridade. Surge, pois, de um processo irregular de transmissão linguística, a variedade popular da língua, variedade não falada e não aceita por uma pequena parcela de homens letrados da época, que viviam no espaço urbano e espelhavam seus usos linguísticos no modelo lusitano, o que é bem retratado na seguinte afirmação de Lucchesi “[...] a gente boa da colônia cultivava a língua e as maneiras importadas da Metrópole”.

Temos que, com o crescente processo de urbanização e, consequentemente, o processo migratório da zona rural para a urbana, que teve seu ápice no século XX, propriamente em 1980, assim também com a democratização do ensino, encurtou-se a distância entre os dois

pólos, ou seja, entre os usos da variedade popular e da variedade culta da língua, esta representada pela variedade urbana, aquela, pela variedade rural. Na verdade, o processo migratório e a difusão dos meios de comunicação em massa acabaram por desencadear de vez a aproximação dessas variedades, de forma a impulsionar o enfraquecimento da variedade rural, e o contato dessa com a variedade urbana implicou o surgimento de um dialeto urbano das classes menos favorecidas, tendo em vista que o indivíduo falante originário da zona rural, ao se sentir um cidadão urbano, “percebe mais facilmente a estigmatização que recebem os itens lexicais e expressões mais salientes de sua fala regional” (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 33),

Ribeiro (2017), com o argumento de que as barreiras sócio-geográficas entre as variedades rural e urbana foram reduzidas, afirma que as distinções entre essas variedades devem ser relativizadas, haja vista que a literatura brasileira já apresenta novos critérios de divisão para elas. Frente a esses novos critérios, postos na seção anterior, compreendemos haver influências das variedades rural e urbana uma sobre a outra, de forma que Lucchesi (2015) acaba por propor um continuum, por meio do qual as relações entre elas são observadas. Nesse continuum, essas variedades são tomadas como polos balizadores de diversas realidades que, num dado momento se afastam e em outro momento se aproximam de um desses polos, sendo a realidade socioeconômica das comunidades analisadas e dos agregados formadores de tais comunidades acompanhados nesse processo (BORTONI-RICARDO, 1985).

Está claro, pois, que o estudo da polarização a partir de um continuum, contribui, sobremaneira, para melhor compreendê-la, tanto que Bortoni-Ricardo (1985), reputando a situação sociolinguística brasileira, afirma o quanto é interessante a ideia de exposição das variedades em um ‘espectro hipotético’, partindo do vernáculo rural para se chegar ao padrão urbano das classes superiores,

Embora não possa ser tratado como um cotinuum pós-crioulo [a situação sociolinguística no Brasil] somos atraídos pela ideia de mostrar as variedades em um espectro hipotético que vai do vernáculo rural isolado, em um extremo, ao padrão urbano das classes superiores em outro. A distinção crucial que deve ser feita, então, é entre as características que mostram uma estratificação gradativa ao longo do continuum e aquelas que indicam uma estratificação nítida entre o discurso rural e o urbano (1985, p. 246).

Desta feita, a heterogeneidade do PB nos propicia advogar que suas variedades não estão/são compartimentalizadas, mas, ao contrário, estão polarizadas, ou melhor, num continuum (BORTONI-RICARDO, 2004, 2005), marcadamente de ordem social, haja vista levar em conta a região geográfica e as relações sociais do falante, conforme veremos na próxima seção.