• Nenhum resultado encontrado

Capítulo III. Modelos de Policiamento

3.4. Policiamento Orientado pelas Informações

Entre as décadas de 80 e 90 do séc. XX, a Polícia Britânica viveu tempos conturbados. Além de se basear nas características do policiamento tradicional, as rápidas mudanças provocadas pela globalização acarretaram o surgimento de novas formas de crime como o terrorismo ou a criminalidade organizada transnacional, questionando assim a capacidade de garantia securitária policial (Ratcliffe, 2003).

Os novos tempos exigiam uma Polícia mais eficaz e eficiente, e é desta necessidade que Jerry Ratcliffe desenvolve o POI, não só para capacitar a Polícia a adaptar-se à nova realidade social e criminal, como também para fazer face às restrições financeiras que cada vez mais abalam o policiamento moderno (Ratcliffe, 2002).

Como Tilley (2008) defende, o POI é uma forma eficaz de lidar com essa nova realidade, por incorporar os métodos e as tecnologias de informação modernos na produção de informações destinadas à garantia da segurança.

Assim, e tal como Fernandes (2014) refere, a ideia do POI resulta de dois relatórios elaborados no Reino Unido: o Helping with enquiries: Tackling crime effectively, de 19935,

e o Policing with Intelligence, de 19976. O primeiro proclama a mudança do paradigma de

policiamento reativo para um policiamento proativo, onde a utilização das informações viabiliza uma gestão mais eficaz e eficiente dos recursos policiais (Audit Commission, 1993). Já o segundo, veio advogar a importância da utilização das informações no policiamento, enquanto instrumento capaz de munir a Polícia de mais e melhor informação para lidar com os problemas de segurança (HMIC, 1997).

Destarte, releva-se necessário compreender o conceito de POI.

Apesar de ainda não possuir uma definição universalmente aceite, Clemente (2009, p. 97) entende-o como um “modelo de ação policial em que o produto informacional dirige o esforço de patrulhamento, para dissuadir a prática de incivilidades”.

Os produtos informacionais do POI capacitam as FS a responder e a reagir eficazmente às ameaças, por permitir a sua antecipação através da produção de informações que incidem quer sobre o crime e as condições que propiciam o seu surgimento, quer sobre as ameaças que afetam a segurança (Carter & Carter, 2009).

Por outro lado, Ratcliffe (2003) concetualiza o POI como um modelo de produção de informações criminais para apoiar a tomada de decisão policial no combate à criminalidade. As informações criminais, são assim um instrumento que fomenta a eficácia e a eficiência do policiamento (Mohler et al, 2015), uma vez que, de acordo com Gill e Phythian (2018), a essência do POI é o combate aos criminosos, prevenindo e interrompendo a sua atividade.

Subjaz daqui uma querela que assola a literatura de informações: o POI é desenvolvido com vista ao combate à criminalidade ou às ameaças como um todo?

Para responder às questões levantadas, vejamos como é perspetivado o POI e a sua forma de operacionalização por dois autores proeminentes nesta matéria: Jerry Ratcliffe e Jeremy Carter.

5 A Audit Commission foi uma agência independente criada pelo Reino Unido com o intuito de fiscalizar a

eficácia e gestão económica dos serviços públicos, no sentido de propor formas de rentabilizar o investimento do Estado naqueles serviços. Em abril de 2015 foi substituída pelo Public Sector Audit Appointments Ltd,

National Audit Office, Financial Reporting Council e Cabinet Office. Retirado de:

https://www.gov.uk/government/organisations/audit-commission.

6 A Her Majesty’s Inspectorate of Constabulary, atualmente denominado por Her Majesty's Inspectorate of

Constabulary and Fire & Rescue Services, é um serviço de inspeção independente, que fiscaliza a eficácia e

eficiência dos serviços policiais, de bombeiros e de salvamento britânicos. Retirado de:

3.4.1. Modelo Carter e Carter

Carter e Carter (2009) perspetivam o POI como um modelo de negócios e, como tal, almeja produzir informações de qualidade que capacitam as FS a tomar decisões de forma rápida e eficaz, e que protejam a segurança.

Nesse sentido, desenvolveram um modelo de caracterização e implementação do POI, posteriormente aprimorado por Carter (2013), e que assenta nos seguintes princípios e características:

1. Objetivo operacional: ameaças. Adotando uma filosofia de “todas as ameaças, todos os crimes, todos os danos” (Carter, 2013, p. 150), os serviços de informação produzem informações de segurança que abarquem todas as ameaças que poderão contender com a atividade policial, nos seus diferentes níveis: estratégico, operacional e tático;

2. Foco geográfico: multi-jurisdicional, o que preconiza uma colaboração e partilha de informações intra FS (dentro da própria FS e com outras FSS) e inter FS (como a comunidade, outras instituições públicas ou empresas privadas) por forma a recrudescer as fontes de informações;

3. Componente analítica: análise de informações em lato sensu e não apenas limitado à análise criminal, onde serão atendidos todo o tipo de fontes e métodos de produção informacional. De salientar ainda a importância do feedback do produto informacional dado pelo decisor, enquanto manancial de orientações à produção de informações;

4. PP e POP como fundação do POI: o POI beneficia e integra das melhores práticas desenvolvidas pelo PP e pelo POP, que constituem uma miríade de características que configuram uma mais-valia para a sua atuação;

5. POI como um modelo Bottom-up: onde a produção de informações é iniciada pela recolha de dados e notícias pela comunidade e pelo patrulheiro. Depois de obtido o produto informacional, é apresentado ao decisor para a tomada decisão adequada à mitigação das ameaças.

Com a Figura 10 (Anexo 9) a esquematizar a forma de funcionamento deste modelo, percebemos que segundo a orientação dada pelo feedback do decisor, os serviços de informações convertem os dados e notícias provenientes das mais variadas fontes (elementos policiais, fontes abertas, comunidade, outras instituições públicas ou privadas) em informações de segurança, que serão posteriormente utilizadas pelo decisor policial para a delineação de estratégias de prevenção das ameaças.

3.4.2. Modelo Ratcliffe

Ratcliffe (2016) entende o POI como um modelo de negócios baseado na gestão dos recursos policiais segundo as prioridades estabelecidas pelas informações, tal como uma filosofia de gestão que salienta a importância da partilha informacional e a definição de soluções estratégicas para os problemas da criminalidade.

Nesse sentido, operacionaliza o POI com base nos seguintes princípios:

1. Objetivo operacional: criminalidade. Desde o seu surgimento, o conceito de POI tem sofrido algumas mutações, pelo que a definição apresentada por Ratcliffe (2003) já se transmutou. Nesse sentido, o POI tem vindo a ser defendido como um modelo de policiamento e, como tal, visa a produção de informações que auxiliem a tomada de decisão policial na definição de estratégias conducentes à concretização dos objetivos institucionais. Destarte, e porque as FS não lidam apenas com a criminalidade, o conceito de POI está a direcionar-se para uma abordagem de "todos os crimes, todos os riscos e todos os danos" (Ratcliffe, 2016, p. 108).

2. Foco geográfico: intra-jurisdicional. Embora admita que a interpretação do ambiente criminal do séc. XXI pressupõe a utilização de um vasto conjunto de fontes de informação inter e extrapoliciais, Ratcliffe (2016) alerta que a colaboração entre as FS e comunidade e outras instituições policiais e não policiais reclama a reorganização cultural e estrutural das organizações policiais. Desde logo ao nível da colaboração e partilha de informações entre a Polícia e estes parceiros.

3. Componente Analítico: análise criminal. Não obstante, o autor alerta que a literatura de informações é assoberbada por confusões concetuais, tais como a que opõe os conceitos de análise de informações e análise criminal. No seu entendimento, ambos os conceitos significam o mesmo enquanto instrumento de produção de informações, sejam elas criminais ou não. Como tal, defende que a utilização de um ou outro conceito quer significar o mesmo e que, futuramente, haverá a fusão de ambos os conceitos.

4. PP e POP como fundação do POI: embora reconheça o valor e utilidade do PP e POP, o autor considera tratarem-se de filosofias de policiamento diferentes da do POI e, por conseguinte, não se devem miscigenar. Defende, portanto, a implementação e vigência isolada do POI no seio das FS, bem como o abandono dos paradigmas do PP e do POP, por considerar que a adoção dos três tipos de policiamento em simultâneo é incomportável. 5. POI como um modelo top-down. Para Ratcliffe (2016) a operacionalização do POI depende de uma liderança policial forte e sensibilizada para a importância da inclusão das informações no policiamento. Como tal, compete aos decisores orientar os analistas criminais no processo de produção de informações, com vista à prevenção, diminuição e interrupção da criminalidade e de danos.

Com base nestes princípios e características, Ratcliffe (2016) desenvolveu o modelo 3-i (três “i’s), assente nas relações de interpretação, influência e impacto que se estabelecem entre três atores: ambiente criminal, análise criminal e decisor.

Segundo este modelo (Figura 11, Anexo 9), entre a análise criminal e o ambiente criminal estabelece-se uma relação unilateral de interpretação, onde o primeiro interpreta o segundo com vista à produção informacional. Com esse produto, a análise criminal influencia o decisor na definição de estratégias de ação. E, por fim, estas estratégias serão adequadas à produção de impactos positivos no contexto de atuação policial, isto é, à diminuição da criminalidade.

Todavia, e como o próprio conceito de POI está em constante evolução, Ratcliffe (2016) sugere que para a análise criminal influenciar a tomada de decisão, deve produzir informações que satisfaçam as intenções e necessidades do decisor. Como tal, o decisor deve comunicar e partilhar as suas intenções com os analistas criminais para que estes saibam que tipo de informações produzir. Estaremos então perante um modelo 4-i (Figura 12, Anexo 9).